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O Oeste na II Guerra Mundial

Mesmo distante do conflito, a região, amplamente dominada por interesses estrangeiros, sofreu fortíssima influência e começou a se abrasileirar já no primeiro ano
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Por: Alceu Speranca - Jornalista e escritor

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O Oeste na II Guerra Mundial

Mesmo distante do conflito, a região, amplamente dominada por interesses estrangeiros, sofreu fortíssima influência e começou a se abrasileirar já no primeiro ano  
Capitão Melquíades do Valle e 1º Batalhão de Fronteira. Abaixo, Cascavel no período da II Guerra

Em 1º de setembro de 1939 as forças militares da Alemanha nazista invadiram a Polônia, obrigando a Inglaterra e a França a reagir, dando início à II Guerra Mundial. O Oeste do Paraná estava nessa época abandonado pelos governos estadual e federal.

“Por meados de 1939 quase ficamos isolados de Foz do Iguaçu em virtude da obstrução completa da Picada Benjamin”, escreveu Sandálio dos Santos, um dos líderes da comunidade de Cascavel, em suas Memórias:

“Ainda sob a orientação de Nhô Jeca [Silvério] e com a colaboração da municipalidade de Foz do Iguaçu mediante a aplicação de parcos recursos que aqui já arrecadávamos pôde ser restabelecido o trânsito”.

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Nessa época, a vila de Cascavel era pouco mais que um pequeno conjunto de casas pertencentes à família Silvério, amigos e empregados, mas haver a guerra chamou a atenção para a importância estratégica do lugar.

De passagem rumo à Companhia Isolada de Foz do Iguaçu, o general Emílio Lúcio Esteves profetizou “um grande futuro” para “a Encruzilhada, este remoto povoado localizado no entroncamento de trilhas ervateiras” (Alípio de Souza Leal, Rudimentos Históricos).

O destino da Fazenda Britânia

Além dessa primeira referência ao caráter estratégico de Cascavel, uma consequência imediata da guerra para a região foi que a empresa Maderas del Alto Paraná, dona da Fazenda Britânia, decidiu reduzir suas atividades.

Os ingleses temiam que a Argentina, simpatizante do nazismo, viesse em breve a dominar o Brasil ou pelo menos sua parte Sul. Por isso desativaram os negócios no Oeste e devido ao prolongamento do conflito colocaram a propriedade à venda.

Em abril de 1946 um grupo de empresários rio-grandenses – Willy Barth, Alfredo Ruaro, Luiz Alberto Dalcanalle, Curt e Egon Bercht, Julio Gertrum e Azevedo Bastian – comprava a área para constituir a Industrial Madeireira e Colonizadora Rio Paraná S/A (Maripá), que passava a controlar 124 mil alqueires de terras.

É a origem de Toledo, Marechal Cândido Rondon e seus municípios desmembrados. Essa é a principal, mas várias outras consequências viriam da necessidade de atenção à fronteira suscitada pelo clima de guerra.

O Governo do Paraná decidiu colonizar as terras devolutas que faziam parte das antigas concessões do Império, embora, como se verificaria mais tarde, essas terras na verdade pertencessem à União. Isso deu origem a uma longa pendenga judicial, originando outra guerra: os conflitos entre posseiros e jagunços, que duraram décadas.

O capitão Melquíades

Sempre sob a perspectiva da expansão do conflito na Europa, nos meses finais de 1939 o prefeito de Foz do Iguaçu, capitão Melquíades do Valle, também delegado de Polícia, alertava que por ser o último bastião fronteiriço era necessário fortalecer as estruturas da cidade.

Com essa premissa o prefeito conseguiu meios para estruturar a cidade. Construiu uma sede de alvenaria para a Prefeitura e pediu prioridade à construção de um bom aeroporto. A eclosão da II Guerra Mundial deu ganhos à cidade, mas influenciou negativamente o andamento do processo de colonização do Oeste.

Tudo parou, menos o debate sobre as opções existentes para o Estado se desenvolver. A ideia dominante era formar áreas com elevada qualidade produtiva selecionando os colonos que viriam a receber terras e incentivos.

No entanto, isso gerava privilégios a particulares em esquemas eleitoreiros e por isso a tarefa obviamente cabia à iniciativa privada. Venceu então a tese de estimular as companhias colonizadoras a levar adiante projetos de ocupação do interior, direcionando a propaganda das terras às famílias de colonos com razoável poder aquisitivo e experiência comprovada no trato da terra.

Era o caso de Ludovico e Valéria Kalicheski, colonos poloneses que, procedentes de Cândido de Abreu, chegavam à fronteira com os filhos João, Henriqueta, Cassimiro e Ana. Eles obtiveram uma posse que resultaria na formação de Santa Terezinha de Itaipu e, com ela, o início da Rota Oeste – comunidades estratégicas entre Foz do Iguaçu e Cascavel.

Nazistas começaram vencendo

A Colonizadora Gaúcha, comandada por Arlindo Cavalca, Luiz Dalcanale, Alfredo Ruaro e o diretor-gerente Benvenuto Verona foi criada logo a seguir pela Colonizadora Pinho & Terras.

Sob a justificativa de evitar a predação da madeira da região por derrubadores argentinos desautorizados, a Gaúcha deu origem a São Miguel do Iguaçu, mais um elemento da Rota Oeste.

No clima de apreensão com a guerra, os decretos 1.968 e 2.610, de 1940, determinaram a realização de levantamentos topográficos na região. Em decisão importante, o ditador Getúlio Vargas baixou o decreto-lei 2.262, determinando para Foz do Iguaçu em 3 de junho de 1940 o caráter de “guarnição especial”.

Por essa época a Itália, dominada pelo fascismo, entrou na guerra, ao lado da Alemanha, invadindo o Sul da França. Os colonos de origem italiana começam a ser perseguidos no Brasil sob a suspeita de professar a ideologia fascista.

A sensação no mundo era de que nada poderia parar o avanço nazifascista. Enquanto a II Guerra avançava também pela África, com o impacto de sucessivas derrotas dos Aliados, a proposta de criar colônias agrícolas federais nas regiões de fronteira do Brasil avançou mais um passo orientada pelo decreto-lei 3.059, de 14 de fevereiro de 1941.

Submarino alemão ataca

A situação mundial permitiu a Foz do Iguaçu conquistar nessa época seu campo de pouso, situado na área do atual clube Gresfi. Até então, as únicas formas para chegar à cidade eram pelo Rio Paraná (via Argentina) ou pela estrada ao Leste que as chuvas arruinavam.

O Brasil precisava controlar seu interior e por conta disso o governo federal criou em abril de 1941 a Comissão de Estradas de Rodagem (CER-1), encarregada de construir a rodovia Ponta Grossa–Foz do Iguaçu (então BR-35).

Em agosto de 1942 a guerra alcançava diretamente o Brasil. O submarino alemão U-307 afundou cinco navios mercantes brasileiros nas costas de Sergipe, com a perda de 607 passageiros. O povo saiu às ruas exigindo que o Brasil declarasse guerra ao nazifascismo.

Quando a vitória do Eixo parecia inevitável, os EUA entraram no conflito e unindo forças com a Rússia rapidamente passaram a impor pesadas derrotas aos inimigos.

Em agosto de 1943, quando o temor de agressões nazistas começou a se dissipar no Brasil, foi extinta a Companhia Independente da Fronteira e em seu lugar surgiu o 1° Batalhão de Fronteira. Os anos finais da guerra foram de reduzida apreensão e o ataque vitorioso dos pracinhas brasileiros a Castelnuovo, na Itália, em 5 de março de 1945, sinalizava para a vitória dos Aliados antinazistas em breve.

Com a Alemanha e a Itália já vencidas, em 9 de agosto os Estados Unidos lançam uma bomba atômica em Nagasaki, forçando a rendição do Japão no início de setembro, encerrando assim a II Guerra.

Em outubro, o ditador Getúlio Vargas, cujo governo era ideologicamente ligado ao nazifascismo, foi deposto, começando o processo de democratização do país que seria depois interrompido pela ditadura do 1º de abril de 1964.

O único alemão “invasor”

No geral, as consequências do conflito mundial para a região Oeste foram ações preventivas. Os soldados do Batalhão de Fronteira em Foz do Iguaçu eram informados sobre o andamento da guerra pelo rádio e sua rotina ficou inalterada até 1942, quando o primeiro contingente brasileiro embarcou para a Europa.

Apesar do medo inicial de que o nazismo pudesse ocupar o Brasil a partir da fronteira com a Argentina, o único ponto de contato real do Oeste paranaense com a II Guerra foi o naufrágio de um navio alemão afundado na costa argentina, cujos sobreviventes teriam se refugiado no Brasil.

Com isso, por precaução, o governo declarou o Oeste do Paraná como Zona de Guerra. “Mais tarde se confirmou que cinco marinheiros alemães escaparam do naufrágio e entraram na Argentina”, soube o tenente Dionísio Campana, que na época servia no Batalhão de Fronteira.

“Pelo menos um deles veio a Foz do Iguaçu e aqui viveu, como pescador no Rio Iguaçu. Eu mesmo comprei muito peixe dele para o quartel, e ele me contava essa história” (jornal Gazeta do Iguaçu, 18/02/1994).

A primeira família e os dois Velhos

A Encruzilhada dos Gomes apresentou crescente movimentação de militares e colonos e ali, em 1930, surgiu a cidade de Cascavel. A cidade não veio com a propriedade rural iniciada em 1922 na pousada tropeira do Cascavel Velho, como alguns autores erradamente supõem.

Esse pouso, em 1895, recebeu a passagem da Grande Trilha da Erva-Mate, aberta pela família de Augusto Gomes de Oliveira, mas a cidade começou no entroncamento de caminhos entre as sedes administrativas das obrages, seus entrepostos e campos de recolhimento de erva-mate: a Encruzilhada dos Gomes.

A confusão de que a cidade teria começado no Cascavel Velho veio de que a parte inicial da cidade passou a ser conhecida como “Patrimônio Velho” a partir de 1952, quando foi criado o Patrimônio Novo, seguindo da atual Rua Sete de Setembro rumo ao Leste.

Central Barthe, com o fim do ciclo ervateiro e o início da extração da madeira em grande escala, passou a ser chamada Central Lupion, na década de 1940, com a implantação, naquele ponto, da primeira grande serraria a se estabelecer em Cascavel, pertencente ao então governador Moysés Lupion (1908–1991).

Também poderia ter sido o início de Cascavel, pois já existia na Revolução de 1924, mas a povoação ali existente foi destruída em meio ao conflito e antes de recomeçar como serraria a Encruzilhada prevaleceu por ser um entroncamento de estradas.

Mapa de Naira Vicensi Brugnago mostra que o Cascavel Velho não fazia parte da cidade

 

 

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