História do Oeste: Terríveis incêndios

O dia mais alegre de Foz do Iguaçu marcado pela igreja em chamas e o coração de Cascavel devorado pelo fogo

História do Oeste: Terríveis incêndios

O dia mais alegre de Foz do Iguaçu marcado pela igreja em chamas e o coração de Cascavel devorado pelo fogo
Manchete do jornal Diário d’Oeste e a Prefeitura em chamas. Abaixo, a capela de Foz do Iguaçu, vítima de uma festa

Sete incêndios, alguns com indícios de origem criminosa, ocorreram quase simultaneamente em Toledo em agosto do ano passado, alastrando-se por uma área de 30 mil m² às margens da PR-585, no rumo de São Pedro do Iguaçu, vindo a constar do rol de sinistros acima do que se poderia considerar simples ocorrências decorrentes de fatalidade ou acidente.

Criminosos ou acidentais, os incêndios carregam a marca da tragédia, implicando vultosos prejuízos financeiros, a ruína ou o desabrigo na falta de prevenção ou seguro. Na história do Oeste, dois incêndios comprovadamente acidentais ficaram marcados na memória de Foz do Iguaçu e Cascavel em diferentes épocas (1925 e 1963). Dentre os incêndios criminosos, os de maior destaque ocorreram em Cascavel, em 1960 e 1968.

Quando os revolucionários paulistas e gaúchos da Coluna Prestes partiram de Foz do Iguaçu, em abril de 1925, os líderes da cidade e os moradores que se esconderam no Paraguai temendo ações violentas dos revolucionários, começaram a retornar em meio a manifestações de alívio e entusiasmo.

O temor de violências foi espalhado pelas forças governistas, que abandonaram Foz do Iguaçu à própria sorte. No entanto, a cidade progrediu sob a gestão dos rebeldes. A célebre imagem dos revolucionários ocupando o Marco das Três Fronteiras mostra ao lado dos soldados rebeldes a presença do então vigário de Foz do Iguaçu, Guilherme Maria Thiletzek.

Nada foi destruído e todos puderam retomar seus afazeres, surgindo a proposta de celebrar o fim da etapa paranaense da revolução com uma grande festa em 3 de maio de 1925, um domingo.

Muita água fora de alcance

Nessa ocasião seria promovida uma quermesse para arrecadar recursos para a construção de uma nova igreja igualmente dedicada a São João Batista. A capela da cidade, construída no ano anterior, durante a ocupação revolucionária, reuniu as autoridades e principais lideranças da cidade em Missa de Ação de Graças seguida por intenso espocar de fogos de artifício.

“Soltaram muitos foguetes e um deles caiu em cima do telhado da Capela-Matriz ainda coberta de tabuinhas, prendeu-se entre estas tabuinhas e incendiou logo a capela, que, em poucos minutos era vítima das chamas. A população viu consternada a capela queimada. A cidade estava livre, mas a casa de Deus destruída” (padre Martinho Seitz).

Surpresos, os presentes tentaram, mas não conseguiram salvar a igreja. “Como o fogo começou de cima para baixo, deu tempo para salvar a imagem do padroeiro, os quadros da via-sacra, o Santíssimo etc. Havia muitos soldados presentes e eles ajudaram a salvar muita coisa” (padre Lotário Welter, Tempos heroicos de uma igreja nascente).

A correria aos poços para trazer baldes e tentar debelar o incêndio foi inútil frente à velocidade com que o fogo progrediu. Ao lado dos escombros, no dia 24 de julho, data dedicada a São João, foi benzida a pedra fundamental para a construção da nova igreja, projetada para ser “maior e mais bela” (padre Guilherme Maria Thiletzek).

Muitos suspeitos, ninguém condenado

A noite cascavelense de 12 de dezembro de 1960 também era festiva, apesar de ser uma segunda-feira. Um circo presente à cidade era uma novidade e atraía as atenções da população.

O prefeito Octacílio Mion e os vereadores eleitos tomariam posse no dia 14 no prédio situado diante do Colégio Rio Branco (atual Marista), mas isso jamais aconteceu porque um incêndio avassalador derrubou em pouco tempo o prédio do Paço Municipal.

“Eu presenciei quando a Prefeitura pegou fogo, à tarde, e houve tumultos entre a população, causando muitos prejuízos. Foi mais ou menos às seis e meia da tarde. O novo prefeito tomou posse em cima das cinzas da Prefeitura” (Ezuel Portes, em Cascavel, a História).

As denúncias de que teria sido um incêndio criminoso levaram à abertura de processo na Justiça, segundo Portes, pela suspeita de que seria para eliminar provas de irregularidades na administração.

“Não tenho dúvidas que o incêndio foi criminoso. Até veio um delegado especial de Curitiba, mas o inquérito obviamente não deu em nada. Ainda naquela mesma noite a população fez uma passeata, querendo linchar o [prefeito] Helberto. Ele se escondeu e a Polícia, que era então chefiada pelo Aroldo Cruz, teve de protegê-lo, senão ele não escapava” (Roberto Paiva).

Alguns cidadãos exaltados se reuniram para deter o prefeito, que com proteção policial escapou rumo a Curitiba. O prefeito Mion tomou posse no Colégio Rio Branco e com o contador da Prefeitura, Celso Sperança, remontou a documentação do Município com o apoio do cartório do Fórum e do governo do Estado.

“A população, a indústria e o comércio, compreendendo as dificuldades porque passaria a nova administração, veio espontaneamente declarar e pagar impostos devidos há um, dois e até quatro anos” (Elio Willy Fauth, Tudo Sobre Cascavel).

O maior de todos

Em 30 de junho de 1963, um domingo, aconteceu o maior incêndio de todos os tempos em Cascavel, decorrente de causas acidentais. Quase a metade do centro da cidade foi destruída.

Passava um pouco das 4h da manhã. Num estrondo, o centro de Cascavel se iluminou dramaticamente. As labaredas se erguiam enquanto praticamente toda a população corria para ajudar no combate às chamas.

João Lindolfo Deckman, o proprietário do cinema localizado nas imediações, arriscou a vida como o mais dedicado bombeiro voluntário. Afonso Trento, os irmãos Casagrande, os irmãos Formighieri, os irmãos Zanardo e Harry Krüger também foram destacados pelo jornal Diário do Oeste, do médico Wilson Joffre, como os heróis daquela terrível madrugada.

O incêndio começou em uma propriedade do médico Edo Peixoto, que estimou prejuízo no montante de 1 milhão de cruzeiros, a moeda da época. No total, foram apuradas perdas estimadas em 19 milhões de cruzeiros.

Poucos estabelecimentos tinham seguro. Os maiores prejuízos ocorreram no Posto São Cristóvão, de Ângelo Colombo, apesar de ter parte do patrimônio segurado. Em meio à enorme destruição, o pragmático Ângelo conseguiu ânimo para declarar que Cascavel teve sorte, pois naquela noite não havia veículos estacionados por ali, embora fosse normal a presença de vários caminhões carregados e automóveis nos arredores.

A maior sorte, disse Colombo, é que o fogo foi contido antes de chegar às bombas e aos tanques. Se chegasse, a destruição se estenderia pelas quadras ao redor. Também sofreram prejuízos milionários o posto de baterias de Albino Servian, o bar de Alécio Bronheroto, os irmãos Bettega e a vulcanização de Rodolfo Scopel.

Fogo nos processos eleitorais

Em 18 de setembro de 1968, mais um incêndio criminoso (e tão impune quanto o da Prefeitura em 1960) foi registrado em Cascavel, desta vez no Fórum Desembargador José Munhoz de Mello, então instalado na Travessa Willy Barth, atual Jarlindo João Grando.

“Depois que saiu da minha Escola Técnica, o Fórum foi para a travessa. Foi construído pela Prefeitura e funcionava bastante apertado, porque já na época havia duas varas mais o Cartório Eleitoral. Os três cartórios funcionavam num aperto danado” (Antônio Cid, depoimento).

O fogo foi descoberto por volta de meia-noite do dia 18 para 19 de setembro. Cid era o escrivão eleitoral e sua equipe trabalhava até tarde da noite porque faltava pouco mais de um mês para as eleições.

Naquela noite, ao fim do expediente, por volta das 23h30min, Cid levou os funcionários para casa em uma perua Kombi. Quando acabara de voltar à sua residência para dormir, Cid viu alguém surgir desesperado, aos gritos: “Acorda, que o Fórum está pegando fogo!”

“Dirigi-me para lá, mas quando cheguei não dava para fazer mais nada. O prédio era todo de madeira de pinho e havia muito papel lá dentro, principalmente na parte eleitoral, que foi onde começou o fogo”.

Foi um crime com tudo para ser perfeito: seus autores só não se lembraram de que o Cartório do Distribuidor funcionava na própria residência da cartorária Aracy Tanaka Biazetto, a várias quadras dali, e ela conseguiu preservar boa parte da memória jurídica da Comarca.

100 anos da revolução: O fim da etapa oestina

No final de abril de 1925, fugindo ao cerco do general Cândido Rondon, o chefe rebelde João Alberto foi encarregado de apresentar ao comandante da guarnição paraguaia de Porto Adela uma carta na qual os revolucionários expunham as suas razões.

O comandante da guarnição paraguaia, porém, não era homem de muita conversa, conforme relata o próprio portador da carta:
“Ele exigia que eu depusesse armas ou regressasse para o Brasil… Por duas vezes ele abandonou as negociações e voltou para junto de seus homens, dizendo que iria reagir… Pensei então em entrar em luta corporal com o capitão paraguaio a fim de evitar que ele me fuzilasse”.

Para evitar derramamento de sangue, o capitão decidiu aceitar a passagem rápida da tropa, mas só depois de João Alberto assinar um documento no qual reconhecia que a anuência do comandante se devia à inferioridade numérica em que ele se encontrava frente às tropas brasileiras” (Sérgio Rubens de Araújo Torres).

A travessia foi realizada em dois vapores: o Assis Brasil, recondicionado, meses antes, pelos revolucionários, em Porto Mendes, e o Bell, requisitado por eles em Porto Adela.

O deslocamento de toda a Divisão – 700 homens da Brigada São Paulo, 800 da Brigada Rio Grande, 600 animais de carga, sela e tração, todo o material bélico, inclusive uma bateria de artilharia – levou setenta e duas horas.

A etapa paranaense da revolução terminava, mas começava ali a lenda da Coluna Prestes.

Passagem pelo Paraguai em Porto Adela garantiu a continuidade da Coluna Prestes

 

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