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Fronteiras: incompetência e má governança

Queda de braço entre Estado e União cresce com aumento da área de segurança nacional e causa revolta com os “donatários” – prefeitos nomeados  

Por: Time de redação Fonte: Alceu Sperança
27/10/2024 às 09h22
Fronteiras: incompetência e má governança
Bento Munhoz fala ao país no microfone da Agência Nacional. Abaixo, o Rio Tapiracuí, cuja margem esquerda tem as melhores terras do mundo. O Donatário, livro de Adolpho Mariano 

Especificamente sobre a história do Oeste se considera como primeira ditadura o regime do Estado Novo (1937–1945) e como segunda o regime civil-militar imposto ao país entre 1964 e 1985, por uma ligação direta entre elas que afeta o desenvolvimento da região. 

O Estado Novo começa em 10 de novembro de 1937, quando, sob falso pretexto – o inexistente Plano Cohen (documento forjado para qualificar os opositores ao governo como “comunistas”) – o presidente Getúlio Vargas suspendeu a Constituição e ordenou às tropas o fechamento do Senado e da Câmara dos Deputados.

Mesmo depois da farsa revelada, Vargas se impôs como ditador e manteve o regime de força prometendo, sem sucesso, resolver os problemas do país. Uma das consequências da primeira ditadura para o Oeste paranaense foi a Comissão Especial da Faixa de Fronteiras.

A largura da faixa começou a ser definida na Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que tratava das terras devolutas do Império. Assinada por Pedro II, a Lei de Terras fazia referência a “dez léguas”, confirmada na regulamentação estabelecida pelo decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854, calculada na época em 66 quilômetros.

Extensão de dez léguas

A ampliação para 150 quilômetros foi armada por Francisco Campos, o elemento de ligação e continuidade entre a primeira e a segunda ditadura.

Mineiro, famoso por sua argúcia, Francisco Luís da Silva Campos (1891–1968) era descendente de bandeirantes e tinha o apelido de Chico Ciência. Defensor do autoritarismo, propunha “reprimir os excessos da democracia pelo desenvolvimento da autoridade”.

Isso veio com a “Constituição” de 1937, manobra de Chico Ciência para determinar o poder absoluto do ditador Vargas sobre a Nação. A chamada Constituição Outorgada pelo regime do Estado Novo recebeu de juristas o apelido de “Polaca”, por ser uma adaptação da carta de inspiração fascista adotada pela Polônia.

Estender a faixa de fronteira de 66 para 150 quilômetros de largura diminuía significativamente o alcance da autoridade estadual na região Oeste, embora o governante nomeado pela ditadura para dirigir o Paraná fosse um líder de confiança de Vargas – Manoel Ribas (1873–1946). 

A solução de Lupion

Já sendo governador antes da ditadura, Ribas não alterou drasticamente seus métodos de ação, mas teve seus poderes reduzidos pela arte de Chico Ciência, que criou, via Código dos Interventores, um Conselho Consultivo Estadual. 

O CCE amarrava o governador nomeado a ter suas decisões analisadas por esses conselheiros, igualmente da confiança do poder central.

Com o fim da ditadura, decorrente da vitória das democracias sobre o nazifascismo na II Guerra, a nova constituição (1946) não alterou a faixa de fronteira, mantida em 150 quilômetros, dificultando as ações do governo estadual no Oeste.

Por sua vez, Chico Ciência viu ruir a estrutura de poder que montou ao sair do governo, pois adoeceu em 1941. Oportunista, ao voltar à ativa sentiu os ventos da democracia soprando. Negou a inspiração fascista da Carta de 1937, ajudou a derrubar Vargas e voltou a conspirar novamente contra a democracia em 1964, chamado a elaborar os dois primeiros Atos Institucionais da segunda ditadura (AI-1 e AI-2).       

Para driblar a reduzida autonomia do governo estadual na faixa de fronteira, descuidada pela União durante a vigência do Território Federal do Iguaçu (1943–1946), o governador eleito Moysés Lupion criou o Departamento Administrativo do Oeste do Paraná com a Lei nº 4, em 25 de outubro de 1947.

Suspensão da posse causou o caos

Com sede em Laranjeiras do Sul e jurisdição nos municípios de Laranjeiras do Sul, Foz do Iguaçu, Clevelândia e Mangueirinha, competia a este órgão elaborar e executar o plano de desenvolvimento geral da região.

Na época, Foz do Iguaçu abrangia todo o Oeste, inclusive o distrito de Cascavel e a vila de Toledo. O Departamento do Oeste, de acordo com a lei, seria administrado por um diretor de livre nomeação do governador e por um Conselho Técnico, composto de um representante de cada uma das secretarias de Estado, e de um representante da Fundação Paranaense de Imigração e Colonização.

O DO não funcionou como devia porque nenhum dos representantes indicados pelas secretarias tinha relações com a região. Um relatório de seu melhor ano – 1951 –, assinado pelo diretor Estevam Ribeiro de Souza Netto, não escondeu as dificuldades encontradas.

Ele foi designado para suspender todos os requerimentos de posses de terra, medida que não evitou as grilagens nem impediu os posseiros de avançar sobre as áreas ociosas, estimulados pelas promessas do ex-governador Manoel Ribas e do próprio Bento Munhoz da Rocha durante a campanha eleitoral. A suspensão foi uma das causas do agravamento dos conflitos agrários.

DO acabou esvaziado 

Souza Netto relatou “muitíssimas irregularidades” nas inspetorias de terras que atuavam na região. Não escondeu a decepção por todo o controle de terras devolutas do Estado passar para a competência do Departamento de Geografia, Terras e Colonização, vinculado à Secretaria da Agricultura.

Foi uma fila de queixas: falta de técnicos preparados, veículos avariados, contas atrasadas. A satisfação corria por conta da descoberta de que as melhores terras do mundo estavam “na região de Cruzeiro, à margem esquerda do Rio Tapiracuí, distrito de Guaíra, Município de Foz do Iguaçu”.

Bento Munhoz, portanto, não se interessou em fazer o DO, criado por Lupion, desenvolver o seu melhor pela região. Já empenhado em se destacar na cena nacional, Munhoz põe fim em maio de 1954 ao Departamento do Oeste.

Em seu lugar surgia o Departamento de Fronteiras, com a Lei 1.894, diretamente subordinado ao governador, responsável principalmente por prestar assistência técnica aos municípios de fronteira com os países estrangeiros, fiscalizar a reserva e demarcação, em favor da União, da porção de terras devolutas, além de prestar informações e cumprir diligências solicitadas pela União em relação à segurança das fronteiras. 

Munhoz governador x Munhoz ministro

Em todos os termos, Bento Munhoz apenas dava fim ao Departamento do Oeste, pois o DF nada mais era que um apêndice federal. A assinatura de Munhoz, aliás, já na condição de ministro da Agricultura, enfeita a lei 2.597, de 12 de setembro de 1955, dispondo sobre “zonas indispensáveis à defesa do país” e reafirmando a extensão de 150 quilômetros de largura para a faixa de fronteira.

Essa lei determinava que até construções de prédios para escolas, hospitais e maternidades, redes de água e esgotos, usinas elétricas e rodovias nas regiões limítrofes deveriam passar pela Comissão Especial da Faixa de Fronteiras, esvaziando completamente o DF criado por Munhoz quando governador. 

Por inutilidade, em 7 de abril de 1961 a Lei n° 4, já no segundo governo de Moysés Lupion, pôs fim ao Departamento de Fronteiras sem, entretanto, resgatar o extinto Departamento do Oeste.

A essa altura, a região já não era mais um Município só (Foz do Iguaçu), com as prefeituras de Cascavel, Toledo e Guaíra em plena atividade e apresentando projetos à Comissão da Faixa de Fronteira.

Ditadores municipais 

Com a segunda ditadura, instaurada em 1º de abril de 1964, havia a promessa de breve retorno à normalidade institucional, mas em 1968 o regime se agravou, resvalando para a opressão explícita e violenta, com a prática de torturas e cassação de mandatos legítimos.

Os municípios paranaenses de fronteira – Barracão, Capanema, Foz do Iguaçu, Guaíra, Medianeira, Marechal Cândido Rondon, Pérola D’Oeste, Planalto, Santo Antônio do Sudoeste e São Miguel do Iguaçu – perderam o direito de eleger seus prefeitos por força da absurda lei 5.449, de 4 de junho de 1968, que o regime alegava ser medida de segurança nacional.

Os prefeitos nomeados eram chamados de “biônicos” e “donatários”, os antigos representantes da coroa portuguesa nas regiões coloniais.

Antes de se eleger prefeito de Medianeira, com a volta da democracia eleitoral, em 1985, o advogado e escritor Adolpho Mariano da Costa fustigou os prefeitos nomeados com seu livro O Donatário, contos que no conjunto narram a história de um lugar denominado “Barbaquá do Sul”, microcosmo ficcional das cidades submetidas a ditadores municipais sem voto.     

100 anos da revolução: O plano de bombardeio 

As notícias de confrontos no Sul já se espalhavam pelo país quando um levante foi ensaiado no Rio de Janeiro, para ser deflagrado em 21 de outubro de 1924. O capitão de mar e guerra Protógenes Guimarães assumiria o comando do encouraçado São Paulo, dando início à rebelião, que se alastraria pelos outros navios de guerra fundeados na baía de Guanabara. 

A revolta seria anunciada com salvas de artilharia para mobilizar os revolucionários civis comprometidos com o levante espalhados pela cidade. 

Em seguida, seriam dinamitados os prédios da Polícia Central e da Polícia Militar e dos Ministérios da Guerra e da Marinha. O Palácio do Catete, dede do governo federal, seria bombardeado pelo encouraçado São Paulo.

Como tinha grande apoio popular, se tivesse sucesso faria o levante crescer em todo o país e conseguiria depor o governo. A prisão de Guimarães e outros envolvidos esfriou o movimento no Rio de Janeiro, mas animou ainda mais os revolucionários gaúchos.

A festa no governo com o desmantelamento da preparação rebelde no Distrito Federal foi obscurecida pela notícia de um manifesto dirigido “ao povo da fronteira do Sul” pelo general João Francisco, assinalando que o objetivo da revolução é “livrar a nação do abismo da corrupção, do vício e da desordem”. 

Protógenes Guimarães: preso em 1924, ministro da Marinha em 1931

 

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Alceu Sperança
Alceu Sperança
Jornalista e escritor.
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