.

Ia matar Cascavel, salvou a Catedral

Evitar que a igreja desabasse é uma história do arquiteto Gustavo Gama Monteiro sempre mantida nas sombras
Picture of Por: Alceu Speranca - Jornalista e escritor

Por: Alceu Speranca - Jornalista e escritor

Todos os Posts

Ia matar Cascavel, salvou a Catedral

Evitar que a igreja desabasse é uma história do arquiteto Gustavo Gama Monteiro sempre mantida nas sombras
Gustavo Gama Monteiro, a Catedral em obras e a Avenida Brasil

Os primeiros e mais belos cartões postais de Cascavel – os desenhos finais da Avenida Brasil e da Catedral de Nossa Senhora Aparecida – tiveram a participação destacada do arquiteto Gustavo Gama Monteiro.

Essa história, no entanto, jamais teria acontecido se ele tivesse sucesso na tarefa para a qual foi chamado a vir ao remoto interior paranaense: criar uma cidade planejada para ser a capital do Oeste. Se ele conseguisse, depois dela Cascavel seria apenas uma vila sem expressão, perdendo sua característica estratégica de centro-polo regional com o desvio da BR-277.

Nascido no Rio de Janeiro em 14 de fevereiro de 1925, desde muito jovem Gustavo apareceu nos noticiários esportivos nacionais e já fazendo história. Foi campeão brasileiro de saltos ornamentais e ainda na juventude, estudando na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, Monteiro teve seu primeiro contato com o Oeste do Paraná ao criar o projeto urbano de Assis Chateaubriand, em 1947. Ele só completaria sua formação acadêmica em 1949.

🚨 Receba as notícias em primeira mão!
Entre no nosso grupo no WhatsApp ou canal no Telegram!

A história da Catedral de Nossa Senhora Aparecida começa em 1952, ainda antes da instalação do Município de Cascavel, quando o padre Luiz Luíse criou a Paróquia Nossa Senhora Aparecida, santa que dez anos depois seria designada como padroeira do município.

Em outubro de 1952, Luíse deu o primeiro passo para a futura Catedral ao conduzir a estátua de Nossa Senhora Aparecida em procissão até a atual localização do templo, inaugurando o Patrimônio Novo, parte extra que o Estado doou para ampliar a cidade.

Vinte vezes a população de Cascavel

O Patrimônio Novo começava na antiga Rua Moysés Lupion, atual Sete de Setembro, e seguia rumo ao Leste. Quando a cidade começava a se expandir nessa direção, pela facilidade de aquisição de imóveis na parte nova, a Fundação Paranaense de Colonização iniciou no inverno de 1954 um projeto que poderia paralisar o desenvolvimento de Cascavel.

O Projeto de Urbanização Munhoz da Rocha, em área de 6.080,3 hectares, uma cidade nova a cerca de 35 km a Nordeste de Cascavel, “haveria de se tornar a capital do Oeste da mesma forma que Londrina desfrutava do prestígio de capital do Norte do Estado”, segundo Rubens Nascimento, no livro Histórias Venenosas.

A Cidade Governador Munhoz da Rocha foi planejada para 100.000 habitantes – vinte vezes mais que a população de Cascavel na época. As obras começaram rapidamente, com a previsão de gastos ao redor de 53 milhões de cruzeiros para a infraestrutura: abrir ruas e avenidas, construir galerias de águas pluviais e locar 20 mil lotes, além de construir a rede elétrica e um campo de aviação.

O presidente da Fundação Paranaense de Colonização, Djalma Al-Chueyr, encontrou o arquiteto Gustava Gama Monteiro no Clube dos Marimbas, em Copacabana (RJ), e lhe perguntou: “Você não gostaria de fazer uma cidade em plena mata virgem?”

“Aquilo me empolgou”, contou o arquiteto. “A ideia de se fazer uma cidade em plena mata virgem era uma coisa nova e estupenda. Brasília ainda não havia sido feita”.

Azares da política, sorte do arquiteto

Já tendo em mãos um levantamento da área na escala de 1:20.000 com o apoio aerofotogramétrico, ele se considerou em condições de aceitar o desafio para fazer a futura cidade planejada e veio morar em Cascavel com a família.

Ao chegar, foi recebido como um astro e rapidamente se tornou amigo dos líderes da comunidade. No entanto, a cidade que ele começava a construir iria esvaziar Cascavel, desviando o eixo da BR-277 para lá.

Para sorte de Cascavel, um imprevisto aconteceu: Bento Munhoz deixou de ser o governador do Paraná em 3 de abril de 1955, embarcando num projeto federal que poderia levá-lo à Presidência da República.

Seis meses depois, seu maior adversário – o ex-governador Moysés Lupion – era reeleito para o governo do Paraná e mandou parar tudo: a Cidade Munhoz da Rocha não teria mais verbas.

Com o fracasso do projeto, o local continuou a fazer parte do Município de Cascavel até a emancipação de Corbélia, em 1961, e desde 1982 integra o Município de Braganey.

Com tudo abandonado, o prefeito de Cascavel, José Neves Formighieri, reuniu sua equipe e trouxe de lá tudo que pôde, desde postes de energia até equipamentos largados a esmo no local.

Cúmplices de um “roubo” impune

Formighieri foi acusado de roubar uma usina elétrica inteira, com postes, fiação e transformadores. O arquiteto Gustavo Monteiro foi um óbvio cúmplice desse “roubo” e se tornou um cascavelense de mala e cuia ao adquirir em maio de 1958 uma área de 939,23 m² na parte nova da cidade.

Entretanto, para sua decepção, com as perseguições desencadeadas pela ditadura instalada no país, a propriedade foi confiscada em 15 de setembro de 1969. Ainda em 1958 o arquiteto recebeu convite para projetar a nova Prefeitura de Cascavel, no Patrimonio Novo, diante do atual Colégio Marista.

Construído o novo Paço Municipal, ainda em madeira, o prédio foi destruído por um incêndio criminoso em dezembro de 1960. Enquanto ruía o projeto da Cidade Munhoz da Rocha, a comunidade religiosa se empenhava ativamente na promoção de festas e promoções para arrecadar dinheiro mirando a construção da projetada Catedral.

Ainda longe desse projeto, o arquiteto Gustavo Monteiro era chamado em 1959 a projetar um Estádio Municipal, que viria a se chamar Ciro Nardi e no futuro daria lugar a um complexo esportivo, junto ao cemitério central.

Em 1960, o arquiteto projetou a sede do Cascavel Country Club e no ano seguinte foi nomeado para fazer o planejamento municipal. Em 1963 projetou o Terminal Rodoviário da Avenida Carlos Gomes e no ano seguinte entrou na lista de perseguidos da ditadura, tendo propriedades confiscadas pelo regime, mas nesse interim sua história iria se cruzar com a já projetada Catedral de Nossa Senhora Aparecida.

Interrupção por força maior

O projeto original da Catedral foi assinado pelo arquiteto Bartolomeu Giavina. A obra, segundo as estimativas de 1964, custaria Cr$ 150 milhões. O espaço correspondia a um quarteirão inteiro, compreendido pelas ruas São Paulo, Duque de Caxias, Avenida Brasil e General Osório.

Os recursos foram arrecadados por uma comissão formada por Ado Fávero, Octacílio Ribeiro da Silva, Alcedino Munaro, Victorino Sartori, Ferdinando Antônio Maschio, Olivo Fracaro e padre Palmino Finatto, que se mostrou um severo fiscal de obras.

A pedra fundamental do novo templo foi plantada em 4 de outubro de 1964 e as obras começaram sob a direção de Pedro Bruning. Sem a presença do arquiteto Giavina, Bruning a certa altura se deparou com dificuldades aparentemente intransponíveis na estrutura da parte superior da igreja.

Segundo Amadeus Boscardin, o vão era grande demais e não havia engenheiros locais que pudessem ajudar nas obras, que já consumiam os recursos disponíveis. Finatto paralisou os serviços até segunda ordem.

As obras atrasaram até 1966, quando o padre Pietro Giraudo, novo pároco de Cascavel, que veio substituir o padre Palmino Finatto, socorreu-se junto ao arquiteto Gustavo Gama Monteiro.

Traçou a face de Cascavel

Então contratado pela Prefeitura para elaborar o Plano Diretor da cidade, Monteiro e o padre Giraudo decidiram os detalhes finais da obra da Catedral, que em seu corpo seria uma referência visual à imagem da santa padroeira do Município.

“A igreja com 60 metros por 80 metros de vão livre coberta por uma laje de concreto plissada mostrava algo ainda mais inusitado – a parede do púlpito. Essa parede foi revestida com três quilos e meio de ouro incorporados a sua cerâmica, resultado de belo trabalho artesanal” (Rubens Nascimento)

Monteiro concluiu o plano de urbanização de Cascavel em 1970 e enquanto as obras da Catedral avançavam, também entregou o Cadastro Técnico e o mapeamento à Prefeitura, com o que ele definia a face e o futuro da cidade.

A inauguração da Catedral se deu em 6 de outubro de 1974, quando foi feito o transporte solene da Imagem de Nossa Senhora Aparecida do templo antigo ao novo. Quando Gustavo Gama Monteiro morreu, em 2005, as imagens que mais representavam Cascavel eram a Catedral e a Avenida Brasil, mas também sobravam menções elogiosas à rodoviária de estilo “brasiliense” da Rua Carlos Gomes, ao Cine Delfim e ao Country Clube.

A primeira família: O engenheiro e o coronel

A primeira família cascavelense veio para a região em 1922, mas a área para onde viriam começou a entrar na história em 8 de outubro de 1904, quando o engenheiro Martins Franco chegava para iniciar a demarcação das terras das obrages às margens do Rio Paraná.

Medindo as obrages Nuñes y Gibaja e Domingo Barthe, chegou à região em que no futuro seria formada a cidade de Cascavel.

Coronel do Exército e vereador curitibano, Jorge Schimmelpfeng recebeu em 1905 a missão de instalar uma comissão fiscal do governo do Estado na então minúscula e desprestigiada Vila Iguaçu, onde as autoridades estaduais pretendiam aplicar um plano regional de desenvolvimento.

Ele decidiu mergulhar de corpo e alma na tarefa de transformar a vila numa cidade importante, que viria a ser Foz do Iguaçu.

Em 6 de abril de 1905, representando o capital inglês da Compañia de Maderas del Alto Paraná, o coronel adquiriu 274 mil hectares de terras devolutas e formou a Fazenda Britânia, um fantástico latifúndio das terras mais férteis do planeta, entre o Rio São Francisco e o Porto Artaza, do argentino Júlio Allica, origem de Toledo, Marechal Cândido Rondon e municípios derivados.

Foi nesse período que o Estado do Paraná passou a Colônia Lopeí e com ela também os pousos Guajuvira, 1° de Outubro, Arroio Grande, Palmito, Pouso Frio e Toledo, cada qual com 200 hectares, ao domínio da companhia Nuñes y Gibaja.

Lázaro Gibaja, um dos donos do Oeste no início do século XX

 

 

*Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos leitores e não representam a opinião do site.
Reservamo-nos o direito de aprovar ou remover comentários que considerarmos inadequados ou que violem nossas diretrizes.

Podcast

Edição impressa

Edição 293
Última edição

Edição de 26/09/2025

Publicada em 26/09/2025

🚨 Receba as notícias em primeira mão!
Entre no nosso grupo no WhatsApp ou canal no Telegram!

Usamos cookies e tecnologias para melhorar sua experiência, personalizar anúncios e recomendar conteúdos.
Ao continuar, você concorda com isso. Veja nosso novo Aviso de Privacidade em nosso Portal da Privacidade.