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Jagunço deixa os palácios e vira fora da lei

A Justiça se ramifica pelo interior e tira a proteção que o Estado prestava aos pistoleiros a serviço da grilagem de terras 

11/08/2024 às 08h52
Por: Time de redação Fonte: Alceu Sperança
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O Estado enviou soldados para ajudar os grileiros a expulsar os posseiros. O juiz e advogado Epiphânio Figueiredo, ameaçado de morte pelos jagunços. Ezuel Portes sofreu atentados de jagunços e foi preso  
O Estado enviou soldados para ajudar os grileiros a expulsar os posseiros. O juiz e advogado Epiphânio Figueiredo, ameaçado de morte pelos jagunços. Ezuel Portes sofreu atentados de jagunços e foi preso  

Até 1954, quando foram instaladas as Comarcas de Cascavel e Toledo, a região toda estava subordinada à Comarca de Foz do Iguaçu, que a partir dos constantes conflitos de terras na Rota Oeste, entre Criciúma (futura Santa Terezinha de Itaipu) e Cascavel, caracterizava-se por lentidão e falta de estrutura.

A primeira organização que tomou a seu encargo a distribuição da justiça na área que hoje compreende o interior remoto do Estado do Paraná foi a redução jesuítica de Guayrá. 

A redução teve origem com a formação de Ciudad Real del Guayrá, por obra dos espanhóis, em 1558 nas proximidades das Sete Quedas.

Os espanhóis tentaram submeter os índios, que habitavam grandes áreas do Sul brasileiro, mas foram rechaçados em sua tentativa escravizante. Os orgulhosos Guaranis, sobretudo, não permitiam seu controle pela coroa ibérica. Ainda hoje há forte resistência indígena nessa região.

Diante da rebeldia, os padres jesuítas foram chamados a implantar sua missão no território dominado pela Ciudad Real del Guayrá, para “pacificar” e catequizar aqueles a quem os padres Ortega e Filds qualificaram de “cidadãos talhados para o reino dos céus”.

Em 1600, o governo espanhol de Assunção transformou a Ciudad Real em sede da Província de Guayrá, em cujo território surgiria a redução jesuítica.

A nova Província estendia o domínio espanhol a todo o atual Oeste paranaense e já em 1610 os jesuítas organizavam e iniciavam as atividades de sua redução indígena. 

A expulsão dos padres 

Com o assédio dos bandeirantes portugueses, os jesuítas e seus índios foram expulsos da região em 1628 e foram para o Sul, onde organizaram suas célebres Missões.

Dois séculos depois, o controle da região foi entregue pelo Império aos obrageros argentinos e ingleses, que impunham suas próprias regras.

Uma delas era a proibição de formar vilas e povoados em toda a área sob seu domínio: era preciso coletar o mate e se deslocar aos entrepostos, de onde os fardos seguiam para exportação pelo Rio Paraná.

Sandálio dos Santos, uma das figuras exponenciais da história do Oeste e primeiro cartorário de Cascavel, contou que a “justiça” dos obrageros era executada por grupos denominados “comissiones”:

“Algumas empresas, senão praticamente todas, submetem os operários Guaranis a um regime de servidão: aqueles que conseguem fugir terão em seu encalço as comissiones, grupos aguerridos montados em cavalos de raça, que perseguem os escravos fugitivos em cruéis caçadas pela mata”.

Em 1889, a Justiça passou a ser oficialmente administrada na região pela Colônia Militar do Iguaçu, mas o controle das obrages prosseguiu até 1905, quando o Estado do Paraná decidiu medir as terras das obrages e impor sua autoridade na região. 

Com a proibição pelos obrageros de formar vilas e povoados, o que mais se parecia com comunidades urbanas eram aldeias indígenas, sem igrejas ou instalações de órgãos públicos. 

Casamentos só no Paraguai 

A transição do poder colonial militar para o estadual se completou em 15 de junho de 1917, com a instalação da Comarca de Foz do Iguaçu e a posse do juiz Manoel Barbalho Cavalcanti Junior. 

Importante assinalar que o local era conhecido pelas autoridades apenas como “Alto Paraná”. Só a partir de 1918 começa a se impor o nome “Foz do Iguaçu”. Os casamentos e batizados dos oestinos da fronteira eram celebrados no Paraguai. O primeiro padre que se fixou na região veio em 1918.

As Comarcas de Cascavel e Toledo nasceram juntas, em um processo competitivo que terminou em cooperação, por manobra do prefeito José Neves Formighieri, de Cascavel, contando com a boa vontade do desembargador José Munhoz de Mello. 

A história, longa e significativa do que era a atividade política na época, é toda contada em “Cascavel, a Justiça” (https://x.gd/vNt04).  

Por fim, em 5 de maio de 1954 o juiz Inácio Pinto de Macedo foi designado pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Munhoz de Mello, para dirigir a Comarca de Cascavel a partir da instalação da Comarca.

Mello, em 31 de maio de 1954, determinou por meio de portaria a data de 9 de julho de 1954 para, às 14h, realizar-se o ato solene de instalação da Comarca de Segunda Entrância de Cascavel.

Era o ponto culminante da intensa atividade de bastidores exposta em “Como conquistar duas comarcas” (https://x.gd/9sGHi). 

Recusando churrasco 

Na data marcada, em Toledo, o juiz Cid Cordeiro Cimas assumiu o comando da Comarca sem um só incidente. Mas em Cascavel tudo foi diferente. Com a solenidade de instalação do Fórum prevista para 14h, o juiz Inácio Pinto de Macedo desembarcou do avião DC-3, da Real Aerovias, às 9h da manhã, quando um almoço de boas-vindas estava em preparo.

Recebido com as honras devidas pelas autoridades municipais, a cidade ensaiava uma festa, com o tradicional churrasco das grandes ocasiões. 

O primeiro juiz cascavelense fez um giro rápido pela pequena cidade, fez algumas perguntas, viu os revólveres nas cintas das pessoas nas ruas e sem hesitar ordenou o transporte de sua mala de volta para avião, cujo retorno a Curitiba estava previsto para as 14h daquele mesmo dia e horário determinado para sua posse.

Alegando que o clima era “muito pesado”, Macedo embarcou e “fugiu”, perdendo a festa e o churrasco. De volta, Macedo requereu sua remoção para a Comarca de Cerro Azul. 

Para seu lugar, o Tribunal de Justiça enviou o juiz Aurélio Feijó, mas antes dele o corajoso advogado baiano Epiphânio Figueiredo foi enviado como juiz substituto. Feijó ficou um mês na função e também foi embora. Figueiredo ficou, mas como advogado.

O bandido-vampiro

Os temores do juiz Macedo logo se confirmaram. Um dos primeiros jagunços submetidos a julgamento ameaçou resolutamente de morte o juiz Aurélio Feijó, sem poupar o promotor, o próprio advogado e jurados. “Pesado” era, na época, uma definição adequada para a situação. 

“Havia muito crime. A tônica aqui era o crime, de todas as ordens, muito homicídio, todo mundo andava armado. (...) O pior era o jaguncismo oficializado. Eram as instituições oficiais com jagunços lá dentro” (Epiphânio Alves de Figueiredo, o juiz substituto que veio pouco antes de Feijó).

Num dos mais frequentados pontos de encontro, um agricultor ameaçou o inimigo de morte, “serviço” que seria completado bebendo o sangue do morto. A ameaça foi cumprida à risca, em público, e confirmada tranquilamente pelo criminoso no curso do julgamento. 

Também por essa época, um jagunço encontrou o desafeto dentro da Igreja de Santo Antônio e o convidou a “morrer lá fora para o barulho não incomodar os santos”. Aos poucos, entretanto, o Poder Judiciário se afirmou e tirou os jagunços de dentro dos palácios, onde conviviam com os governantes do Estado. 

De empregados de qualidade das colonizadoras eles passaram a ser alvos da vigilância policial e das condenações judiciais. 

Culpa dos grileiros

Mesmo sendo alvo das balas criminosas dos jagunços e da perseguição dos interesses contrariados, escapando de atentados contra sua vida e da família, o advogado Ezuel Portes não quis que eles fossem apresentados como demônios impiedosos. 

Atribuía a transformação de sertanejos em criminosos à situação conflituosa reinante na ocupação das terras do interior paranaense. Os grileiros profissionais, afirmou, para conseguirem apoderar-se de vastas áreas contratavam elementos que se diziam pistoleiros.

“Estes, na realidade, não passavam de pessoas humildes, chefes de família, que, na falta de outro emprego, aceitavam a incumbência de portar uma arma ostensivamente e passar por perigosos pistoleiros. Na realidade, alguns, muito poucos, eram sanguinários e cruéis, matando quase sempre à traição” (Ezuel Portes, depoimento em Pequena História de Cascavel e do Oeste https://x.gd/oQE9c).

Ezuel sobreviveu aos jagunços, mas foi deletado por eles e preso após o golpe de Estado de 1964, preso em 7 de abril desse ano. Votou à liberdade por ordem de Valfrido Piloto, advogado, escritor e ex-delegado de polícia, que tinha muita influência na época. 

100 anos da revolução: Partida rumo ao Oeste 

Por decisão do comando evolucionário, a retirada de São Paulo se deu no fim de julho de 1924 pelo eixo ferroviário São Paulo-Campinas-Bauru.

“São treze composições ferroviárias, com quatorze a dezesseis vagões, cada uma delas conduzindo homens e material bélico. Toda a tropa, seis baterias de artilharia com seus acessórios e munição, duzentos cavalos, metralhadoras pesadas, equipamento de infantaria e cavalaria, viaturas, tudo foi embarcado com incrível rapidez, sem dar chance ao inimigo de perceber o que estava acontecendo. Os trens correram com um sincronismo tal que não houve embaraço nas linhas, ao longo de vinte e quatro horas” (Sérgio Rubens de Araújo Torres, https://x.gd/HRU27).

A retirada dos soldados rebeldes foi anunciada pelo governo como a derrota final do movimento revolucionário. Apitos nas fábricas e repiques de sinos animaram a devastada capital paulista com a notícia de que a revolução acabou.  

Ninguém imaginava que em alguns dias os rebeldes estariam tomando conta do Oeste do Paraná.   

Pelo país, as notícias sobre a movimentação das forças rebeldes rumo ao interior foram recebidas em vários lugares com manifestações de apoio, atendendo ao propósito do general Isidoro de que a revolução continuava e seguia para seus próximos passos.

A progressão dos rebeldes pelo interior dava às forças militares já contatadas e de outras regiões que aguardavam notícias o ânimo necessário para promover manifestações de apoio mesmo sem contato direto de subordinação ao general Isidoro.

Locomotiva derrubada por uma bomba. Revolucionários se retiraram em espetacular operação ferroviária

 

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