Ao avaliar a participação das mulheres na formação do Oeste paranaense o papel de coadjuvantes do heroísmo dos homens pioneiros não é uma informação exata. Nas atividades do dia a dia e na criação dos filhos, a força de suas esposas se revelou na parceria ao longo da vida e na viuvez, sustentando proles numerosas.
Quando morreu Renato Festugato (1910–1997), quem conhecia a viúva Suely Marcondes de Moura como exclusivamente dedicada à família, proveniente do Rio Grande do Sul, teve uma surpresa com seu protagonismo em atividades comunitárias que lhe valeram homenagens tão importantes quanto as recebidas pelo marido e pelo filho Sérgio Mauro.
Renato, que pela ação de sua Industrial Madeireira do Paraná deu feições de cidade à então pequena Cascavel, é nome de uma avenida próxima à Coopavel, enquanto o filho Sérgio é lembrado no Ginásio de Esportes e Suely dá nome desde 1999 a um Parque Ambiental na Estrada Jacob Munhak, junto à Fundetec, ao qual está integrado o Centro de Educação Ambiental.
Essas homenagens representam o reconhecimento a uma família que iniciou a transformação de Cascavel de pequena vila em metrópole.
Muitas outras viúvas deram sequência admirável aos esforços de suas famílias, das quais uma das mais representativas foi a enfermeira e parteira Elvira Feiten Franz (1907–1978). Gaúcha de Montenegro, casada com Jorge Martins Franz, teve com ele as filhas Maria Rita [Sarolli] e Paola Terezinha [Sonda] e ficou viúva aos 27 anos.
Guerreira urbana
Vindo para Cascavel em 1954, Elvira abriu o primeiro laboratório de análises clínicas de Cascavel, nas proximidades da Praça Wilson Joffre, depois adquirido por Altair Mongruel.
Ela organizou o primeiro posto de saúde de Cascavel e foi sua primeira funcionária, como enfermeira. Nessa função, organizou também o laboratório municipal de análises.
Mesmo antes de exercer a função pública ela fazia trabalho social, atendendo a partos de pessoas carentes, não se importando em ter que ir aos lugares mais remotos, pois o município de Cascavel era enorme, seguindo das barrancas do Rio Piquiri, ao Norte, até as margens do Iguaçu, ao Sul.
Nesse interior selvagem, era comum Elvira se deparar com jagunços e posseiros armados em luta pela terra. Se nessas andanças a arma que Elvira portava era a boa vontade, outro importante símbolo da mulher pioneira, Hilda Maria Luísa Hausen Formighieri (1921–2003), confessou que em seus primeiros anos em Cascavel passava o tempo andando de botas e revólver na cintura – caçando.
Com avós imigrantes alemães que possuíam uma fundição de ferro em Colônia Velha (RS), filha de comerciantes e nascida em Pinheiro Marcado, distrito de Carazinho (RS), Hilda começou a costurar aos 13 anos de idade e quando a família se transferiu para Caçador (SC) ela se casou com Eurides Cezário Formighieri.
Na pequena Cascavel
Hilda tinha pela frente uma vida de costuras, por sua habilidade na confecção de vestuário. Um fato novo, entretanto, mudaria suas perspectivas: o sogro, Virgílio Formighieri, construía estradas pelo interior de Santa Catarina e Paraná e decidiu fixar seu QG em Curitiba e em seguida em Ponta Grossa.
O próximo passo seria Cascavel, mas como a família não recebeu o pagamento por obras rodoviárias executadas no Paraná teve do governador Moysés Lupion a oferta de terras no interior do Estado, optando por se estabelecer na Colônia Centenário
Com a eleição do cunhado José Neves Formighieri à Prefeitura de Cascavel a família passou a se dividir entre as atividades rurais e urbanas.
“Viemos para morar em Cascavel e chegando aqui notamos que não havia nada na cidade. Tinha dois hotéis, o do seu Horácio Reis, onde ficamos e o do Zandoná, cuja esposa era a parteira do lugar; o Bartnik, com o comércio, o Correio, que era da Maria Maceno, o Sandálio dos Santos e mais algumas famílias”.
Vendo a cidade sem atrativos, Hilda e a cunhada Nair preferiram trabalhar na fazenda em Centenário. “Achamos que se morássemos aqui ou na fazenda, era a mesma coisa, pois o mato era o mesmo. Então nós duas arriscamos conhecer o lugar para ver se era possível morar lá”.
Chegar à fazenda foi uma aventura para duas mulheres sozinhas. “Fomos um pedaço de ônibus e entramos a pé 18 quilômetros até encontrar a terra do meu sogro”, lembrou Hilda.
O boi brabo
“Um caso pitoresco nessa trajetória foi que depois de andar cinco quilômetros anoiteceu, então ficamos na casa de uns caboclos. A senhora da casa estava passando muito mal e tinha muita gente. Era um rancho de chão batido e muito pequeno. Como a Nair era assistente social, viu que o problema não era tão grave e cuidou da mulher”.
Ao ajudar, atraíram simpatia e acolhimento, mas a noite foi gelada e chuvosa, situação que amontoou várias pessoas, cães, “um terneiro e muita pulga dormindo junto”, lembrou Hilda.
“Nós passamos a noite cochilando num banquinho estreito. Seguimos viagem até chegar na casa do meu sogro. Era um rancho com a cozinha de chão batido. Vimos que dava para ficar lá, era até mais divertido que na cidade”.
Sua diversão era atirar. Sempre armada, Hilda disse que fez “muita injustiça, pois cacei muito passarinho, matei papagaio em copa de pinheiro”. Certa vez o cunhado Neves queria abater um boi muito bravo e ninguém tinha coragem de esfaquear o animal. “Então me chamaram e eu dei um tiro bem no meio da testa. O boi estrebuchou no chão num instante”.
O dia a dia entre armas
Quando o cunhado Neves Formighieri foi eleito para a Prefeitura de Cascavel, o marido Eurides já havia comprado uma casa na Rua Paraná, perto da igreja Santo Antônio, e a partir daí Hilda passaria a usar mais a agulha de costureira que as armas, obrigatórias na fazenda.
Em seguida chegou à cidade o padre Francisco Schlüter, que foi morar com Eurides e Hilda enquanto era construído para ele um anexo à capela. Hilda ajudava o religioso em suas atividades na cidade e se desligou da vida rural, mas não de ter uma arma de fogo sempre à mão.
Deu-se que o marido Eurides Formighieri foi designado pelo governo estadual para assumir a Delegacia de Polícia. Com isso, ter armas sempre à mão passou a ser uma obrigação familiar.
Em Foz do Iguaçu, viver entre gente armada também era uma condição habitual para Amanda Fritzen Holler. Na instável fronteira, seu momento mais difícil se deu em agosto de 1949, quando o marido João Holler, ao jantar, ouviu um chamado vindo da frente da casa.
Seu bar fechava à noite para não ter que lidar com gente embriagada, mas nos fundos ele recebia os conhecidos. Holler atendeu ao cliente que chamava e em seguida, lembrou Amanda, chegaram dois paraguaios pedindo cachaça.
“Percebi que estavam nervosos. Não fazia calor, mas eles suavam. Desconfiada, eu pedia em alemão ao meu marido que os mandasse embora e fechasse o bar. Ele não deu importância. De repente entrou outro paraguaio e começaram a atirar contra meu marido, que correu para fora, mas morreu em seguida”.
Amanda correu com as crianças para o mato. “Os bandidos entraram na casa, reviraram tudo e roubaram o que puderam carregar”, disse ela, em depoimento ao livro Foz do Iguaçu Retratos (1994).
Mantendo o negócio
“Desde então, sempre que a polícia prendia algum criminoso ou suspeito, eu era chamada à delegacia para reconhecimento. Foi assim que, nove meses depois, a polícia prendeu um bandido paraguaio, fui lá e reconheci nele um dos assassinos do meu marido”.
Viúva e com três crianças, ainda assim Amanda decidiu não desistir do comércio. Mudou a mercearia da família do Rio Tamanduá para o bairro Boicy, com ajuda do sogro e dos fornecedores, que lhe ofereciam mercadorias para pagar quando pudesse.
O perigo, entretanto, continuava próximo. Ela se casou com o militar Bernardino Etelvino Velho, um sargento do Exército conhecido por lutar contra jagunços e participar do movimento guerrilheiro MR-8.
Por sua vez, parceira como raras, Inês Babinsk Bartnik acompanhava o marido Vítor, carroceiro e agropecuarista, para o que desse e viesse em Cascavel. Quando saía com o marido, os dois iam armados. Certa vez, partiram para recuperar o gado que jagunços haviam roubado da família e foram recebidos a tiros, segundo a praxe da época.
Ela sobreviveu ao tiroteio. Costureira, filha de um sapateiro de origem alemã, Inês fazia fardas para a Polícia Militar. O marido, depois desse tenso episódio viveu outros duelos, até que acabou morto a tiros na véspera do Natal de 1969.
A primeira família: A memória que faltava
Foi prevista em 2022 a publicação de um livro a respeito do centenário da chegada da primeira família a se fixar em Cascavel, mas o projeto foi mais uma vítima da Covid 19. Agora é retomado aqui, em recortes semanais.
Importante assinalar que antes da primeira família a se fixar em área do atual Município de Cascavel outras vieram, passaram e não deixaram registro.
A história, obviamente, não é feita apenas de datas nem por homens isolados. Resulta de uma ampla rede de fatos, pessoas e decisões pelas quais eles, os homens, em suas ações cotidianas, suas famílias, o meio e a sociedade em que vivem, estabelecem vínculos e vivem circunstâncias.
A narrativa que passa a se desenrolar nesta semana não aborda a história geral e a presença de uma família nela, como consta no livro Cascavel, a História, que é uma visão geral de três séculos. Aqui, é a história de uma família e sua relação com o desenvolvimento de Cascavel e do Oeste no século XX.
É um resgate inédito que por não ser publicado em 2022 é ainda desconhecido pelo público e só parcialmente conhecido por alguns poucos historiadores.
É a história da família Schiels, narrada desde sua vinda da Europa. Além de inédita, é emocionante e descritiva de como era o Oeste do Paraná na primeira metade do século XX.
