O deputado estadual Goura (PDT) propôs projeto de lei que autoriza a pesca, o abate e o transporte do peixe Dourado nas bacias hidrográficas do Rio Iguaçu e do Atlântico Sudeste. O objetivo é fazer o controle ambiental dessa espécie predadora e a preservação da ictiofauna (conjunto das espécies de peixes de uma determinada região) endêmica das referidas bacias.
O projeto de lei 516/2025 altera a Lei 19.789/2018, que dispõe sobre a proibição da captura, do embarque, do transporte, da comercialização, do processamento e da industrialização do peixe da espécie Salminus brasiliensis ou Salminus maxillosus, o peixe Dourado.
Conforme justificativa do projeto, o Dourado é nativo da bacia do Rio Paraná, mas não das bacias do Atlântico Sudeste e do Iguaçu, o que o torna uma espécie predadora nessas localidades.
Como espécie predadora, ele se alimenta de peixes menores, a exemplo do Lambari, incluindo espécies nativas e endêmicas, aumentando ainda mais as ameaças de extinção.
“Por isso, o Dourado deve ter sua pesca incentivada como forma de abate nas bacias onde ele não ocorre naturalmente. A lei em vigência impede o seu abate e, portanto, sua proliferação nesses locais vem causando um sério desequilíbrio ambiental”, argumentou Goura.
Bacia do Rio Iguaçu
Segundo estudos científicos citados na justificativa do projeto apresentado, a bacia do Rio Iguaçu é considerada um dos principais centros de biodiversidade de peixes do mundo, com 70% das espécies consideradas endêmicas e mais de 20% das espécies descritas listadas sob algum nível de ameaça na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), bem como diversas espécies ainda não descritas.
A bacia do Iguaçu possui muitas espécies endêmicas (que ocorrem naturalmente apenas nesta região), não sendo encontradas em nenhuma outra bacia do mundo. Ou seja, sua extinção local significa a extinção da própria espécie.
Segundo os estudos, a bacia do Iguaçu abriga 93 espécies nativas, das quais 13 ainda não foram classificadas.
A explicação científica para esse alto endemismo é que a formação das Cataratas do Iguaçu e de outras quedas d’água ao longo da bacia desencadeou um processo conhecido na biologia como vicariância, no qual populações de peixes foram isoladas. Algumas permaneceram acima das quedas (na parte superior da bacia), enquanto outras ficaram abaixo.
É com base nesse processo que se definem as espécies nativas do Rio Iguaçu, que são aquelas que evoluíram exclusivamente na porção superior da bacia ao longo de milhões de anos, em contraste com as espécies que habitam a região abaixo das cataratas, pertencente à bacia do Rio Paraná.
Conforme explica o pesquisador Iago Vinícius Geller, é nesse contexto que se insere a confusão recorrente na identificação do Dourado como espécie nativa do Rio Iguaçu, quando, na verdade, trata-se de uma espécie nativa apenas da bacia do Paraná, ou seja, naturalmente distribuída abaixo das cataratas.
Iago é autor da tese “Invasões biológicas na Bacia do Iguaçu: uma abordagem integrada dos impactos ecológicos, socioculturais e políticos”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas.
Bacia do Atlântico Sudeste
No total, a bacia do Atlântico Sudeste possui área de 229.972 km², distribuída nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e no litoral paranaense.
No Paraná, o Rio Ribeira do Iguape está inserido na bacia do Atlântico Sudeste. Ele nasce no Parque Nacional dos Campos Gerais (Ponta Grossa) e recebe vários afluentes em seu percurso. É o principal rio da bacia do Vale do Ribeira e, além do Paraná, banha o estado de São Paulo, desaguando no complexo estuarino lagunar de Iguape, Cananeia e Paranaguá.
Alterações propostas
A lei em vigor veda, pelo prazo de oito anos, a captura, o embarque, o transporte, a comercialização, o processamento e a industrialização do Dourado em todo o Paraná, ressalvada a modalidade “pesque e solte”.
A proposta apresentada permite a pesca, o abate e o transporte dessa espécie nas bacias do Rio Iguaçu e Atlântico Sudeste durante o ano todo, e proíbe o incentivo, a promoção ou a realização de atividades de pesca esportiva na modalidade “pesque e solte” do Dourado nas referidas bacias hidrográficas, bem como a introdução ou reintrodução da espécie nesses locais.
Além disso, acrescenta que, na modalidade “pesque e solte”, a soltura deverá ser feita no mesmo local e imediatamente após a captura, obedecendo aos manejos adequados.
Justificativa
Estudos científicos indicam que o Dourado é uma espécie nativa do sul da América do Sul, naturalmente dos rios Paraná, Paraguai, Uruguai e Jacuí (bacia do Prata) e drenagens da Laguna dos Patos, sendo encontrada ainda na Bolívia, nas bacias do Rio Mamoré e alto Rio Chapare, bacia Amazônica.
A lei em vigência impede o seu abate porque considera, erroneamente, a espécie como nativa da bacia do Iguaçu e Litorânea. Esse erro colabora para sua proliferação nesses locais e, portanto, o aumento do risco de desequilíbrio ecológico.
“Ou seja, a atual legislação sobre o tema está na contramão das ações estaduais e federais de combate a espécies não nativas. Nesse sentido, entendemos que as políticas ambientais do Estado do Paraná devem ter como objetivo a proteção de espécies nativas e o combate às não nativas, por isso apresentamos essa proposta de alteração da Lei 19.789/2018”, argumentou o deputado Goura.
Carta ao IAT e Notícia de Fato ao MPPR
O pesquisador Iago Geller, juntamente com outros pesquisadores especialistas, como o doutor Jean Ricardo Simões Vitule, da Universidade Federal do Paraná, encaminhou Carta Aberta de Repúdio ao Instituto Água e Terra (IAT), em 30 de abril de 2025, na qual apontam a redação errônea e a generalização das normas na Portaria 223, de 28 de abril de 2025, do IAT, e da Lei 19.789/2018.
Em 12 de maio de 2025, os pesquisadores protocolaram Notícia de Fato no Ministério Público do Paraná (MPPR), na qual solicitam a “apuração da legalidade, bem como a revisão dos dispositivos normativos estaduais que estejam em desacordo com os princípios da proteção da biodiversidade, da gestão por bacias hidrográficas e do controle de espécies exóticas invasoras”.