A promoção da segurança alimentar e as práticas de agricultura urbana foram debatidas em audiência pública realizada na tarde desta quinta-feira (3) na Assembleia Legislativa do Paraná. Mais de 20 autoridades, dentre pesquisadores, agricultores e representantes de entes federais, estaduais e municipais, reuniram-se no Auditório Legislativo para discutir, em especial, o Projeto de Lei (PL) 8/2019, que tramita no Parlamento paranaense e fomenta hortas urbanas no Paraná.
De autoria dos deputados Goura (PDT), proponente da audiência pública, e Professor Lemos (PT), o projeto visa assegurar o direito de pessoas físicas ou jurídicas ao uso dos espaços não ocupados que tenham como fim abastecer a população e órgãos estaduais e municipais com alimentos isentos de agrotóxicos. Remanescentes de recuos e canteiros das calçadas devem ser destinados à prática de hortas e de jardinagem urbanas, enquanto em “margens de córregos e de rios podem ser desenvolvidas práticas de horta e jardinagem, desde que associadas à silvicultura”, segundo o projeto.
A proposta foi protocolada na Assembleia Legislativa do Paraná logo na primeira semana de fevereiro de 2019. Desde então, depende de tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Durante a audiência pública, o deputado Requião Filho (sem partido) informou que também será coautor do projeto.
“Vários municípios já adotam boas práticas nessa área, como Maringá, Cascavel e a própria Curitiba. Mas nós queremos que seja uma política pública fortalecida pelo governo do Estado, fomentada em todos os municípios. A agricultura urbana é uma prática que fortalece os vínculos comunitários, a segurança alimentar e é uma fonte de desenvolvimento econômico para as cidades”, ressaltou Goura.
Conforme Lemos informou na audiência, a iniciativa deve ser pautada na CCJ nos próximos dias. O parlamentar relembrou também o projeto que institui a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica, atualmente em tramitação na Casa. “Queremos fazer com que esse projeto saia das comissões temáticas e seja aprovado como política importante”, ressaltou.
Panorama
Hoje, cerca de 23,1 % dos municípios brasileiros adotam a agricultura urbana, segundo estudo de 2023 apresentado por Kelliane da Consolação Fuscaldi, servidora que representou a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Social. Se se contabilizarem também aqueles que realizam hortas escolares, o percentual passa para 44,2 %. Há 112 municípios que regulamentam o tema por meio de leis e 18 por decreto.
A gestora também detalhou investimentos do governo federal na área, que conta, desde 2018, com o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana. Entre 2018 e 2024, foram empenhados R$ 15 milhões em políticas públicas com verbas federais. Para 2025, estão previstos R$ 19,8 milhões, sendo que R$ 9,4 milhões já foram empenhados. Ao todo, há 28 ações em execução pela pasta relacionadas à área.
A atuação do governo do Paraná também foi discutida. “De 2018 até 2025, foram apoiadas 92 hortas em 28 municípios paranaenses, com investimentos de R$ 3 milhões”, explicou Márcia Cristina Stolarski, diretora do Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional (Desan) da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (Seab). Todas as hortas são orgânicas, e as parcerias foram firmadas por meio de convênio. Segundo Stolarski, a pasta incentiva a implementação, com conferências municipais realizadas em todo o Estado. Ela destacou ainda que 88 % do Estado tem adesão ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).
Política consagrada em Curitiba, as hortas urbanas alcançam o número de 209, de acordo com o secretário municipal de Segurança Alimentar e Nutricional da capital, Leverci Silveira Filho. Para garantir a segurança alimentar, a capital investe também em iniciativas como sacolões de preço único e no programa Armazém da Família, que oferece produtos a preços até 30 % mais baixos do que os praticados nos mercados.
“Curitiba surgiu com uma grande feira, onde passavam os tropeiros e trocavam alimento. E isso a gente precisa manter, pois conecta as pessoas e traz dignidade”, destacou o titular da pasta. A necessidade de considerar as hortas urbanas na atualização do Plano Diretor de Curitiba foi elencada pela vereadora da capital, Laís Leão (PDT).
Aprimoramento
Durante o evento, representantes de diferentes órgãos do Poder Público apresentaram sugestões ao projeto de lei do Parlamento. A engenheira agrônoma Leila Aubrift Klenk, superintendente do Ministério do Desenvolvimento Agrário no Paraná, destacou a necessidade de a iniciativa caracterizar quais espaços seriam considerados de agricultura periurbana e urbana — definições que ainda dependem de consenso.
Além disso, a normativa deve ser concebida de forma a estar “amarrada” a políticas públicas da área. Ela ilustrou, por exemplo, que o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) permite, desde o último ano, o atendimento de produtores urbanos, periurbanos, entre outros.
O engenheiro agrônomo Claudio Luiz Guimarães Marques, membro do Núcleo Executivo da Articulação Paranaense de Agroecologia (APRA), frisou que é necessário que a prática da agroecologia — que prevê o manejo da agricultura em perspectiva ecológica — seja prioritária na agricultura urbana, garantindo assim que não haja contaminação nas cidades. Annete Bonne, bióloga e pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), tratou da importância do estudo do solo que deve preceder a instalação das hortas comunitárias.
A culinarista Bela Gil, uma das criadoras do Instituto Comida e Cultura, destacou que há no Brasil mais de oito milhões de pessoas que enfrentam a insegurança alimentar. Há também uma proporção expressiva de habitantes que se alimentam de produtos ultraprocessados — responsáveis por uma série de doenças. “A comida de verdade salva vidas. É uma política de saúde”, pontuou. Ariela Doctor, coordenadora-geral do Instituto, levantou a necessidade de incluir nos currículos escolares atividades interdisciplinares que envolvam hortas comunitárias.
Também colaboraram com sugestões Valmor Luiz Bordin, superintendente regional da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e o engenheiro agrônomo Nilton Bezerra Guedes, superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Paraná (Incra/PR).
Iniciativas
A audiência foi também uma oportunidade para evidenciar iniciativas de hortas urbanas em todo o Paraná. É o caso do projeto Cultivar Energia Hortas Comunitárias, da Companhia Paranaense de Energia (Copel). Implementadas sob linhas de transmissão de energia, as plantações ocupam espaços que costumavam ser usados para despejo irregular de lixo, conforme explicou Luísa Nastari, superintendente de Sustentabilidade da Copel.
“Há um ganho de saúde física e mental, pois a sociedade acaba se integrando àquele espaço”, destacou a gestora. Conforme Nastari, as hortas também se tornam fonte de renda, uma vez que os produtores vendem os produtos às sextas-feiras na sede da Copel, localizada no bairro Mossunguê. Atualmente, há 25 hortas implementadas e 694 famílias atendidas. Ao todo, 5 500 pessoas são contempladas. O impacto das hortas comunitárias na saúde emocional também foi destacado por Maria Vitória Fontolan, doutoranda em direito e integrante do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental (EKOA UFPR). Ela revelou dados de um estudo que investigou o impacto das iniciativas em pessoas que enfrentaram o êxodo rural.
A professora Ana Rigo, bióloga e docente da rede municipal de Curitiba, pontuou a importância das hortas escolares na vida de crianças e adolescentes — experiência que vivencia com seus alunos. “É uma maneira de reconexão da criança ao seu ambiente e ao ciclo do alimento. É um importante meio que podemos utilizar para ensinar muitas coisas”, pontuou.
Há três anos, o agricultor urbano Leonardo Gonçalves de Moraes mantém uma agrofloresta de 30 m² em sua casa, em Curitiba. Até então, produziu mais de 250 kg de alimentos — como batata e mandioca. O esforço resultou na distribuição de mais de 50 mil refeições em cozinhas solidárias, segundo o agricultor, que também preside o Conselho Municipal de Segurança Alimentar (COMSEA Curitiba). “Temos o desafio de fortalecer uma técnica social que chega a locais onde, muitas vezes, o Poder Público não chega”, afirmou. O agricultor urbano Guilherme Scharf e a hortelã Vani Costa Ribeiro também compartilharam suas experiências com as práticas.
Também fazem parte do rol de iniciativas que fortalecem a agricultura urbana um curso que fomenta o conhecimento de técnicas entre 80 jovens na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), conforme apresentado por Lorena Emanueli Teixeira da Luz, membra da Federação de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Fecafes). A assistente social Angela Maria de Azevedo Padilha apresentou o Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (Cefuria), reivindicando a possibilidade de comercialização em hortas urbanas — permitindo a geração de renda.
O deputado estadual catarinense Marquito (PSOL) ilustrou como se dá a adoção de políticas de agricultura urbana em Santa Catarina, especialmente na capital, Florianópolis, onde atuou como vereador. Entre elas, a Política Municipal de Agroecologia e Produção Orgânica (PMAPO), de 2018, e a Lei da Compostagem, que estabelece a meta de aproveitar 100 % dos resíduos orgânicos até 2030.