Confiar ao jovem topógrafo catarinense Vilder Bordin, de 20 anos, as vidas de 200 homens e a missão de construir uma cidade em plena mata fechada, em uma região desconhecida e de difícil acesso, na qual se dizia haver os posseiros mais agressivos do país, foi um ato quase irresponsável dos proprietários da colonizadora Sinop (Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná).
O ciclo de aventuras da Sinop começou em 1948, quando a empresa foi criada por Ênio Pipino (1917–1995) e João Pedro Moreira de Carvalho (1910–1995), em Presidente Venceslau (SP).
O paulista Pipino, filho de agricultores italianos dedicados à cultura do café, foi telegrafista da Estrada de Ferro Sorocabana e com o pai montou um curtume, iniciando uma carreira política que o levou à presidência da Câmara Municipal e à Prefeitura de Presidente Venceslau antes de iniciar atividades como colonizador.
Também paulista, Moreira de Carvalho, por sua vez, ao se mudar para Maringá (PR), estendeu as atividades da Sinop para não só vender terras como também estimular projetos agropecuários e a formação de cidades.
Enquanto Vilder Bordin (1933–2016) ainda trabalhava na tarefa de abrir uma clareira compactada para servir de pista de pouso para aviões de pequeno porte que trariam os compradores de terra à futura cidade de Ubiratã, os donos da Sinop cometeram um ato ainda mais temerário que mandar o jovem topógrafo arriscar a vida: arriscaram as próprias vidas.
Bordin, que jamais temeu os desafios da mata, posseiros irritados interrompendo os serviços topográficos na mata e jagunços de gatilho fácil, confessou que naquele dia suou frio.
Com as primeiras casas construídas e o escritório da Sinop aberto para atender aos clientes que viriam por avião, restava ainda concluir a pista de pouso quando um ronco crescente se aproximou e logo todos notaram que era um pequeno avião.
No teco-teco se via a assinatura do piloto: Zé da Pua. Pua é uma broca afiada para cortar material duro. A palavra se tornou conhecida quando os pilotos brasileiros na II Guerra Mundial, dentre eles Francisco de Assis Correa de Mello, o Mello Maluco (https://x.gd/Wgzae), participaram do serviço de patrulhamento do Atlântico Sul. O lema dos pilotos passou a ser: “Senta a pua!”, entoado a cada decolagem.
Assustado com a repentina presença aérea, Bordin avisou pelo rádio que o pouso seria muito arriscado.
“Como a pista ainda não estava pronta, se o avião pousasse naquela clareira insegura, repleta de valas nas quais os troncos retirados estavam enterrados, as rodas da aeronave poderiam afundar e decolar seria impossível. Mas a bordo estavam o ousado piloto Zé da Pua e os não menos ousados colonizadores Ênio Pipino e João Pedro Moreira de Carvalho” (Ubiratã História e Memória, https://x.gd/6GOd0).
Bordin insistiu: “É bom avisar que o campo de pouso não está pronto. A terra não está compactada e se o avião ficar num buraco, depois não sai!” Zé da Pua começou a voar cada vez mais baixo, até fazer alguns rasantes para observar o terreno com o máximo de proximidade para avaliar as condições de pouso.
A preocupação de Bordin só aumentava: “Não desce, porque depois você não sai!” Mas Zé da Pua teimou, dirigiu o teco-teco para a pista improvisada e pousou. Do avião saltaram o piloto, Pipino e Carvalho, cheios de histórias sobre negócios de terra e suas incursões também no Mato Grosso, assuntos que levaram para detalhar no escritório local da Sinop.
Finda a palestra, era a hora de retornar. Bordin não perdoou a imprudência: “Agora quero ver vocês irem embora!”
Zé da Pua acionou o avião e logo nos primeiros movimentos as rodas afundaram no solo. O piloto não se deu por achado e pediu que cinco homens de cada lado segurassem firmemente o avião até que ele apontasse o nariz para o alto, quando ele tentaria uma decolagem forçada.
Pipino e Carvalho sentiram o peso da situação e saltaram do avião, enquanto os dez homens aprumavam o teco-teco. Num arranque, o avião partiu para o céu, mas sem Pipino e Carvalho.
Eles já estavam tranquilamente aboletados num lento, mas seguro jipão que os conduziria de volta ao escritório central, em Maringá.
O topógrafo Vilder Bordin, catarinense de Joaçaba (SC), desde agosto de 1954 uma das grandes figuras históricas da aventura colonizadora noroestina, além de iniciar Ubiratã deu forma à cidade e a acompanhou durante toda a vida.
Iporã, localidade já formada pela Sinop, era o último lugar urbanizado antes de enfrentar a mata desconhecida. De lá, Bordin e equipe de engenharia e topografia, formada por Ulrich Grabert, Vicente Alexandrino e Samoel Holand, partiram para o trabalho de campo.
Depois dos primeiros serviços de topografia, Vilder Bordin se juntou à equipe de vendas da Sinop e transportava no jipe da empresa colonos em busca de férteis terras vermelhas para comprar. Era o único veículo a transitar pelas estradas da região.
Ao levar um grupo de clientes que o fizeram de guia turístico, sem interesse nas terras, o jovem Bordin os assustou dizendo que cobras andavam sobre as árvores e se camuflavam parecendo cipó.
“Fecharam as cortinas do jipe, horrorizados. Uns dois dias antes eu havia prendido uma caninana de mais ou menos um metro e meio de comprimento, e colocara na caixa de ferramentas do jipe, sob o banco do passageiro”, contou Bordin.
“A minha intenção era mandar o réptil para o Instituto Butantan, mas diante das circunstâncias, me ocorreu dar um chega-pra-lá nos sujeitos. Um dispositivo que ao lado do meu banco, acionado, fez a tampa da caixa abrir-se”.
A cobra canina é inofensiva, mas ao se libertar deslizou suavemente entre as pernas dos passageiros, provocando o pânico: – Olha a cobra! Olha a cobra!
Os turistas ameaçaram pular do jipe, ainda em movimento, abrindo as portas, rasgando as cortinas, forçando a parada brusca, mas logo sossegaram e o jipe sofreu poucos danos.
O pior viria depois, quando choveu em meio a um grande vendaval e uma árvore caiu sobre a pista.
Consciente, Bordin contornou a árvore caída lentamente, mas na volta, confiante, acelerou ao se aproximar da árvore para se exibir perante os ricos clientes e se jactar de ter bom braço no volante.
Irritados, eles se queixaram a Ênio Pipino e com isso Vilder foi proibido de dirigir para a empresa. Logo houve uma emergência: era preciso transportar uma caravana até a Comunidade São Francisco, pela estrada velha de Juranda.
Já havia também um caminhão Chevrolet circulando, mas Vilder não sabia. Achava que ainda era o rei da estrada. Então com seis passageiros, bateu no Chevrolet e inutilizou a viatura da Sinop. Fraturas nos homens e jipe no ferro-velho.
A Sinop comprou um jipe novo e como um raio em teoria não cai duas vezes no mesmo lugar, Pipino autorizou Vilder a levar o carro a Maringá.
O raio caiu: Vilder conseguiu bater em uma carroça e o jipe novo chegou pela metade aos olhos pasmos do colonizador. Vilder nunca mais voltaria a pegar no volante, reconhecendo ser o pior motorista do Oeste.
Foram intensas atividades, entre episódios dramáticos e muitas brincadeiras, até 19 de fevereiro de 1956, quando foi lançada a pedra fundamental da Vila Ubiratã.
Se é admirável a coragem da equipe comandada por Bordin, faltam palavras para descrever o papel de Evanildes, a jovem esposa de Vilder, que o acompanhou nessa aventura até a morte dele, em 2016.
Vilder Bordin, embora tenha falecido aos 83 anos, ficou historicamente lembrado como o “jovem Bordin” porque sua participação ativa e marcante na formação oestina começou muito cedo.
A qualificação vai distingui-lo de outra grande lenda oestina, Antônio Bordin, o “velho Bordin”, cuja participação destacada nas atividades regionais teve início quando já estava com 40 anos e será contada em breve.
As histórias divertidas em torno das atividades da Sinop cessaram quando Ênio Pipino foi chamado a Bebedouro (SP) em 16 de junho de 1995 para o sepultamento do amigo e sócio João Pedro Moreira de Carvalho. Pipino morreu nesse mesmo dia, fazendo dessa data o elo final das duas existências.
Enquanto Juarez Távora ocupava Foz do Iguaçu, revolucionários a caminho de Catanduvas tomavam de assalto no início de outubro de 1924 o estabelecimento comercial de Theodorico Rodrigues da Cunha.
Durante os dias mais agitados das hostilidades, Cunha e outros pioneiros ocultaram-se inicialmente na Fazenda Cajati, na época ainda apenas mata virgem.
“[Theodorico] era um comerciante forte em Catanduvas. Quando os revolucionários chegaram na região eles saíram atrás daquelas pessoas que tinham bens e dinheiro para saqueá-los, e esse meu tio, ao saber da iminente vinda das tropas da revolução – resolveu fugir” (Amadeu Pompeu, depoimento em Cascavel, A História, de Alceu A. Sperança).
“Desceu o Rio Adelaide a pé, por dentro do leito, até chegar ao Iguaçu, e depois foi se esconder na região de Palmas, onde tinha parentes. Os revolucionários avançaram na casa de comércio dele e destruíram tudo. Meu pai [Manoel Ludgero Pompeu] contava que os revoltosos pegavam peças de tecido para fazer cordas, a fim de amarrar seus animais”.
João Francisco recebeu em Guaíra no dia 6 de outubro o tenente Siqueira Campos, herói do Forte Copacabana exilado na Argentina, os majores maragatos Alfredo Canabarro e Anacleto Firpo, representando os generais Honório Lemes, Zeca Neto e o dr. Assis Brasil. Logo, aguerridas forças gaúchas estariam marchando rumo ao Oeste paranaense.
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