Com inúmeras histórias de sucesso, os fracassos do Paraná acabam escondidos, figurando só discretamente na historiografia. É o caso do projeto de criar uma cidade planejada – uma Brasília no coração do Paraná antes da Brasília no coração do Brasil.
A Cidade Munhoz da Rocha, 70 anos depois de um início repleto de expectativas, ainda permanece como interrogação: por que acabou, se foi idealizada por grandes talentos, com um histórico de sucessos?
Iniciado em 12 de junho de 1954, o Projeto de Urbanização Munhoz da Rocha deveria se tornar um modelo completo não só de urbanização como de economia rural. Foi idealizado pela Fundação Paranaense de Colonização para ser a principal joia da instituição, desde 1947 encarregada de intensificar a ocupação das terras devolutas depois do fracasso do Território Federal do Iguaçu.
A Cidade Munhoz da Rocha seria levantada em uma área de 6.080,3 hectares localizada cerca de 35 km a Nordeste de Cascavel, de cujo Município fazia parte.
Presidida por Djalma Rocha Al-Chueyr (https://x.gd/viOnd), a Fundação apresentou o projeto ao governador Bento Munhoz da Rocha em pintura a guache, traçando “toda parte construída da cidade que trazia seu nome, e que haveria de se tornar a capital do Oeste da mesma forma que Londrina desfrutava do prestígio de capital do Norte do Estado” (Rubens Nascimento, Histórias Venenosas):
– Três belas casas-modelos, um hotel com 2.500 m² e outras instalações de serviço já são atendidas por uma usina termoelétrica instalada inicialmente com mil KVA, com 30 transformadores instalados nos postes de iluminação das ruas. Era realmente um projeto ambicioso, corajoso e inédito, e tudo corria bem, naturalmente que com grande investimento.
Cooperativas do Rio Grande do Sul manifestaram interesse em adquirir diversas áreas, uma vez que havia lotes urbanos e chácaras para imediata ocupação, em um arranjo que o governador Jaime Lerner futuramente chamaria de “rurbano”.
A Brasília do Paraná teria tudo para se tornar um símbolo do jeito Bento Munhoz de governar e destacar nacionalmente o nome do governador. A tarefa de coordenar as ações iniciais do projeto coube ao arquiteto fluminense Gustavo Gama Monteiro (1925–1995), precedido por experiências de grande sucesso.
Formado pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (RJ) em 1949, Monteiro se especializou em urbanismo no Uruguai e atraiu as atenções do Paraná depois de criar o Plano Diretor de Teresina (PI).
Abordado por Djalma Al-Chueyr no Clube dos Marimbas, na praia de Copacabana (RJ), Monteiro ouviu a pergunta que deu início à aventura: “Gama, você não gostaria de fazer uma cidade em plena mata virgem?”
“Aquilo me empolgou”, contou o arquiteto em palestra feita no Instituto de Arquitetos do Brasil, em 1998:
– Djalma disse: “eu dirijo uma fundação da companhia de colonização do Paraná e temos 200 mil alqueires de áreas devolutas, temos que fazer um plano de colonização com fazendas de 80 alqueires, mas que precisa ter uma sede”.
Londrina foi sede de uma companhia de colonização e Maringá também teve esse papel. “A ideia de se fazer uma cidade em plena mata virgem era uma coisa nova e estupenda”, disse Monteiro. “Brasília ainda não havia sido feita”.
Monteiro sabia que não era possível levar o projeto adiante de seu escritório no Rio de Janeiro e tinha receio de se enfiar na mata paranaense. O prefeito de Curitiba, Erasto Gaertner, trouxe a solução:
– O prefeito disse: “Você é um arquiteto novo, com ideias novas, falando em aerofotogrametria, eu gostaria que você ficasse no meu governo e eu lhe convido para ser assistente do gabinete do prefeito. E vou te dar um trabalho de paisagismo: você vai fazer a Praça Rui Barbosa”.
Além das atividades na Prefeitura, Gama Monteiro abriu a década de 1950 envolvido com o trabalho de fotogrametria entre Guaraniaçu e Cascavel, com a intenção de encontrar o local adequado para iniciar a cidade prevista.
Em 1952, já tendo em mãos um levantamento da área na escala de 1:20.000 com o apoio aerofotogramétrico, ele se considerou em condições de aceitar o desafio de Djalma Rocha Al-Chueyr para fazer a futura cidade planejada e foi morar em Cascavel com a família.
Logo ele percebeu que já poderia orientar o serviço de campo diretamente do escritório em Curitiba, mas seria impossível não criar laços com a comunidade local e assim permaneceu, entres idas e vindas, até deixar sua marca na Avenida Brasil e na Catedral.
A Cidade Governador Munhoz da Rocha foi planejada para 100 mil habitantes – vinte vezes mais que a população de Cascavel na época.
As obras começaram rapidamente, com a previsão de gastos ao redor de 53 milhões de cruzeiros para a infraestrutura: abrir ruas e avenidas, construir galerias águas pluviais e locar 20 mil lotes, além de construir a rede elétrica e um campo de aviação.
Na prática, a Cidade Munhoz da Rocha iria esvaziar a pequena Cascavel desviando o eixo da BR-277 para lá. Sendo uma novidade, a cidade planejada paranaense ganhou as atenções de todo o país por exaltar o casamento do sistema urbano inovador que com a produção rural ao redor.
O empreendimento foi anunciado nos grandes centros com palestras e slides, com apoteóticas apresentações no Instituto de Arquitetos de São Paulo e Campinas, encantando os espectadores com inovações urbanísticas avançadas.
Com a publicidade positiva em torno do projeto, cooperativas gaúchas demonstraram interesse em comprar lotes urbanos e chácaras para imediata ocupação. Tudo parecia ir muito bem, mas a política atrapalhou. A começar pelo nome da cidade, homenagem à família Munhoz da Rocha.
Bento deixou de ser o governador em 3 de abril de 1955, embarcando em um projeto federal que poderia levá-lo à Presidência da República após a posse à frente do Ministério da Agricultura no governo Café Filho, que durou pouco.
Uma cidade-modelo simbolizando o futuro, a tecnologia e o planejamento com seu nome convinham para o interesse político, mas as futricas da política nacional atropelaram Bento e fizeram saltar à vista dois graves erros cometidos por sua equipe.
Um erro, político, foi supor que depois de Bento sair do governo seu sucessor daria sequência a uma visível peça de sua propaganda política para se cacifar à Presidência da República ou ao cargo de primeiro-ministro caso o parlamentarismo fosse adotado de vez pela República brasileira.
Novamente eleito em 3 de outubro de 1954, o mais formidável adversário de Bento – Moysés Lupion – não tinha a menor vontade de dar sequência aos projetos de Munhoz. A Cidade Munhoz da Rocha não teria mais verbas, até porque Lupion tinha mais interesse em Cascavel.
O erro crucial da Cidade Munhoz da Rocha foi não vender antecipadamente lotes e chácaras aproveitando a propaganda positiva das inovações que a cidade-modelo trazia. Os tecnocratas pensaram só na obra, pretendendo iniciar a comercialização depois de completar a infraestrutura.
Com isso, o sonho se desfez com a mudança de governo, em abril de 1955.
Com tudo abandonado, o prefeito de Cascavel, José Neves Formighieri, reuniu sua equipe e trouxe de lá tudo que pôde, desde postes de energia até equipamentos largados a esmo no local. Formighieri foi acusado de roubar uma usina elétrica inteira, com postes, fiação e transformadores.
Se foi “roubo”, Cascavel inteira era conivente, como testemunhou Dercio Galafassi: “Na gestão do prefeito Formighieri foi instalado o primeiro gerador de energia elétrica de Cascavel, tocado a diesel. Localizava-se num barranco em frente à casa de Helberto Edwino Schwarz”.
O gerador a vapor (locomóvel) era também cobiçado pela Prefeitura de Campo Mourão, mas a pedido do prefeito Formighieri foi direcionado a Cascavel pelo senador Souza Naves, contou Galafassi.
Com o fracasso do projeto, as ruínas da Cidade Munhoz continuaram a fazer parte do Município de Cascavel até a emancipação de Corbélia, em 1961, e desde 1982 integra o Município de Braganey. Ironicamente, Braganey significa Ney Braga, cunhado e desafeto de Bento Munhoz.
Duas das primeiras consequências do movimento revolucionário de 1924 no Paraná foram o colapso no transporte ferroviário e uma alta excessiva nos preços dos alimentos. A agricultura sofreu prejuízos porque os trabalhadores da terra fugiam das áreas diretamente envolvidas em ações militares.
O desafio de enfrentar os rebeldes passou em 25 de agosto às mãos de um experimentado militar, que conhecia bem o sertão brasileiro: o general Cândido Rondon assumia o comando das forças legais, à frente de um formidável contingente de 12 mil homens.
Naquele mesmo dia começou a descida dos rebeldes em direção a Guaíra (PR). Em 5 de setembro, transcorridos dois meses desde o início da revolução, a vanguarda revolucionária já controlava a região.
Dividida em duas partes, a primeira seguia pelo Rio Paraná. A segunda, formada pela cavalaria, seguiu a Estrada Boiadeira, no sentido de Campo Mourão, até alcançar o Rio Ivaí, dobrando à direita para o Porto Camargo, que não era utilizado e onde vivia uma comunidade de índios Caiuás.
Logo um batalhão seguiria até a região da futura cidade de Cascavel, via Lopeí. Cascavel, na época, era o rio e o antigo pouso ervateiro desde 1922 ocupado pelas famílias Elias/Schiels. A cidade só começou a se formar em 1930.
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