Seria como a primeira viagem espacial: uma jornada rumo ao desconhecido. O Paraná da primeira metade do século XIX tinha menos da metade do seu território coberto pelo poder público imperial. Quando a 5ª Comarca de São Paulo foi transformada em Província do Paraná com a Lei 704, ato do imperador Pedro II, em 29 de agosto de 1853, a autonomia carregava o dever fundamental de ocupar produtivamente todo seu território.
O passo inicial para a primeira viagem rumo ao Oeste se deu em 1848, quando o projeto de criação da futura “Província da Coritiba” entrou em debate na Comissão de Estatística de São Paulo, encarregada de estudar os dados que poderiam atestar sua viabilidade.
O parecer seria favorável, mas os líderes paulistas não aceitavam perder território. Alegavam que o desmembramento levaria à destruição de São Paulo. Se houvesse a divisão territorial, alegavam, sua Província “ficaria impossibilitada de prestar ao Império o concurso de serviços que em grau subido a tem assinalado”. Divididas, seriam “duas Províncias insignificantes, minguadas e sem recursos para combater suas mais inexpressivas necessidades”.
Para chegar à emancipação, os líderes da 5ª Comarca precisavam mostrar iniciativa no sentido de ocupar o Oeste e fazê-lo produzir rapidamente. Foi assim que a primeira viagem à região foi decidida, por iniciativa do capitão Henrique Beaurepaire Rohan e a participação de Camilo Lélis da Silva, segundo tenente da Marinha enviado para historiar a missão.
Primeiros registros do Oeste
A abertura de picada começa no final de 1848 em Guarapuava, último espaço urbano antes do sertão desocupado. Seguia rumo ao Xagu, onde havia um aldeamento de “índios mansos”. A formação da comunidade no Xagu, futura Laranjeiras do Sul, foi acompanhada pela criação oficial da Vila de Guarapuava, com a lei nº 14, de 21 de março de 1849.
Já sem Rohan, que retornou a Guarapuava depois de duas semanas, a expedição prosseguiu com Camilo Lélis e percorreu cerca de 320 km no sentido Leste-Oeste, seguindo paralelamente ao curso do Rio Iguaçu até os limites a fronteira com o Paraguai.
Na árdua marcha rumo ao extremo-Oeste, uma constatação: quem ousasse se estabelecer na área enfrentaria o monitoramento argentino. O resultado dessa primeira viagem foi legar algum conhecimento sobre aspectos geográficos, flora e fauna dos trechos percorridos, além de sugerir a necessidade de ocupar a região a partir do apoio militar.
No front institucional, entra então em cena um personagem decisivo: o Marquês de Paraná. Não é por causa do Rio Paraná que a projetada “Província da Coritiba” virou Província do Paraná, mas pela participação decisiva do senador Honório Hermeto Carneiro Leão.
Um político sem igual
Mineiro de Jacuí, filho de militar, Carneiro Leão nasceu em 11 de janeiro de 1801. Foi juiz e governador do Rio de Janeiro aos 40 anos, de onde saiu para exercer o cargo de senador vitalício.
Como parlamentar, evitou tramoias que procuravam rasgar a Constituição: “Não temos necessidade de ferir a legalidade e os princípios”, argumentou. “Podemos fazer as leis justas, que forem necessárias (…) na Constituição observada temos meios seguros e legais para dar à nação o que ela pretende”.
Em 1988 a atual Constituição separou claramente os três poderes e deu a função extraordinária de tira-teima ao STF, mas hoje as regras constitucionais continuam tão discutidas quanto naquela época.
A vida política do Segundo Reinado era dominada por dois grandes partidos políticos: o Liberal, favorável a ideias novas, às reformas rápidas e a uma maior autonomia às províncias; e o Conservador, favorável à tradição política e às reformas moderadas.
Os dois partidos se revezaram no poder em meio a embates paralisantes, até que Honório Carneiro Leão propôs uma trégua na luta entre eles. Com o respeito do imperador e ganhando para sua ideia os oposicionistas mais moderados e vencendo a polarização eleitoral organizou o Ministério da Conciliação, sob o qual o Brasil conquistou avanços importantes.
Foi o melhor período de governo do Brasil. Com o Ministério da Conciliação, para Euclides da Cunha, o país chegou ao “ponto culminante do Império”: foram construídas as primeiras estradas de ferro, desenvolveram-se as comunicações, aumentaram as linhas de navegação e a instrução pública teve um salto.
Leão venceu a pressão paulista
Carneiro Leão teceu as razões estratégicas para a emancipação da Quinta Comarca paulista: “Não seria político discutir todas as razões de defesa externa a que é favorável a criação da Província de Curitiba […], mas todos nós sabemos que na Comarca de Curitiba limita o Império com a República do Paraguai, e porventura com a Confederação Argentina”.
Leão defendia a urgente comunicação com o Paraguai, que embora limítrofe, pelo Mato Grosso e pela Província de São Paulo, “nesses pontos o deserto nos separa; pelo Rio da Prata, o governo da Confederação Argentina nos proíbe a comunicação, e pelo Rio Grande seria preciso passar por Entre Rios e Corrientes, províncias pertencentes à Confederação Argentina”.
Em resposta, o senador liberal Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, português que já havia governado o Brasil compondo a regência trina, durante a minoridade de Pedro II, mesmo se opondo ao desmembramento deu as bases para as ações que seriam encetadas na região mais adiante: “Será necessário colocar tropa nesse lugar e ter quem comande”, além de “criar uma administração especial”.
Carneiro Leão usou as alegações de Vergueiro como alavanca para seus argumentos: defendeu o aumento de despesas necessárias à fortificação da fronteira e a construção de estradas como necessidade infraestrutural.
Denunciando o crônico “esquecimento” da Quinta Comarca pelo governo de São Paulo, Leão disse que ela ficava “quase abandonada” por não influir nas eleições, mesmo respondendo pela maior parte da renda da Província paulista.
A gafe do século XIX
Campos Vergueiro sentiu a força dos argumentos de Leão e vendo a derrota próxima cometeu a pior gafe de sua brilhante biografia de líder da cafeicultura nacional ao pôr em dúvida a qualidade das terras paranaenses:
“O lavrador por onde conhece a fertilidade do terreno inculto é pelas madeiras; ora, sendo a Curitiba coberta de pinhais e de erva-mate, é claro que não são boas as terras”.
Ao retornar da extenuante aventura da primeira viagem ao Oeste, Camilo Lélis da Silva em maio de 1852 já informava que os territórios pesquisados eram abundantes em mais de 40 tipos de madeiras, destacando o pinheiro, e que “as terras eram férteis apropriadas para a lavoura, e ideal para fundação de colônias de povoamento”.
Em 1865 ele também publicou um diário de viagem na Revista Trimensal do Instituto Histórico Geographico e Ethnographico do Brasil, relatando as atividades realizadas.
Quem também deixou os registros dos fatos sobre a terra do interior paranaense que logo iriam desmentir a avaliação de Vergueiro sobre a infertilidade das terras do futuro Paraná foi outro membro da expedição: Pedro Aloys Scherer.
Ele “destacou as riquezas minerais, madeireiras e as possibilidades agrícolas de toda a região até as margens do rio Paraná” (Lúcio Tadeu Mota, Fazenda Pau de Lenha 1854).
Terra fértil, política nem tanto
“Como decorrência da exploração dessa vasta área ocidental do Paraná e do conhecimento das dificuldades regionais para transformá-la em caminho trivial de passagem rumo ao Rio Paraná (que consistia de ponto de conexão fluvial com o Mato Grosso, Oeste de São Paulo, Paraguai e Argentina) é que iniciou-se o estabelecimento da colonização do Oeste do Estado” (Fernando Costa Straube e Pedro Scherer-Neto, História da Ornitologia no Paraná, citando Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo [Conquista pacífica de Guarapuava]).
No momento da criação, em 1853, a Província do Paraná tinha uma população de 60 mil habitantes brancos, 8.500 escravos negros e mulatos e meio milhar de mulatos livres.
A lei descartou o nome “Provincia da Coritiba” para bajular o marquês Carneiro Leão, nessa época o político e governante mais poderoso do país, dando seu nome ao futuro Estado.
Carneiro Leão uniu o Brasil positivamente, mas sua morte, em 1856, deixou o país órfão. Depois da Guerra do Paraguai o Brasil voltou ao estado paralisante das disputas políticas ferrenhas, governos oportunistas, revoluções fracassadas e disputa de “narrativas”.
A primeira família veio para um pouso ervateiro desativado
O pouso da Cascavel, quando era novo, ou seja, ainda não era o Cascavel Velho, ficava junto à invernada de animais da empresa argentina Domingo Barthe. Já existia às margens do rio alguns anos antes da construção da estrada ervateira da família Gomes e só passou a ser o Cascavel Velho depois que a Companhia Barthe desativou suas instalações no local.
Portanto, na origem tanto da invernada de animais de Barthe como do pouso e da estrada de carroças, esteve sempre a extração da erva-mate, na época totalmente controlada por interesses estrangeiros – argentino e inglês – e veio a se constituir no primeiro ciclo da economia regional.
A estrada carroçável dos Gomes, partindo de Catanduvas, depois de cruzar o ribeirão da cascavel seguia a Lopeí, sede administrativa da empresa argentina Nuñes y Gibaja, onde havia a concentração dos equipamentos de coleta do mate.
Ao atravessar a nova trilha aberta pelos militares no divisor de águas, a estrada de Augusto Gomes de Oliveira criou um ponto estratégico para outras trilhas que depois vieram a passar por ele: uma encruzilhada que logo recebeu o nome da família Gomes.
É nesse lugar que em 1930 terá início a formação da cidade de Cascavel. Não foi no Cascavel Velho, como erroneamente alguns escreveram sem se aprofundar na verdadeira história da região. O Cascavel Velho, porém, foi onde se instalou a primeira propriedade agrícola familiar do Médio Oeste.
