Há quatro histórias para a Estrada (ou Caminho) do Colono. No passado remoto, foi uma trilha indígena (seria um ramal do lendário Peabiru).
Durante o Império, serviu aos ervateiros. Na revolução de 1924/5, rota de tropas. Trinta anos depois, estrada estadual.
Os três primeiros não encontraram oposição, com a região desabitada e sem controle governamental. O último, entretanto, facilitou a vinda dos colonos que se deslocavam do Sul para a região, passando a ter uso precário e clandestino pela ameaça que representava ao Parque Nacional do Iguaçu (PNI), utilizado para contrabando e caça ilegal.
Em 1954, quando foi determinada a transformação da picada de 18 quilômetros no meio da mata em estrada, ligando as atuais cidades de Capanema, no Sudoeste, e Serranópolis do Iguaçu, no Oeste, surgia a Rodovia 25, futuramente renomeada como PRT-163 e parte da BR-163.
As obras oficializaram a estrada. A eventual resistência a ela foi mitigada por um argumento razoável: a porção argentina do bioma é cortada por estradas históricas anteriores a 1934, quando o governo platino criou o Parque Iguazú.
De fato, a Ruta 12, que liga Eldorado a Puerto Iguazú, corta o parque argentino e isso não o impediu de ser oficializado como Patrimônio Mundial pela Unesco em 1978.
Projetado ainda antes do Iguazú argentino, o PNI começa em 1916 quando o inventor do avião, Alberto Santos-Dumont, visitou a região e se irritou ao saber que a área das Cataratas do Iguaçu pertencia a um argentino.
Com o propósito de ir a Curitiba para denunciar o fato e se avistar com o governador do Estado, Affonso Alves de Camargo, Dumont partiu de Foz do Iguaçu a cavalo pela Estrada Velha de Guarapuava, trecho que voltou a ter protagonismo em 2019 como alternativa à Estrada do Colono.
A Estrada Velha margeava o Rio Iguaçu até seguir os postes telegráficos em direção a Catanduvas, dali partindo a Laranjeiras do Sul e Guarapuava.
Em resposta à queixa de Dumont, em 28 de julho de 1916 o governador baixou decreto declarando a área de utilidade pública para nela estabelecer “uma povoação e um Parque”.
Quando o PNI foi oficializado como federal, em 1939, o trecho que seria o Caminho do Colono era uma trilha sem uso tomada pelo mato.
Reaberta apenas em 1954, por ali passaram efetivamente diversas caravanas de colonos, mas já ferindo a integridade do Parque Nacional.
Atravessando uma década sem resistência, em 1968, já em plena ditadura, foi projetada a abertura da estrada como interestadual, entre Sarandi (RS) e Medianeira (PR). Mas nesse final de década já começava a resistência à ditadura e ao desmatamento.
O Plano de Integração Nacional previa a ligação da BR-163 de Cuiabá a Santarém (PA), incluindo os trechos de Rondonópolis a Dourados (então MT); e Guaíra a Porto Mendes, de onde o prefeito de Medianeira, José Della Pasqua (1966–1970), iniciou um movimento para que também passasse por Medianeira aproveitando a Estrada do Colono.
Ainda em 1968, Medianeira sediou o 1° Encontro Interestadual Pró-Estrada do Colono. O prefeito Della Pasqua esperava resposta positiva, mas já havia o problema do corte no Parque Nacional.
Em 1969 ele pediu ao Ministério dos Transportes a inclusão do trecho nas prioridades, mas terminou o mandato de prefeito em 1970 e ninguém mais teve o mesmo empenho em defesa do projeto até 1976, quando o assunto voltou à pauta.
O prefeito de Medianeira era nomeado pelo regime e não eleito pela população por ser “área de segurança nacional”. Com isso, o chamado “donatário” do Município, Luiz Bonatto, aproveitou a visita do general Ernesto Geisel à região para pedir a inclusão da BR-163 no Plano Prioritário Nacional de Estradas de Rodagem.
A articulação foi bem-feita. Ofício assinado por prefeitos dos três estados do Sul foi entregue a Geisel requerendo urgência para o trecho Medianeira-Barracão-São Miguel do Oeste.
Mas o general não gostava de pressões. Também avesso a elas, o próximo presidente, general João Figueiredo, ignorou que a Associação das Câmaras de Vereadores da Faixa de Fronteira promoveu em 30 de junho de 1979 encontro reclamando ao governo federal a “implantação definitiva” do conjunto que incluía a Estrada do Colono e ao estadual a pavimentação do trecho entre Barracão, Santo Antônio do Sudoeste e Pranchita.
O problema não era o governo estadual, que também aguardava definições, mas com o silêncio federal as pressões confluíram para o governador Ney Braga. Ele decidiu asfaltar de imediato o trecho entre Capanema e Medianeira, mas em 1981 começaram as pressões em contrário, com a entrada em cena de um ator de peso: a Política Nacional do Meio Ambiente, de grande amplitude e alcance, leva à elaboração do Plano de Manejo do PNI, aplicando o mais forte golpe sofrido até essa hora pelo projeto.
Até o Plano de Manejo sugerir que “do ponto de vista técnico, essa Estrada deve ser fechada e passar para uso exclusivo do Parque (manutenção, proteção, fiscalização e pesquisa)”, o asfaltamento do trecho só contava com pressões favoráveis.
O jogo virava: as pressões sobre os governos da União e do Paraná partiam de dois lados poderosos. A polêmica estava instalada enquanto a ditadura caía sozinha, por conta dos fracassos econômico e eleitoral, com a Década Perdida e fortes derrotas nas eleições de 1974, 1978 e 1982.
Como são tempos de retorno à democracia, a tática dos adeptos da estrada a partir de 1983 deixou de ser mandar ofícios não respondidos. A opção era movimentar a opinião pública.
Em 1986, pela imprensa e nas ruas, a mobilização na região era ampla em favor da estrada, embora nacionalmente não houvesse mais clima para a obra. Sendo ano eleitoral, o Estado do Paraná atendeu ao clamor popular e iniciou o asfaltamento da Estrada do Colono.
É quando entra em cena a mais poderosa inimiga do projeto: a Unesco, ao conceder ao Parque Nacional do Iguaçu o título de Patrimônio Mundial da Humanidade. Em 3 de setembro, o Ministério Público Federal entrava com Ação Civil Pública pedindo a interdição imediata da estrada com base no Plano de Manejo do Parque, de 1981.
No dia seguinte, o Juízo da 1ª Vara da Justiça Federal decide pelo fechamento da BR-163 no trecho que corta o Parque Nacional do Iguaçu, ordem cumprida em 12 de setembro pela Polícia Federal, com o auxílio das Polícias Rodoviária Federal e Ambiental.
A favor da estrada proibida entra então em cena a desobediência civil. Argumentando haver o direito popular à utilização, a tese ganhou adeptos e motivou manifestações, acampamentos, mobilizações e passeatas.
Em 8 de maio de 1997, mais de mil pessoas reabriam a estrada à moda colonial, a golpes de foice e facão: “O povo unido jamais será vencido”.
Pareceu que sim, pois no fim desse mês o juiz Paim Falcão, presidente da 4ª Região do Tribunal Regional Federal, concedeu liminar favorável à reabertura.
Poderia ser a vitória final do movimento popular, mas em 1999 o Parque Nacional do Iguaçu foi incluído na lista de sítios ameaçados pelo Comitê de Patrimônio da Humanidade da Unesco, pondo em risco o título de Patrimônio Mundial da Humanidade. Perdê-lo prejudicaria o turismo e a imagem do Brasil no exterior.
O STF até autorizou o uso da estrada até o dia 14 de novembro de 2000, data de um novo julgamento sobre o caso, mas dez dias depois liminar da juíza Marga Inge Barth Tessler, da 4ª Região do Tribunal Regional Federal, determinava o novo fechamento da Estrada do Colono.
Venceu a tese de que o PNI, sendo unidade de conservação nacional, não podia sofrer nenhum tipo de uso, exploração ou intervenção humana.
Em 13 de junho de 2001, cerca de 300 agentes da Polícia Federal e soldados do Exército, apoiados por fiscais do Ibama, desencadearam uma operação de guerra para fechar efetivamente a estrada reaberta.
Adeptos de Lula, em 2003, e de Bolsonaro, em 2019, chegaram a acreditar que seus ídolos mudariam essa história, mas esbarraram nas “quatro linhas da Constituição”. Tomada pela mata, a Estrada do Colono, como depois o assalto aos três poderes em 8 de janeiro de 2023, ensinou que a democracia não é a manipulação populista da opinião pública, mas o império da lei.
No dia 19 de setembro os rebeldes ocuparam o Porto Britânia, de onde parte da vanguarda revolucionária – o Batalhão Nélson de Melo – seguiu rumo ao Leste com ordens para não avançar além de Catanduvas, porque a maioria dos soldados rebeldes ainda não estava em solo paranaense.
“Tirando o contingente que rumou para Catanduvas e uma pequena patrulha que seguiu para Foz do Iguaçu, o grosso da vanguarda revolucionária permaneceu acantonada em Porto Mendes, à espera do restante da Coluna” (José Augusto Colodel, Obrages & Companhias Colonizadoras.)
O batalhão Nélson de Melo se instalou no Depósito Central da Companhia Barthe. Vila formada por mensus paraguaios, era a coisa mais parecida com cidade existente onde atualmente se localizam Santa Tereza do Oeste e Cascavel. O QG rebelde, hoje, certamente ficaria em Cascavel.
Distribuindo-se pela região, em Guaíra permaneceu a Brigada Padilha e entre Porto Mendes, Porto São Francisco e Santa Helena, a Brigada Miguel Costa. O comando seria instalado em Foz do Iguaçu após tomar a cidade.
Em seguida, o objetivo seria ocupar Guarapuava e Ponta Grossa, para, por via férrea, estabelecer ligação com os revolucionários gaúchos.