Muitas histórias começam e terminam com um revólver. No caso de Antônio Bordin, lembrado como o “Velho Bordin” para distingui-lo de outra personalidade dos tempos da colonização – Vilder Bordin –, várias páginas admiráveis da formação do Oeste começaram com o revólver que ele penhorou para custear sua vinda definitiva à região.
No início de 1952, em Curitiba, Bordin estava decidido a iniciar a missão mais importante de sua vida de 40 anos: superar o fracasso recente de tentar abrir uma estação rodoviária em Foz do Iguaçu, dois anos antes.
Foi derrubado pela dura realidade: ninguém iria comprar passagens para viajar em ônibus encalhados na estrada sempre inviável. Além disso, as pessoas viajavam levando mercadorias, animais e mudanças, necessidade preenchidas por boas carroças montadas por hábeis ferreiros poloneses, as versões da época do “carro do ano”.
Bordin percebeu que o Oeste ainda precisava ser feito e isso requeria trabalho, estrutura e muita política. Agora queria voltar à fronteira e precisava de dinheiro para as despesas da longa viagem.
Passou a mão no revólver e partiu resoluto para um encontro com o colonizador Alberto Dalcanale, a quem propôs deixar a arma penhorada em troca de recursos para viajar.
Ao chegar à fronteira em 11 de fevereiro, Bordin foi mandado a trabalhar na mata desconhecida, ao redor dos portos São José e São Pedro do Rio Paraná.
Como a família Dalcanale também desenvolvia projetos coloniais nessa área, Bordin decidiu se pôr a serviço deles em troca das terras que desejava.
De nova reunião com Alberto Dalcanale ele saiu com um caminhão Ford 51 e a missão de abrir um picadão ligando uma serraria à barra do Rio São Camilo com o Piquiri.
Pelo serviço ele receberia 500 alqueires de férteis terras ao Sul do Rio Piquiri, negociadas com o colonizador Alfredo Paschoal Ruaro, um dos pioneiros de Toledo e da Rota Oeste, que administrava a antiga Fazenda Britânia (https://x.gd/1IRo9).
Assim começava a história de Palotina, entremeada ainda com as histórias de Guaíra e Céu Azul, além de Foz do Iguaçu, da qual Bordin não desistiu depois do fracasso inicial de tentar sem sucesso criar uma estação rodoviária,
Após a frustração de 1950, Antônio Bordin, gaúcho de Casca, já com 38 anos em uma região na qual poucos chegavam aos 50, passou a limpo sua história, iniciada na lavoura dos pais David e Eugênia Bordin.
Aos 19 anos, partiu para servir ao Exército Nacional em Uruguaiana (RS). Era uma época de revoluções e foi promovido a cabo, mas em 1932, com 20 anos, saiu para se casar com Pierina Sabadin, que conheceu em Casca e com quem teria os filhos Hélio, Sady, Luciano, Félix, Davina, Adolar e Lívio.
Duas décadas depois, já com 40 anos e a amargura do fracasso inicial, ele voltava ao Oeste do Paraná, agora nas funções de inspetor de vendas da colonizadora Pinho e Terra Ltda, que em 1952 iniciava a formação de Céu Azul.
No ano seguinte, nas terras que recebeu com o trabalho, Bordin plantou as sementes de Palotina, região na época pertencente ao Município de Guaíra.
Resolvendo com empenho os problemas de quem chegava, nas eleições de 1956 ele foi o vereador mais votado no Município pelo PSD, partido do prefeito eleito, Celino de Araujo, que emplacou oito dos nove vereadores.
O PTB elegeu apenas um vereador – Paulo Gorski, que no futuro daria nome ao Parque Ecológico de Cascavel.
O fim da década de 1950 foi marcado pela violência dos grileiros e seus jagunços contra posseiros esbulhados. Um dos casos mais complicados aconteceu justamente com Palotina, onde havia mais proprietários de fato que posseiros.
O antagonismo jurídico entre o governo do Estado e o empresário Ruy Castro em Palotina reproduzia as tensões de Porecatu em 1950 e do Sudoeste, poucos meses antes.
Os agricultores palotinenses não se conformaram em ter contestado seu direito à propriedade das terras que haviam adquirido de boa-fé, com a garantia da empresa colonizadora de que as áreas eram regulares.
A colonizadora, porém, não era a proprietária das terras. Só estava autorizada a negociá-las. O Estado do Paraná, por sua vez, negava legitimidade às terras, alegando desapropriações feitas em 1940 e 1950.
Com isso, as famílias que compraram as terras de Ruy Castro se viram ameaçadas de perder as áreas em que já viviam e produziam.
Culminando um crescendo de intimidações de jagunços e resistência dos agricultores, em 4 de junho de 1958 o governador Moysés Lupion mandou a polícia cercar Palotina.
Antônio Bordin se revoltou com os atos truculentos do governador e sua equipe (https://x.gd/r3mhT). Mesmo pertencendo ao partido do governador, o PSD, não aceitou a situação.
Bordin abriu fogo de imediato contra a intimidação patrocinada pelo Estado, denunciando o caso ao governo federal e à imprensa. Acusou os policiais de Lupion de promover arruaças e reclamou a intervenção do Exército.
Em 5 de junho os militares ocuparam Palotina, impondo uma proteção que estendeu por três anos. “Não fosse isso ia ter muita morte e desordem”, disse o pioneiro Severino em depoimento ao padre Pedro Reginato para o livro História de Palotina:
“Na noite do dia 4 eles tinham pintado o sete, à noite inteira. Gritavam, riam, davam tiros a esmo, pareciam bêbados; por sorte que o responsável da firma (Pinho & Terra) Antônio Bordin, conseguiu a vinda do Exército e acabou com aquela baderna”.
Quando o Município de Palotina foi criado, emancipando-se de Guaíra em 1960, Antônio Bordin foi eleito vereador, sendo novamente o mais votado e assumindo a Presidência da Câmara de Vereadores, deixando como legado um hospital e maternidade beneficente.
Também ligado desde o princípio à colonização de Céu Azul, Bordin apoiou em 1970 a vinda de nove freiras da Congregação das Irmãs Carmelitas da Caridade e criou outro hospital beneficente, além de um ginásio particular de 1ª e 2ª séries, para o qual depois conseguiu junto ao Ministério da Educação a transformação em escola estadual.
Em 1965, aos 53 anos, volta a se casar, agora com Estelina Maria Biazus, de família tradicional na região, com quem teve o filho Vicente. Poderia ser o repouso do guerreiro, mas os desafios o perseguiam.
Em 1973, a Santa Casa Monsenhor Guilherme, em Foz do Iguaçu, estava quebrada, com dívidas e obras paradas havia mais de ano e meio – um abacaxi que ninguém queria descascar.
Antônio Bordin decidiu assumir a direção do estabelecimento. A essa altura, já sexagenário, partiu para Curitiba, onde sua grande aventura começou, e só voltou quando obteve ajuda do governador Ney Braga para salvar a Santa Casa.
Enchendo-se de ânimo com o apoio recebido, Bordin conseguiu empréstimo e auxílios que possibilitaram o término das obras do hospital.
Com cerca de 110 leitos equipados, não era um hospital quebra-galho: Bordin deixou o estabelecimento equipado com câmara fria de vários estágios, aparelhos de ar-condicionado central, além de UTI, CTI, berçário, centro cirúrgico e obstétrico, pediatria e complementos.
Missão cumprida, partiu para outra: em 1974 entregou ao Ministro dos Transportes, Mário Andreazza, proposta para a construção da Ponte Brasil-Argentina, ligando Foz do Iguaçu e Puerto Iguazu. Era a Ponte da Fraternidade, finalmente denominada Ponte Tancredo Neves.
Casando-se pela terceira vez, com a enfermeira aposentada Ivone Trum em 1993, nunca parou de colaborar com o desenvolvimento da fronteira. Em 1998 recebeu homenagem da Acifi (Associação Comercial e Industrial de Foz do Iguaçu), da qual saiu, como fundador do Comitê de Fronteira Brasil-Paraguai, com a tarefa de ali representar a Acifi.
Em 28 de junho de 1999 ele recebia, em nome da Irmandade Santa Casa Monsenhor Guilherme, a medalha da Ordem do Rio Branco, por salvar e entregar equipada uma instituição que presta assistência a enfermos desvalidos do Brasil e da vizinhança paraguaia.
A medalha é em geral concedida a altos dirigentes de governos estrangeiros ou a pessoas e entidades que prestaram grandes serviços a brasileiros no exterior. O Velho Bordin a mereceu e só descansou aos 91 anos, em 18 de julho de 2004, consagrado como a mais longeva e produtiva personalidade oestina do século XX.
Ignorado como chefe da revolução, pois João Francisco decidiu concentrar esforços na sublevação dos quartéis gaúchos, em 14 de outubro o general rebelde Isidoro Dias Lopes alcança Guaíra, um mês após a tomada desse porto pela vanguarda do major Octávio Garcia Feijó.
A essa altura, o movimento revolucionário já estava em andamento no Sul. Em 15 de outubro, 800 homens já marchavam para a Estação de Remonta do Exército, em Saicã.
A reação legalista no Sul foi muito mais feroz que os escassos tiros trocados entre os revolucionários e os amedrontados defensores de Guaíra, mas o movimento rebelde no RS já era um caminho sem volta.
No Paraná, em 20 de outubro os generais Isidoro e João Francisco se encontraram em Porto Mendes, pela primeira vez desde que se separaram, em Porto Tibiriçá.
Em áspera discussão, João Francisco defendeu a necessidade de concentrar esforços na rebelião dos quartéis gaúchos enquanto Isidoro considerou absurdo o uso de três quartas partes dos recursos financeiros da revolução numa “aventura”, que seria rebelar o Sul.
Só depois foi saber que o movimento já estava em marcha no Sul e que seu comando não seria mais necessário.