O ano de 1964 começou bem para os cascavelenses. Em janeiro, a cidade se agitou em torno da primeira prova automobilística da cidade. Nas Duas Horas de Cascavel, em meio a muita poeira e alegria, o pódio coube a Tamôio Fedumenti, o vencedor, com o segundo lugar para Valdeci Sartori e o terceiro para Jacy Miguel Scanagatta.
No entanto, boatos de repressão violenta eram espalhados pela cidade. Quem tinha ligação com os golpistas recebeu recados para se afastar da Prefeitura e da Câmara, que seriam alvos imediatos da repressão.
Em 7 de fevereiro o vereador Algacyr Arilton Biazetto foi, estranhamente, eleito presidente da Câmara de Cascavel, sem sequer estar presente à sessão ou concordar com a candidatura. Ele não aceitou o cargo porque entendeu a armadilha: quando a repressão viesse, ele seria um dos alvejados, pois sua família tinha ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
O mesmo aconteceu com o vereador Roberto Paiva três dias depois: isolado em seu sítio no interior, sem ser candidato, recebeu a informação de que foi eleito presidente da Câmara. Mesmo conhecendo os boatos de que os líderes políticos seriam presos ou mortos, Paiva decidiu encarar o desafio e por mais de um mês conseguiu exercer o cargo.
Medo de ser preso
Cascavel precisava muito de notícias positivas. Ao se despedir de Cascavel, o padre vigário Ângelo Casagrande passou ao sucessor Palmino Finatto a tarefa de iniciar a nova igreja que iria substituir a modesta casinha levantada pelo padre Luiz Luise para iniciar as atividades religiosas no Patrimônio Novo, em 1952.
De Brasília chegava uma notícia animadora: em 16 de março de 1964 foram aprovados os estatutos da Cooperativa Agropecuária Consolata (Copacol), criada justamente pelo padre Luiz Luíse.
Nessa mesma data, o ânimo aumentou com o anúncio da construção do Aeroporto Internacional de Cascavel, em torno do qual o PTB, então no comando da Prefeitura, unia todas as correntes políticas em apoio à proposta, recebida positivamente pelo presidente João Goulart.
A expectativa para o breve início das obras cresceu porque o ministro Expedito Machado da Ponte, de Viação e Obras Públicas, acabava de aprovar o projeto de terraplanagem do aeroporto. Cascavel, assim, seria uma das raras cidades do interior brasileiro a ter um aeroporto internacional.
Ministro cujo nome combinava perfeitamente com o cargo, Machado da Ponte não era do PTB, mas fazia parte do bloco político de apoio ao governo Goulart, que sofria forte oposição de um grupo conspirador que logo desfecharia um golpe de Estado, obrigando o presidente a se exilar para evitar uma possível execução.
Para o caso de golpe e a possível prisão do prefeito Octacílio Mion, em 20 de março de 1964 o advogado Odilon Reinhardt foi escolhido pela Câmara para ser o vice-prefeito. Ligado ao PTB, não haveria descontinuidade em caso de impedimento de Mion.
Origem dos cursos superiores
Para se contrapor aos boatos e animar a comunidade, em 21 de março a Associação Comercial e Industrial de Cascavel (Acic) propôs à Câmara de Cascavel a criação de uma faculdade de Agronomia. Sendo agrônomo, o ministro Expedito também poderia ajudar nesse ponto.
Foi a primeira proposta a mencionar cursos superiores na região, movimento que redundou na ampla estrutura universitária de Cascavel, um dos grandes atributos da cidade.
No entanto, em 1º de abril o golpe realmente se consumou e o presidente da Câmara, Roberto Paiva foi um dos primeiros presos.
O ministro Expedito Machado da Ponte teria evitado o golpe se o presidente João Goulart seguisse seus conselhos: comportar-se como magistrado, sem o partidarismo que o levou a se tornar refém dos sindicatos.
O presidente ignorava ou fazia pouco da extensão profunda das ramificações do golpe nos meios militares e na imprensa. Teimou em manter sua postura partidária até sofrer o revés em 1º de abril.
Com o golpe, caindo o governo federal, também Expedito Machado se viu arrancado violentamente do governo. Como era deputado federal, retomou o mandato e foi para a oposição legalista.
Conquistas e derrotas
Para chegar a essa encruzilhada decisiva em sua vida pessoal e política, Expedito Machado da Ponte, nascido em 1918 no interior do Ceará, cursou escola militar, mas optou por se formar em Agronomia.
Era militante do PSD, criado por líderes estaduais ligados a Getúlio Vargas ao ser deposto por militares no fim da II Guerra. Eleito deputado federal pelo PSD em 1958, Expedito se reelegeu em 1962 e foi chamado ao Ministério da Viação e Obras Públicas por João Goulart em junho de 1963.
Com o golpe de 1º de abril, perdendo o cargo, retornou à Câmara para fazer oposição ao regime e insistiu na continuidade dos projetos já encaminhados, como o Aeroporto Internacional de Cascavel.
Mas em 13 de junho de 1964 ele teve o mandato parlamentar cassado e os direitos políticos suspensos. Sob a ameaça de perseguições por se manter na oposição, Expedito se tornava ele próprio internacional, ao pedir asilo ao governo francês.
Nunca mais depois de Expedito Machado se falou no governo federal em Aeroporto Internacional de Cascavel. Em 1969, por iniciativa do deputado Lyrio Bertoli, o Ministério da Aeronáutica foi instado a retomar o projeto.
Respeitosamente atendido, pela primeira vez depois do golpe chegava uma notícia positiva: em 3 de dezembro, o Ministério e o governo do Paraná, representado pela Secretaria dos Transportes, firmavam no QG da 5ª Zona Aérea, em Canoas (RS), convênio para a execução de obras de infraestrutura no proposto Aeroporto Internacional.
Atitude vergonhosa
Mas a alegria durou pouco. O governo federal se manteve alheio ao convênio, que só apareceu no Diário Oficial do Rio Grande do Sul (n° 126, de 10 de dezembro de 1969). O ministro Mário Andreazza, mesmo conhecido como grande gastador, não destinou um só centavo ao projeto.
A ditadura preferia as obras que rendiam muita propaganda, como a Ponte Rio-Niterói e a Rodovia Transamazônica. Com isso, o governo federal fez pouco dos esforços do deputado Lyrio Bertoli e do Ministério da Aeronáutica.
Sem conseguir vencer a vergonhosa indiferença do governo federal, foi a explosão das exportações agrícolas, trazendo riqueza a Cascavel, que favoreceu à Prefeitura iniciar as obras do atual aeroporto em setembro de 1976, inaugurado em 12 de dezembro de 1977.
Até essa data Cascavel permaneceu sofrendo as limitações do acanhado Aeroporto Coronel Adalberto Mendes da Silva, militar que à frente da comissão construtora da BR-277 mais favoreceu a afirmação de Cascavel como centro-polo da região.
O prefeito Jacy Scanagatta não se deu muito bem no automobilismo, mas teve iniciativa e poder de resolução quanto a determinar as obras do aeroporto municipal. Quando morreu, em 2023, teve seu nome imortalizado no Estádio Olímpico.
Família de políticos
Por essa época, o grande assunto nacional era a Anistia, proposta para reparar as ilegalidades cometidas pela ditadura contra opositores ao regime. Expedito Machado, cujo único “crime” era ser contra a ditadura, foi um dos anistiados, em agosto de 1979.
Com a extinção do bipartidarismo, Machado fundou o Partido Popular (PP) em 1980, partido ligado a Tancredo Neves que em fevereiro de 1982 se incorporou ao PMDB. Eleito deputado federal constituinte em 1986, no ano seguinte Machado criou o Centro Democrático, hoje conhecido como Centrão, um agrupamento de 178 parlamentares conservadores, favoráveis a uma Constituição mais liberal e menos estatizante.
Venceram e após a promulgação da Carta Magna, em outubro de 1988, Machado encerrou o mandato sem concorrer à reeleição, mas deixou descendentes. O filho Sérgio Machado concorreu em seu lugar e pelo prestígio do pai foi presidente da Transpetro durante os governos Lula e Dilma Rousseff.
Neto de Expedito, o senador José Reguffe foi considerado o melhor político brasileiro de 2016. Hoje fora do centro de poder, a família colhe os louros de ter criado o Centrão, a maior força política brasileira da atualidade, mas sofre uma enxurrada de denúncias de corrupção.
A primeira família: O império Barthe
O ano de 1905 foi tomado por um trabalho intenso de construção rodoviária. O governo do Paraná queria alcançar com a máxima brevidade a Colônia do Iguaçu, então com escassos mil habitantes, número que iria dobrar já no ano seguinte. A aceleração da obra atraía mais gente, agora brasileiros, para a região.
O franco-argentino Domingo Barthe já controlava a exploração de 60 mil hectares adquiridos às margens dos rios Paz, Tormenta e nascentes do São Francisco, cujos confins se estendiam mais de 90 quilômetros além do Rio Paraná.
A localização de propriedades tão distantes dos portos do Rio Paraná exigia a construção de estradas que facilitassem o escoamento da erva-mate e da madeira por essa via navegável.
Barthe aproveitou a construção das “picadas” necessárias aos seus negócios para requerer mais terras ao governo do Estado, ampliando seu domínio em mais mil hectares, vindo a ter dois portos de embarque: Santa Helena e Sol de Maio.
Em 1906, no interior paranaense, o trabalho de integração estadual prosseguia, alcançando avanços importantes. Após as exaustivas tarefas conduzidas pelo capitão Félix Fleury de Souza Amorim na mata fechada, mais adversa que um exército inimigo, inaugura-se o terminal da linha telegráfica na Colônia Militar do Iguaçu.
Mas a crise da época cobra seu preço. Tão logo as obras da estrada alcançaram Catanduvas, a Comissão de Estradas Estratégicas foi dissolvida, ficando a construção paralisada por tempo indeterminado.
