Por unanimidade, o Conselho de Ética do Poder Legislativo de Marechal Cândido Rondon aprovou o relatório que propõe a suspensão por 30 dias do mandato da vereadora Tania Maion. O parecer final da Comissão de Ética foi lido na tarde de hoje (04) pelo relator, vereador Marcos Spohr (Sargento Spohr), e teve votos favoráveis dos outros dois vereadores da Comissão, presidente Welyngton Alves da Rosa (Coronel Welyngton) e membro Cleiton Freitag (Gordinho do Suco).
Encerrado o trabalho da Comissão de Ética, o relatório segue para análise da Comissão de Justiça e Redação, que irá verificar se os trâmites legais do processo foram cumpridos. Após, o documento será encaminhado ao vereador presidente Valdir Sachser (Valdzirzinho), que deverá pautar o relatório para ser votado por todos os 13 vereadores em sessão plenária.
Para que a suspensão do mandato aconteça o relatório deve receber, no mínimo, sete votos favoráveis.
O Conselho de Ética instaurou procedimento após o prefeito Adriano Backes notificar a Câmara de Vereadores, alegando que Tania Maion teria afrontado o decoro parlamentar durante tentativa de fiscalização das atividades da Casa Lar, em abril deste ano.
No relatório final, Sargento Spohr justifica o pedido de suspensão do mandato por “reconhecer que a vereadora durante sua fiscalização na Casa Lar cometeu excessos, causando ofensas, constrangimentos e humilhação aos servidores envolvidos, através de gestos e ações que causaram mal injusto, se valendo da posição de autoridade política de um dos Poderes constituídos do Município, com o objetivo de atender seu eleitorado e engajamento através de divulgação na tribuna e rede sociais.”
Após a leitura do relatório, Tania Maion manifestou-se “surpresa e indignada”. Reafirmou que não infringiu nenhum regulamento da Casa Lar e que, ao fiscalizar o local, estava em pleno exercício do mandato de vereadora.
O advogado que defende a vereadora, Alexandre Gregório da Silva, criticou o parecer. Afirmou que, durante os depoimentos das testemunhas, ficou evidenciado que a notificação apresentada pelo prefeito contra Tania Maion não aconteceu por causa da visita à Casa Lar.
Mas, sim, pelas manifestações na tribuna feitas pela parlamentar em 28 de abril, quando contou sobre as dificuldades para fiscalizar aquele espaço destinado ao acolhimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Conforme o advogado, o discurso de Tania Maion desagradou a secretária de Assistência Social e primeira-dama, Andria Backes.
O vereador Cristiano Metzner (Suko) manifestou-se a favor de Tania Maion, dizendo que “ao meu ver, ela tem se manifestado de forma necessária”.
Ao encerrar a reunião, o presidente da Comissão de Ética, Coronel Welyngton, parabenizou a todos os envolvidos nos trabalhos, inclusive à defesa da vereadora, que atuaram de forma a respeitar às normas legais do processo.
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RELATÓRIO FINAL
PROCESSO DISCIPLINAR Nº 01/2025
PARECER E VOTO RELATOR
REPRESENTANTE:Adriano BackesREPRESENTADO:Tânia Aparecida Maion
I – DO RELATÓRIOO presente processo teve seu impulso oficial com a finalidade de apurar a representação formulada pelo Exmo Sr. Adriano Backes, Prefeito Municipal, em face da Vereadora Sra. Tânia Aparecida Maion.
Conforme amplamente debatido e noticiado, a representada teria tentado adentrar no estabelecimento Casa Lar sem as devidas formalidades legais e descumprindo os deveres inerentes a sua função como agente político.
No referido episódio, a parlamentar tentou adentar a unidade utilizando veículo oficial da Cãmara Municipal, acompanhada de assessora e realizando filmagens do local, incluindo registros da fachada da instituição e de servidores públicos em exercício.
Tal conduta gerou apreensão entre os profissionais presentes, os quais atuaram preventivamente dentro dos parâmetros estabelecidos pela Política de Proteção Integral.
(…)
A conduta adotada pela vereadora, à margem dos protocolos, foi interpretada como invasiva, desrespeitando normas legais e institucionais que visam garantir os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes acolhidos, especialmente quanto à intimidade e privacidade.
Ressalta-se que as prerrogativas parlamentares, embora relevantes, não são absolutas, devendo ser harmonizadas com os direitos fundamentais das crianças e do adolescente, conforme jurisprudência consolidada.
A Secretária Municipal de assistência Social, ao ser comunicada da presença da vereadora, não impediu a visita, mas buscou mediar a situação e orientar quanto aos riscos de exposição indevida, reforçando a necessidade de agendamento e autorização prévia. Tais tentativas, no entanto, forma interpretadas de forma negativa pelo parlamentar.
Registra-se, ainda, que a Secretária, agindo no seu dever protetivo e no suo de suas atribuições, manteve postura respeitosa e conciliadora, mesmo diante de interrupções constantes e reações desrespeitosas por parte da vereadora.
(…)
No entanto, ainda nesse momento, a vereadora foi expressamente advertida acerca da impossibilidade de realização de gravações ou registros audiovisuais, conforme previsto no Regimento Interno.
Apesar do alerta, a parlamentar voltou a adotar postura agressiva e, em evidente abuso de autoridade, interpelou diretamente o servidor cuidador responsável pela orientação inicial, expondo-o de forma constrangedora e vexatória perante os demais presentes, em clara violação ao dever de urbanidade e respeito que deve nortear o exercício da atividade pública.
(…)
Cumpre registrar, ainda, que, no dia em que utilizou a tribuna da Câmara Municipal para relatar o referido episódio, a parlamentar, de forma irresponsável e em total desrespeito à dignidade dos servidores públicos envolvidos, proferiu comentários ofensivos e levianos diante de terceiros, insinuando a possibilidade de conduta imprópria por parte de servidor que, no cumprimento de suas atribuições na Casa Lar, segurava uma criança no colo, atitude absolutamente comum e inerente ao exercício da função de cuidador.
Foi juntado aos autos cópia de filmagem da área externa frontal da Casa Lar, a qual apresenta a vereadora ingressando no recinto.
Conforme defesa preliminar, insurge a edil contra os fatos articulados pelo alcaide, nos seguintes termos:
No exercício regular de suas atribuições constitucionais de fiscalização, a vereadora compareceu à Casa Lar, acompanhada de assessora parlamentar, devidamente identificada, utilizando veículo oficial da Câmara. Conforme relatado, a intenção da visita foi exclusivamente institucional, voltada à averiguação das condições do serviço de acolhimento, não havendo qualquer comportamento que extrapolasse os limites da função legislativa.
Ainda que inicialmente o acesso tenha sido dificultado por orientações internas, a vereadora manteve postura respeitosa, solicitando o contato com a coordenação responsável e dirigindo-se ao Paço Municipal para os esclarecimentos.
Posteriormente, retornou à Casa Lar, a convite da Secretária Municipal de Assistência Social e acompanhada pela equipe gestora da assistência social e demais profissionais, tendo o acesso devidamente autorizado, sem qualquer registro de anormalidade ou excesso em sua conduta.
(…)
Ressalta-se que, em nenhum momento, restou comprovado comportamento desrespeitoso, constrangedor ou ofensivo por parte da vereadora em relação aos servidores da Casa Lar ou à equipe de assistência social. Ao contrário, a atuação da parlamentar pautou-se pelo zelo institucional, transparência e busca pelo aprimoramento do serviço público, tendo eventuais desencontros sido superados de forma administrativo, sem que isso caracterize, por si só, infração ao decoro parlamentar.
Foram acostados pela defesa documentos e vídeos produzidos no dia dos fatos, relatando a animosidade enfrentada pelas partes.
A presente representação foi recebida e as nulidades requeridas afastadas (fls. 74 a 85).
O Conselho de Ética solicitou ao prefeito o nome dos servidores que presenciaram os fatos relatados, o que foi fornecido às fls. 106/107.
A defesa sustenta novas nulidades, conforme pode ser observado às fls. 89-105, contudo, insubsistentes (fls. 109-114).
Foi designada a oitiva das testemunhas arroladas pelo Conselho e pela defesa (fls. 115-150).
Em sede de alegações finais, sustenta a defesa:
I – Ausência de Justa Causa e violação da Legalidade, Contraditório e Ampla Defesa, consubstanciado pelo fato de que da representação não constam: a) Quais teriam sido, de forma específica, as palavras consideradas ofensivas e supostamente proferidas pela vereadora; b) Quando, em que local e sob qual contexto tais manifestações teriam ocorrido; c) Onde e de que forma teriam sido publicizadas imagens sensíveis de crianças e adolescentes acolhidos pela instituição; d) Qual teria sido a conduta concreta da parlamentar que caracterizaria infração funcional ou desrespeito a preceitos éticos; e) Qual dispositivo específico da Lei Orgânica do Município, do Regimento Interno ou do Código de Ética teriam sido efetivamente violados.;
Sustenta ainda, que o Regimento da Casa Lar, em seus artigos 9º e 11 permitem a visita e circulação de órgãos de fiscalização, devidamente identificados, o que dispensa de autorização prévia.
Por fim, que a finalidade da representação foi exclusivamente pessoal, como retaliação ao discurso proferido na sessão legislativa ordinária do dia 28 de abril de 2025, como forma de frear o trabalho fiscalizatório concedido pelo mandato parlamentar.
Por derradeiro, argumenta que a ausência da publicação do regimento interno da Casa Lar inviabiliza qualquer represália em face de seu descumprimento.
Também aborda as seguintes causas:
II – Violação do Juiz Natural e Irregularidade na formação do Conselho, pois, conforme articulado, houve o recebimento da representação pelo presidente e a designação do relator ocorreu oportunamente. III – Preclusão no arrolamento de testemunhas pelo representante, que houve contaminação do conselho com a participação do alcaide, no sentido de solicitar as testemunhas quando o prazo do prefeito havia extrapolado, inclusive em número maior que o permitido. Ao final, que a intimação ocorreu pelo Poder Executivo e não pelo Poder Legislativo. IV – Indeferimento do depoimento pessoal do prefeito. V – Ausência de indicação do dispositivo legal violado, inexistência de fato típico. VI – Da ausência de intimação para ato deliberativo. VII – Suspeição do Presidente da Comissão de ÉticaNo mérito, pugna pela improcedência da representação, em razão do estrito cumprimento dos deveres conferidos pelo mandato parlamentar e a possibilidade de fiscalização em atenção ao artigo 9º do regimento interno da Casa Lar.
É o relatório.
II – DAS NULIDADES
Muitas das nulidades arguidas já foram objeto de análise por parte deste relator, senão vejamos:
II.I – Sustenta a inépcia da representação por ausência de dispositivo legal violado e deficiência fática.
Os argumentos apresentados já foram devidamente enfrentados e rejeitados por este Conselho, especialmente à luz do entendimento de que os princípios que regem o processo disciplinar administrativo não se confundem com aqueles aplicáveis à esfera penal. Enquanto o Direito Penal está submetido aos princípios da legalidade estrita e da tipicidade fechada, com exigência de descrição precisa da conduta típica, o processo disciplinar, por sua natureza administrativa, admite a utilização de normas com cláusulas abertas, fundadas nos princípios da moralidade, legalidade administrativa e interesse público.
Conforme ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o poder disciplinar é expressão do poder hierárquico da Administração Pública, permitindo a apuração e sanção de condutas incompatíveis com o exercício da função pública, mesmo que não configurem infração penal.
O ilícito administrativo não se confunde com o ilícito penal. A infração disciplinar pode ser apurada e punida independentemente da esfera penal, e ainda que o fato não constitua crime.
Nesse contexto, não se exige, no âmbito do processo disciplinar ou ético, a demonstração exaustiva e detalhada dos pressupostos típicos exigidos para a deflagração de ação penal. A análise da conduta dá-se com base em padrões éticos e funcionais próprios, e não sob a ótica da imputação penal, sendo desnecessária a exclusividade de autoria ou a capacidade postulatória formal, requisitos típicos do processo penal. Como observa Fernanda Marinela:
No objetivo de responsabilizar os agentes públicos por suas condutas é importante lembrar que existem vários tipos de responsabilidade que variam de acordo com o fato gerador, a natureza do ilícito praticado e a natureza da norma jurídica que os contempla, advindo daí a responsabilidade civil, a penal e administrativa. A responsabilidade civil pode ser subdividida em responsabilidade contratual e extracontratual, sendo que nesse ponto o que nos interessa é a extracontratual, supondo que não há relação jurídica, não há vínculo jurídico com com a vítima, não há contrato.
Frente a essas possibilidades, para cada ilícito é possível a interposição de uma ação respectiva. O ilícito de natureza civil deve ser apurado em ação cível, e a lei aplicável é também da mesma natureza. Para o ilícito penal, aplicam-se a lei pena e a ação também de natureza penal. No caso do ilícito administrativo, de infração funcional, o reconhecimento está no Estatuto dos Servidores Públicos e a investigação é realizada em processos administrativo disciplinar. Dessa forma, três processos são possíveis: o civil, o penal e o administrativo ao mesmo tempo, cada um com seu objetivo, apurando um ilícito diferente do outro, com legislações específicas, apesar de a conduta ser a mesma, e amis, há a possibilidade de as decisões serem diferentes em cada um deles. Aplica-se, nesse caso, a independências das instâncias, regra que prevalece a andamento nacional, apesar de algumas exceções.
Portanto, no âmbito do Conselho de Ética, o foco recai sobre a compatibilidade da conduta com os princípios da função pública, sendo possível o prosseguimento e julgamento do feito com base em elementos de convicção diversos dos exigidos na esfera penal.
Quanto a defesa, a mesma devem se defender dos fatos, conforme relatados e apurados no decorrer da instrução. Vale ressaltar que a justificativa de sua instauração foi a postura da vereadora quando da visita à Casa Lar, bem como, seu comportamento com os demais servidores e representantes da entidade.
O representante deve apresentar os fatos tal como ocorreram, sem a necessária adequação típica ou dispositivos violados, os quais serão fundamentados, ao final, pelo Conselho. A representada se defende dos fatos e não propriamente da imputação típica.
A representação dirigida aos Conselhos de Ética — sejam eles vinculados ao Poder Legislativo, a órgãos de classe ou a instituições administrativas — não exige a observância de pressupostos técnicos rígidos, como já citado a capacidade postulatória ou a presença de formalidades típicas de ações judiciais.
Esses processos possuem natureza administrativo-disciplinar, orientando-se pelos princípios do devido processo legal administrativo, da informalidade, da verdade material e do interesse público, conforme previsto na Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da União.
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
Dessa forma, qualquer cidadão, servidor ou interessado legítimo pode formular representação junto ao Conselho de Ética, sem necessidade de advogado ou de domínio técnico-jurídico, bastando a exposição dos fatos que possam indicar possível infração ética ou disciplinar.
O processo administrativo deve ser acessível, sem entraves técnicos excessivos, de modo a permitir que o cidadão comum possa exercitar seu direito de petição e denúncia sem a necessidade de assessoramento jurídico formal.
Neste sentido é a jurisprudência:PJE 0801058-62.2017.4.05 .8300 EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENA DE CENSURA PÚBLICA. ANULAÇÃO DO ATO DO CREA-PE . DESCABIMENTO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Apelação de sentença que julgou procedente o pedido formulado por Eduardo Augusto de Oliveira Martins, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art . 487, I, do CPC, sob o fundamento que não houve motivação suficiente para justificar a aplicação da penalidade de censura imposta ao apelado, já que o relatório e parecer se limitaram a citar dispositivos do Código de Ética Profissional e da Lei 5.194/66, sem especificar, com base nas provas coligidas ao PA, o que levou o CREA a impor a pena de censura pública ao autor. 2. Em suas alegações, a empresa apelante afirma, em síntese, que: a) cabe ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco a verificação do exercício das profissões de Engenharia e Agronomia, no que pertine à habilitação e ética profissional; b) dada ciência da decisão de julgamento do recurso, para exercício do seu direito de recurso perante o CONFEA, no prazo de 60 dias, quedou-se inerte o Apelado, implicando no trânsito em julgado da decisão; c) observou, no trâmite do processo administrativo disciplinar, os princípios que regem a atuação da Administração Pública; d) os atos administrativos sujeitam-se à apreciação judicial, desde que não invadam os aspectos reservados à apreciação subjetiva da Administração Pública, denominados de mérito administrativo . 3. O cerne da controvérsia a ser dirimida diz respeito à condução do procedimento administrativo – validade do processo ético-profissional que tramitou no âmbito do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco. 4. O referido processo ético-profissional foi instaurado a partir de denúncia promovida ao CREA-PE pela empresa FCB Engenharia LTDA, na pessoa de seu Sócio-Gerente, o senhor Celso da Costa Breyer, em 22/07/2014 (id . 4058300.2798969), em desfavor do apelado Eduardo Augusto de Oliveira Martins, que apura conduta consistente na falta de cumprimento de alguns itens do contrato (id. 4058300.2798972) firmado entre o denunciado e a citada empresa de Engenharia . 5. Compulsando a cópia do referido processo administrativo, constata-se que o Engenheiro Civil Gaio Camanducaia Fernandes Barrocas, Coordenador da CEEC do CREA-PE, por meio de decisão datada de 07/08/2014 (4058300.2798992), deliberou pelo acatamento da denúncia já mencionada. 6 . O Processo Administrativo Disciplinar, desenvolvido perante o CREA-PE, por ser um ato da Administração Pública, goza de presunção de legitimidade, isto é, há a pressuposição de que o processo administrativo atende ao direito positivo e interesse coletivo. Nesse diapasão, para ilidir a presunção de legitimidade do processo administrativo disciplinar, cabe ao interessado demonstrar as falhas do processo, arcando com o ônus probatório. 7. Neste diapasão, a própria sentença de primeiro grau, em sua fundamentação, é clara ao atestar a correição procedimental na condução do processo administrativo disciplinar em debate, ao aduzir que “ao longo de todo o processo disciplinar, foram cumpridas as disposições da Resolução do CONFEA nº 1 .004/03 (Regulamento para a Condução do Processo Ético Disciplinar). O autor foi notificado do acatamento da denúncia apresentada junto ao CREA (id. 2798998, p. 2 e 3), sendo-lhe facultado apresentar manifestação no prazo de 10 (dez) dias . Posteriormente, foi intimado a comparecer à audiência de instrução (id. 2799007, p. 3 e 6), tendo sido inquirido no dia 25/03/2015 (id. 2799042) . Somente em 22/03/2015 (id. 2799016), intempestivamente, o autor apresentou manifestação escrita”. 8. O argumento de que não houve adequada fundamentação da manifestação diz respeito ao mérito do recurso . Contudo, observa-se que o relatório e voto do Relator, o Engenheiro Marcílio José Bezerra Cunha, transcritos no processo administrativo 102.482.507/2014 (fls. 149-152 – id’s 4058300 .2799042 e 4058300.2799045), possuem motivação adequada, com a devida análise, inclusive, dos depoimentos prestados pelos envolvidos perante a Comissão de Ética Profissional (folhas 68; 69; 70; 143;144; 145; 146; 147; 148 do PAD), sendo estes (relatório e voto de fls. 149-152) a ratio das decisões de folhas 156/157 (id. 4058300 .2799045), que deliberaram pela aplicação da pena de censura pública. 9. Ressalte-se que nos processos administrativos vigora o princípio do informalismo, ou seja, não há a necessidade da observância de procedimento rígido e especifico para a prática de atos processuais, o que justifica, na lide em tela, a conclusão assertiva da integração do relatório e voto de folhas 149-152 às decisões de folhas 156/157. 10 . Ademais, a existência de fundamento contrário ao interesse da parte não se confunde com ausência de fundamento. 11. Por fim, deve-se destacar que é recomendável que interferências do Poder Judiciário na Administração pública sejam realizadas com bastante cautela, apenas a partir de robusto lastro probatório que assegure verossimilhança às alegações do interessado, ônus este não vencido pelo apelado, ao longo da instrução processual. 12 . Apelação provida, para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial, revogando-se a tutela de urgência concedida na sentença. 13. Inversão do ônus sucumbencial, condenando o apelado em honorários advocatícios fixados no percentual de 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, CPC). (TRF-5 – Ap: 08010586220174058300, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, Data de Julgamento: 02/06/2020, 2ª TURMA).
Portanto, o expediente de fls. 02 a 04 relatam de forma suficiente os acontecimentos ocorridos durante a visita parlamentar, logo, não há que se falar de falta de justa causa para iniciar o processo disciplinar.
Por derradeiro, novamente é oportuno repetir que este conselho apenas conduzirá o processo durante sua instrução, a penalidade depende de deliberação do colegiado, ou seja, os juízes finais são todos os parlamentares. Ainda, caso entenda que a conduta leva a cassação do mandato, todo o trabalho deverá ser refeito por comissão processante, conforme inteligência no próprio Código de Ética e DL 201/67.
II.II – Reiteradamente insurge a defesa quanto a designação deste relator e do recebimento da representação formulada, o que, pela sua ótica, impõe a nulidade insanável do ato.
Pois bem, no que consiste a designação do relator, o Art. 44 do código de ética estabelece que tal procedimento é exclusivo dos membros do colegiado, o qual devem ser convocados por pelo menos 2 (dois) dias de antecedência:
Art. 44. Se for oferecida representação ou denúncia contra Vereador ou se houver qualquer matéria pendente de deliberação, o Presidente do Conselho convocará seus membros com antecedência de pelo menos 2 (dois) dias úteis, para se reunirem na sede do Câmara Municipal, em dia e hora prefixados, para escolha do relator, nos termos deste Código.
Em que pese sua designação após o lapso fixado, posterior a apresentação da defesa prévia, não se configura Tribunais de Exceção ou vícios que possam macular a higidez do processo, se revestindo de mera irregularidade que não incide prejuízo.A designação deste relator foi efetuada dentro dos integrantes do colegiado e sem qualquer causa de suspeição ou impedimento, o que não evidencia qualquer prejuízo para a defesa.
No que consiste ao recebimento da representação e a sua ratificação da decisão da presidência pelo Conselho, a defesa sustenta vícios graves que na visão deste relator não ocorreram. Explico! Embora sugere, até de forma deselegante, que houve tratativas extraprocessuais, a ratificação é um mecanismo amplamente utilizado quando a decisão for emanada por autoridade incompetente.
No caso dos autos, a decisão não poderia ser monocrática, mas sim pelo colegiado, o que foi efetuado posteriormente, sanando eventual equívocos apresentados, note que não há qualquer parcialidade supostamente sugerida pela defesa.
Não há qualquer informação privilegiada ou privilégios, resultar no mesmo caminho é chegar no mesmo resultado em ambas as hipóteses apresentadas, ou seja, sempre a decisão seria do conselho (pleno), o que ocorreu!
Nestes termos inclusive é posição pacífica da jurisprudência:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO ADMINISTRATIVO – DECADÊNCIA PARA IMPETRAÇÃO NÃO CONFIGURADA – FISCALIZAÇÃO DE CENTRO DE FORMAÇÃO DE CONDUTORES POR ASSISTENTES TÉCNICOS DA AUTARQUIA DE TRÂNSITO – VALIDADE – RATIFICAÇÃO DO ATO PELA AUTORIDADE COMPETENTE – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO – DECISÃO REFORMADA – TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA DE NATUREZA ANTECIPADA REVOGADA. 1. Não há que se falar em decadência da impetração, porque o prazo decadencial para o manejo do remédio constitucional de origem é deflagrado pelo trânsito em julgado da decisão que negou provimento ao recurso administrativo, e não da notificação da fiscalização. 2 . Os assistentes técnicos, sob orientação superior direta, podem realizar a execução de atos na área de habilitação e educação para o trânsito, dentre os quais, a fiscalização dos centros de formação de condutores. 3. Ainda que se admitisse a incompetência dos mencionados agentes públicos, houve a ratificação de seu ato tanto pela servidora da corregedoria da autarquia (quanto pelo próprio corregedor do Detran/ES, o que denota o saneamento do vício de incompetência alegado. 4 . Recurso conhecido e parcialmente provido para reformar a decisão agravada, no sentido de revogar a tutela provisória de urgência de natureza antecipada. (TJ-ES – AGRAVO DE INSTRUMENTO: 5001328-46.2021.8 .08.0000, Relator.: FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY, 2ª Câmara Cível)EMENTA: HABEAS CORPUS – ROUBO MAJORADO NA FORMA TENTADA, ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ARMADA, RECEPTAÇÃO E RESISTÊNCIA – ILEGALIDADE DA PRISÃO – PREVENTIVA DECRETADA POR AUTORIDADE INCOMPETENTE – ATO RATIFICADO PELA AUTORIDADE JUDICIAL COMPETENTE – ALEGAÇÃO DE QUE SUPOSTA CONDUTA NÃO TERIA PASSADO DE ATO PREPARATÓRIO – IMPROPRIEDADE DA VIA – RECEBIMENTO DENÚNCIA – DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA – IMPROCEDÊNCIA – REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA – DECISÃO FUNDAMENTADA – SEGREGAÇÃO CAUTELAR NECESSÁRIA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA – MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO – INSUFICIÊNCIA – DESPROPORCIONALIDADE DA MEDIDA – IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS BRANDO EM CASO DE EVENTUAL CONDENAÇÃO – INVIABILIDADE DE ANÁLISE. 1. A Prisão Preventiva decretada por autoridade posteriormente reconhecida incompetente não enseja a nulidade da Segregação Cautelar, pois ratificado o ato pela autoridade judicial competente. 2 . A alegação de que as condutas, em tese, praticadas pelos Pacientes não configuram crime, pois não teriam passado de meros atos preparatórios, relaciona-se com o mérito da Ação Penal, não devendo ser analisada da via estreita do Habeas Corpus. 3. O recebimento da Denúncia pela suposta prática do Delito de Roubo, na forma tentada, não enseja o deslocamento da competência para processar e julgar a Ação Originária para a Justiça Federal, pois inexiste comprovação de violação à atividade fim da Agência dos Correios. 4 . A Prisão Cautelar deve ser mantida se as circunstâncias fáticas demonstram a insuficiência e inadequação das medidas cautelares diversas da prisão, e se a decisão que aplicou a Segregação Cautelar se encontra devidamente fundamentada. 5. A desproporcionalidade da medida em razão de provável imposição de regime menos gravoso, em caso de condenação, não há como ser analisada no Habeas Corpus, pois a dosagem sancionatória deve estar baseada em circunstâncias judiciais a serem analisadas após a instrução processual. (TJ-MG – HC: 10000181471707000 MG, Relator.: Octavio Augusto De Nigris Boccalini, Data de Julgamento: 12/02/2019, Câmaras Criminais / 3ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 15/02/2019)
Da mesma sorte é a alegação de que a mora na constituição do Conselho de Ética tornaria nulo qualquer processo por ele deliberado. Neste caso, se aplicado o posicionamento, é ferir de morte qualquer possibilidade de fiscalização das condutas do paramentar! Não há lógica e nem bom senso!
II.III – Quanto a preclusão do representante em arrolar testemunhas, como já reafirmado, estas foram objetos de diligências do Conselho, o próprio Código de Ética reforça tal conduta, senão vejamos:
Art. 18. Iniciado o processo disciplinar, o Conselho procederá às diligências e à instrução probatória que entender necessárias, assim como as requeridas pelo representante, representado, relator e pelos demais membros do Conselho, mediante a intimação prévia do representado, que poderá ser feita por intermédio da secretaria desta Casa de Leis, para, querendo, acompanhar os atos.
Ainda, sustenta a defesa suposto conluio entre o Prefeito e o Conselho de Ética, além de descabido, soa ofensivo.
O processo disciplinar pode ser proposto por qualquer cidadão, tal fato, por vezes, é possível que venha desprovido de todo aparato técnico e provas necessárias para o esclarecimento da representação, no entanto, não podem ser menosprezados ou sonegados em razão da imperícia do representante, sob pena de se cometer injustiças.
Deste modo, o que se buscou foi a verdade real dos fatos apresentados, garantindo um julgamento justo e imparcial, no benefício da representada.
O princípio da verdade real (ou verdade material) determina que, no processo administrativo, a autoridade deve buscar a realidade dos fatos, acima da mera formalidade dos autos. Ou seja, não basta apenas aquilo que está provado formalmente; deve-se perseguir a verdade efetiva do que ocorreu, com liberdade na produção de provas e na condução da instrução.
Isso significa que a autoridade pode e deve agir de ofício para esclarecer os fatos, inclusive com a produção de provas que entender necessárias, mesmo que não tenham sido requeridas pelas partes.
Quanto a comunicação deste Conselho ao Prefeito para a intimação e liberação do servidor para prestar depoimento não se reveste em nenhuma ilegalidade, pelo contrário, é medida legal e necessária.
A intimação de servidor público para prestar depoimento deve ser, obrigatoriamente, comunicada à autoridade superior hierárquica, em observância ao princípio da hierarquia administrativa e ao dever de subordinação previsto no regime jurídico dos servidores. Tal comunicação visa garantir o controle e a coordenação interna da administração pública, permitindo que a chefia imediata tenha ciência da convocação, assegure a liberação funcional do servidor no horário designado e acompanhe eventuais desdobramentos decorrentes do ato, sem interferir na autonomia do processo ou comprometer a imparcialidade do depoimento.
II.IV – O indeferimento pessoal do prefeito ocorreu em razão da autoridade não ter presenciado os fatos, mas sim, a Secretária de Assistência Social. Sua conduta ocorreu apenas como Chefe Institucional do Poder Executivo, neste sentido, não haveria contribuição para a elucidação dos fatos.
Vale ressaltar que em nenhum momento seu nome foi citado pelas partes ou pelas testemunhas, sendo sua oitiva apenas uma forma de tumulto e constrangimento processual.
II.V – Quanto a ausência de intimação para atos deliberativos e a Suspeição do Presidente da Comissão de Ética já forma objetos de decisão antecedente, das quais reitera o posicionamento.
Vale ressaltar que foi franqueada a defesa acesso aos autos e a participação ativa durante o processo, inclusive com incidentes processuais além dos previstos no codex, evidentemente, por questões de ordem pública.
Quanto a alegação de suspeição, o parlamento é um local plural, onde se encontram ideias e ideais por vezes antagônicos, a pluralidade faz parte do jogo democrático. Portanto, o simples fato de determinado vereador ser oposição a outro não pode ser motivo para configurar suspeição, caso contrário, todo vereador de direita seria impedido de votar em processo que envolva em vereador de esquerda.
Não basta para o reconhecimento da suspeição a mera contrariedade a posicionamento, discursos ou votos, deve ficar demonstrado que o vereador tem o interesse em beneficiar ou prejudicar a vereadora, ou seja, a contrariedade tem que transcender a discussão da matéria ou posicionamento para a agressão pessoal, seja física ou moral.
No mais as publicações ocorreram nos exatos termos previstos na legislação e possibilitada a manifestação em todas as fases processuais. Sendo assim, respeitado a ampla defesa e o contraditório substancial.
Diante o exposto, em que pese as arguições invocadas, não há nulidades a serem reconhecidas por este conselho. Vale ressaltar que as simples irregularidades que não se evidenciam prejuízo não geram invalidação do ato.
III – DO MÉRITOApós detida análise da presente representação, verifica-se que a controvérsia central diz respeito ao exercício da função fiscalizatória do vereador e aos limites de sua atuação no acesso às repartições públicas.
Inicialmente, é imperioso esclarecer que o vereador, embora investido de função típica de fiscalização nos termos do art. 31 da Constituição Federal e da Lei Orgânica Municipal, não possui, por si só, prerrogativas equivalentes ao exercício do poder de polícia administrativa. O poder de polícia, consiste na atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando o uso de bens, direitos e atividades, condiciona o exercício de liberdades individuais em benefício do interesse público. Trata-se de competência atribuída aos órgãos executivos e agentes com autoridade delegada para tal finalidade, o que não se estende aos membros do Poder Legislativo.
Assim, não se mostra legítimo que o parlamentar adentre, sem autorização ou acompanhamento da autoridade competente, a ambientes restritos ou de acesso vedado ao público, sob pena de configurar abuso de prerrogativa e possível usurpação de função administrativa. A atividade fiscalizatória deve observar os princípios da legalidade, da razoabilidade e da separação de poderes, podendo ser exercida mediante requerimentos, diligências formais, convocações e visitas institucionais agendadas, mas jamais com invasão de competência ou violação de normas internas de segurança e acesso dos órgãos públicos.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – PODER FISCALIZATÓRIO DO LEGISLATIVO MUNICIPAL – ART. 31 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – VEREADOR – FISCALIZAÇÃO DAS UNIDADES DE ATENDIMENTO DE SAÚDE – ATUAÇÃO EXCESSIVA – PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – RECURSO PROVIDO. – A Constituição Federal, em seu art. 31, atribui o poder de controle e fiscalização do Executivo Municipal ao Poder Legislativo do mesmo ente, sem que isso configure uma afronta ao princípio da separação dos poderes – No entanto, indene de dúvidas que o poder fiscalizatório do vereador não pode ser exercido em desacordo com a Casa à qual está vinculado, já que a sua atuação não é totalmente livre, muito menos afrontar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como as normas de urbanidade . (TJ-MG – AI: 10000150546893001 MG, Relator.: Versiani Penna, Data de Julgamento: 29/10/2015, Data de Publicação: 06/11/2015)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE CACHOEIRA DO SUL. ART. 23-A DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL, INCLUÍDO PELA EMENDA À LEI ORGÂNICA Nº 09/2017 . PODER LEGISLATIVO. FUNÇÃO FISCALIZATÓRIA SOBRE O EXECUTIVO QUE DEVE SER EXERCIDA PELA CÂMARA DE VEREADORES ATRAVÉS DO ÓRGÃO COLEGIADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE PELO VEREADOR INDIVIDUALMENTE. 1 . O controle e fiscalização da Administração Pública pelo Poder Legislativo é uma exceção ao princípio da separação dos poderes e, por isso, deve se limitar às hipóteses previstas na Constituição Federal, de modo que nem a Constituição Estadual nem a lei orgânica municipal podem ampliar tais mecanismos de controle. 2. No caso, o art. 23-A da Lei Orgânica do Município de Cachoeira do Sul autoriza o acesso de vereadores, individualmente, aos órgãos da administração municipal, sem necessidade de prévio aviso, a fim de exercer sua função parlamentar . 3. Todavia, a função fiscalizatória sobre o Executivo foi conferida pela Constituição tão somente ao Poder Legislativo como órgão colegiado e não aos parlamentares de forma singular. Precedentes jurisprudenciais do STF. 4 . Desse modo, o conteúdo do dispositivo legal questionado ultrapassou os limites constitucionais do poder fiscalizatório do Legislativo, em afronta aos princípios da… simetria (artigo 8º, caput, da CE) e da harmonia e independência entre os poderes (artigo 10 da CE). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70076775758, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator.: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em 25/03/2019). (TJ-RS – ADI: 70076775758 RS, Relator: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Data de Julgamento: 25/03/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/04/2019)
Cumpre destacar que a própria Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instituída no âmbito das Câmaras Municipais não detém as mesmas prerrogativas investigatórias atribuídas às CPIs do Congresso Nacional ou das Assembleias Legislativas. Isso decorre das limitações impostas pelo texto constitucional, que, ao mesmo tempo em que assegura aos vereadores a função fiscalizatória, também estabelece os contornos de sua atuação, restringindo-lhe certas prerrogativas típicas dos parlamentares federais e estaduais.
Nos termos do art. 58, §3º, da Constituição Federal, as CPIs do Congresso Nacional possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, inclusive com a possibilidade de determinar quebras de sigilo, conduções coercitivas e outras medidas instrutórias, desde que respeitadas as garantias fundamentais. No entanto, a aplicação desse dispositivo às Câmaras Municipais não é automática, sendo amplamente reconhecido na jurisprudência e na doutrina que os municípios não podem reproduzir tais poderes sem expressa previsão constitucional ou legal específica que os autorize, sob pena de invasão de competência e de violação ao princípio da reserva de jurisdição.
Nesse sentido, é correto afirmar que a atuação investigativa do vereador encontra limites constitucionais claros, não podendo ser exercida de forma autônoma ou unilateral, sendo necessário que haja deliberação colegiada, por meio da constituição formal de comissão, e, nos casos em que se pretendam medidas mais invasivas, a devida autorização judicial (reserva de jurisdição). Trata-se de uma exigência decorrente do Estado de Direito e do respeito ao devido processo legal, à separação dos poderes e à proteção das garantias individuais.
Nesse contexto, a vereadora deve, obrigatoriamente, solicitar autorização formal para a realização de qualquer atividade fiscalizatória que implique acesso a áreas restritas da administração pública ou a informações protegidas por sigilo. Alternativamente, poderá buscar respaldo judicial, quando cabível, ou o apoio do colegiado legislativo por meio de requerimentos devidamente aprovados, conforme previsto no regimento interno da Câmara Municipal.
Sendo assim, o artigo 9º, § único do Regimento Interno da Casa Lar deve ser interpretado de forma restritiva, permitindo o acesso apenas dos órgãos fiscalizadores dotados de Poder de Polícia.
Todavia, o que se evidenciou no enredo processual é que, mesmo contrariada, a vereadora não forçou fisicamente a entrada no referido estabelecimento de proteção, no entanto, de maneira hostil tentou intimidar com gestos e ações a atuação dos servidores, conforme pode ser visto nas declarações prestadas nesta Casa de Leis:
“[…] no segundo momento estava na casa… no primeiro momento não estava lá e não sabe dizer se a vereadora se identificou como vereadora… não presenciou algo que tenha sido desrespeitado pela vereadora, mas o que chegou foi o que os colegas relataram, que com alguns colegas foi uma forma mais grosseira de conversa, teve até uma situação de homofobia… que os colegas relataram que quando ela chegou filmando eles afirmara que seria necessário autorização, o que ela afirmou que deveriam eles pedirem autorização […]. (Adriana Paula Heep Cichock)
[…] foi um susto a visita, inesperada e um pouco ríspida… que viu um alvoroço, um clima um pouco estranho… quem recebeu foi o Vitor e acredita que ela se identificou como vereadora… que a conduta da vereadora foi um pouco hostil… que a vereadora fez perguntas em tom grossa e de forma constrangedora… ela não falou nenhum palavrão mas tratou de forma desrespeitosa… foi rude e de forma intimidadora…. que ela chegou fazendo perguntas de forma desrespeitosa… que mesmo quando vai o juiz ele avisa antes… ela não utilizou palavras de baixo calão, mas fez perguntas de forma incisava em tom de cobrança… que ele a respondeu no mesmo tom de voz e a partir de então começou a ser desrespeitosa… ela usou tom de voz elevado, rispidez, como se estivesse falando de cima para baixo […]. (João Victor Leão Peralta).
[…] Ela chegou na casa lar exigindo fazer uma visita, como ela não teria autorização foi solicitado que buscasse a mesma… quem recebeu na porta foi o Victor e depois ela foi lá auxiliar, disse que precisava da autorização… disse a ela que ninguém pode entrar sem autorização de sua chefe… que a postura da vereadora foi um pouco desrespeitosa, ela quis entrar na autoridade, se prostando… que ela foi indelicada com os colegas de trabalho… que foi deselegante, pegando o crachá e solicitando que ligasse na secretaria… que a postura foi agressiva, não pode mandar ou se impor, deve ser cordial, foi rude e como vereadora deveria ter um pouco mais de postura, não falou palavras ofensivas, mas impositiva, de forma autoritária… ela não quis aceitar, falou que como vereadora deveriam obedecer… após a visita os vereadores ficaram chocados, que como servidores deveriam ser amigos, por mais que ela estaria fazendo uma fiscalização… ela fazia gestos e caras quanto a postura dos servidores, disse ainda que não eram capacitados para estar na Casa Lar… viu as postagens e pronunciamentos em que a vereadora reafirma que os funcionários não eram capacitados… que os servidores não ficaram incomodados com a visita, mas sim com a postura da vereadora… que a vereadora queria dar um flagrante […]. (Mirian Assenheimer).
[…] que foi entrando até o portão que dá acesso a cozinha, que orientou a vereadora que não é possível a entrada de terceiros na casa, que a vereadora iniciou a gravação e entrou na casa lar para ter sua imagem preservada… que ela fez perguntas e depois levou para o lado político, que ficou um clima constrangedor e que não responderia mais perguntas… em alguns momentos se sentiu desrespeitado pelo comportamento invasivo… que ela teve comportamento sínico após a recusa em ligar para buscar autorização… ela não foi ofensiva, mas em certo momento ela foi rude… que ela estava em posição utilizando o celular, mas não pode afirmar que fez filmagem… que teve outra fiscalização do Ministério público, mas foi agendada… que não consegue recordar possível ofensas de homofobia por parte da vereadora […]. (Vitor Itamar Rutitzki Ferreira)
[…] que foi explicado para a vereadora Tânia que o vereador tem a prerrogativa do acesso, mas deve ser obedecido com bom senso, inclusive os membros do Ministério Público e Judiciário também ajustam os horários para o bem-estar das crianças… Na secretaria de assistência ela foi incisiva e um pouco constrangedora, não em palavras, mas afirmando que ela tinha o conhecimento… com relação a sua pessoa a vereadora não foi ofensiva, contudo, o modo e o jeito de falar que deixa constrangido […]. (Luana Elisa da Silveira Brandt (informante)).
[…] houve momento em que se alterou e foi desrespeitosa… da mesma forma no momento da saída ela tratou o servidor Vitor de forma desrespeitosa… a servidora agiu de forma constrangedora, inclusive com falas ofensivas… afirma que se sentiu ofendida na forma que tratou e se pronunciou na Tribuna da Câmara… ela tentou intimidar os funcionários… que todas as autoridades quando solicitam o acesso a casa lar é efetuado diretamente na Secretaria de Assistência Social […]. (Andria de Oliveira Backes (informante)).
As testemunhas de defesa, com exceção da assessora, apenas enalteceram a necessidade de proteção do local e não presenciaram os fatos ocorridos, tomando conhecimento posteriormente. Da mesma forma, criticaram a atuação deste conselho e reforçaram que a conduta da vereadora estava dentro dos limites regimentais.Embora a Sra. Cristiani Glsenapp Roske (informante) tenha negado o constrangimento, na visão de todos os integrantes da Casa Lar houve excesso por parte da parlamentar.
Ressalte-se que as agressões não se limitam a palavras ofensivas ou xingamentos. Gestos, atitudes e comportamentos também podem configurar formas de violência simbólica ou moral, muitas vezes causando impacto psicológico mais profundo do que as ofensas verbais propriamente ditas.
A honra e a dignidade da pessoa não se ferem apenas por palavras injuriosas, mas também por atitudes que exponham o indivíduo ao desprezo ou à humilhação no meio social ou profissional. Nessa linha, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a proteção à integridade psíquica e moral como direito fundamental, nos termos do art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, sendo certo que a prática de atos que causem sofrimento psicológico pode ensejar responsabilização cível, administrativa e até penal, conforme o caso.
No âmbito das relações funcionais, tais condutas podem caracterizar assédio moral, definido por jurisprudência consolidada como a repetição sistemática de comportamentos que atentem contra a autoestima, a dignidade ou a integridade psicológica do servidor, com o objetivo ou o efeito de excluí-lo, constrangê-lo ou desestabilizá-lo em seu ambiente de trabalho.
O que se evidenciou no próprio depoimento da representada, Tânia Maion, é que os atritos são frequentes: […] eu fui fiscalizar, era minha atribuição, porque eu deveria pedir autorização para o Poder Executivo que era o fiscalizado… se você vai fiscalizar e avisa data e horário a probabilidade de encontrar algo é muito difícil… desde que eu comecei a trabalhar como vereadora eu tenho tido tanto cuidado que as vezes acho que não é a Tânia… gosto de falar e gesticular… tenho visto que em alguns locais as pessoas estão me recebendo mal… outro dia pedi para a secretária de saúde que precisaria fazer uma visita, ela disse que é melhor avisar e ir comigo porque podem estranhar e não te tratar bem […].
No entanto, o que a defesa pretende transparecer é que todo o enredo fático ocorreu por desavenças políticas, em especial, pela crítica em seu desempenho parlamentar frente aos comentários da Casa Lar, desprezando o transtorno, intimidações e desprezo no comportamento apresentado.
Contudo, ficou evidenciado que o problema ocasionado na visita não foi propriamente a fiscalização, a qual deveria ser agendada, mas sim, o descontentamento e comportamento pela impossibilidade de adentrar no espaço. Após a negativa, a vereadora, impondo autoridade e tratando todos de maneira rude e por vezes ríspida, contestou a capacidade dos profissionais, gerando constrangimento em todos os envolvidos.
A conduta profissional, especialmente no exercício de funções públicas, deve ser pautada pela cordialidade e pelo respeito mútuo, valores que se consolidam ao longo da trajetória de cada agente político. No entanto, durante os depoimentos testemunhais, observou-se, conforme registro audiovisual, a adoção de postura irônica por parte da parlamentar, que, diante de manifestações contrárias aos seus posicionamentos, reagia com risos e expressões visivelmente desconfortáveis, incompatíveis com a serenidade e compostura esperadas no ambiente institucional.Sendo assim, a partir da notícia de supostas irregularidades na aquisição alimentar, era possível solicitar a informações quanto as compras e movimentação de estoque de produtos disponíveis na Casa Lar, no entanto, tentou a vereadora adentrar no estabelecimento sem respeitar as normas legais.
A vereadora com o objetivo de adentrar na Casa Lar e buscar possível flagrante, em atenção a representação formulada por pessoa próxima (anônima a fonte), inconformada com a negativa dos servidores e a informação de que deveria buscar autorização da chefia imediata, usando de sua autoridade começou a questionar através da alteração de tons de voz, imposição de dúvidas na capacidade técnica, constrangimento através de comportamento de superioridade, se valendo do seu grau de informação e instrução, causando humilhação e desconforto, tudo com o objetivo de obter favorecimento político e engajamento social.
Por tal conduta a vereadora infringiu norma do Código de Ética e Decoro Parlamentar, nos seguintes termos:
Art. 5º. Atentam contra o decoro parlamentar as seguintes condutas:X – usar os poderes e prerrogativas do cargo para constranger ou aliciar servidor, colega ou qualquer pessoa sobre a qual exerça ascendência hierárquica com o fim de obter qualquer espécie de favorecimento;
O constrangimento dos servidores públicos ficou amplamente demonstrado, se valendo de sua posição hierárquica como autoridade política do Município, com o fim de adentrar no estabelecimento para ganhar respaldo de seus eleitores e engajamento na mídia social.
De forma reflexa, embora os atos tenham ocorrido fora das dependências da Câmara Municipal, é importante ressaltar que o local dos fatos — a Casa Lar — está sob a gestão da administração pública municipal, o que atrai a aplicação de outros dispositivos do Código de Ética, igualmente violados:
Art. 5º (…)II – praticar atos que infrinjam as regras de boa conduta nas dependências da Casa;V – usar de expressões ofensivas, discriminatórias ou preconceituosas durante o uso da palavra ou no relacionamento com seus pares ou com o público durante os trabalhos legislativos;
Todavia, em razão da gravidade e da natureza mais abrangente da infração descrita no inciso X, as demais condutas encontram-se absorvidas no tipo ético mais severo, aplicando-se, por analogia, o princípio da consunção. Tal entendimento visa evitar a duplicidade punitiva por fatos conexos e decorre da interpretação sistemática das normas de ética e decoro parlamentar.
Quanto a possibilidade de incidir o artigo 6º, I do Código de Ética e Decoro Parlamentar o que levaria a perda do mandato, entendo que o ato foi isolado, o que afasta a tipificação da infração pela ausência de sua repetição (abusar).Art. 6º. Constituem procedimentos incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar:I – abusar das prerrogativas que lhes são asseguradas pela Constituição Federal, pela Lei Orgânica e pelo Regimento Interno;
IV – DO DISPOSITIVO
Por todo o exposto, manifesto parecer e voto favorável a representação formulada, no sentido de reconhecer que a vereadora durante sua fiscalização na Casa Lar cometeu excessos, causando ofensas, constrangimentos e humilhação aos servidores envolvidos, através de gestos e ações que causaram mal injusto, se valendo da posição de autoridade política de um dos Poder Constituídos do Município, com o objetivo de atender seu eleitorado e engajamento através de divulgação na tribuna e rede sociais. Logo, voto pela perda temporária do mandato, pelo prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 5º, X C/C o artigo 10, VI do Código de Ética e Decoro Parlamentar.
Marechal Cândido Rondon, 30 de julho de 2025.
MARCOS ROBERTO SPOHR (SGTO SPOHR)Relator