Política e história se confundem. Derrotado por seus inimigos na Argentina em 1900, o francês Domingo Barthe comprou no ano seguinte dez mil hectares de ervais no Médio-Oeste. O interesse pela madeira levou Barthe a se apossar de 60 mil hectares e para facilitar as exportações abriu estradas, portos e um serviço de navegação no Rio Paraná.
Fazia parte de sua propriedade ampliada um antigo pouso ervateiro às margens do Rio Cascavel. No lugar, conhecido como Cascavel Velho, a Companhia Barthe instalou um potreiro e invernada para seus cavalos de montar e atrelar a carroças.
Também era parte da propriedade de Barthe um entroncamento de caminhos formado em 1895 por Augusto Gomes de Oliveira e assinalado pelo Marco Zero, o monumento da Praça Getúlio Vargas, criado em 1958.
Conhecido como Encruzilhada dos Gomes, o local era usado para acampamento de passagem por Augusto e seus filhos. Os Gomes faziam o transporte de erva-mate por esse caminho, que ao se unir com a trilha para Lopeí e atravessar a estrada militar que ligava Catanduvas e Foz do Iguaçu formava o cruzamento.
Diante da amplitude das propriedades sob controle estrangeiro no Oeste paranaense, em 1905 o governo estadual mandou o engenheiro Arthur Franco inspecionar os latifúndios da região.
O governo exigiu que as empresas também colonizassem a área além de só extrair suas riquezas. Como só queriam erva-mate e madeira, continuaram sem colonizar e na época da 1ª Guerra Mundial o potreiro do Pouso Cascavel já estava abandonado.
Com a região já sob controle brasileiro, partes do Médio Oeste ao Sul da antiga Fazenda Britânia, futuramente área de domínio da colonizadora Maripá, foram postas à venda em 1920 pela colonizadora Braviaco.
A Empresa Brasileira de Viação e Comércio era herdeira da Brazil Railway Company, empresa ligada ao grupo Farquhar. Criada em 1906 para construção de uma estrada de ferro, entrou em regime de concordata e passou ao controle do Estado em 1917.
Em 1921, o catarinense Antônio José Elias, conhecido como Antônio Diogo, comprou da Braviaco a parte na qual estava localizado o velho pouso do Rio Cascavel (Cascavel Velho).
Filho de lavradores, Elias nasceu em Canoinhas (SC), em outubro de 1881. Recebendo a oferta de terras pela Braviaco em 1920, no ano seguinte Elias adquiriu a propriedade, mas só após o inverno de 1922, decidido a aproveitar a área em agricultura e criação, mandou o cunhado, Ernesto de Oliveira Schiels.
Ernesto partiu da vila de Cantagalo com a família, parentes, amigos e uma carroça carregada de mudanças.
Vieram com ele a esposa Laurentina, dois filhos ainda de colo – Joaquim e Maria Francisca –, um irmão de Ernesto, acompanhado pela esposa, e “dois camaradas contratados para ajudar nos serviços”, um deles João Maria Diogo, irmão de Antônio José Elias.
Ao todo, a pequena caravana veio formada por oito pessoas, dez porcos, quatro cavalos e meia dúzia de vacas.
A primeira lembrança que Laurentina gravou da passagem pela Encruzilhada, ao chegar, em 8 de setembro de 1922, dia do 19º aniversário de João Maria, é que lá havia “acampamentos de índios paraguaios”. Eram mensus transportando erva-mate para o Rio Paraná.
Elias só veio residir na propriedade da família em 1923. Em novembro desse ano ele recebeu a visita de um viajante – José Silvério de Oliveira, o Jeca –, que manifestou interesse em arrendar a Encruzilhada dos Gomes e arredores.
O ponto de interesse de Silvério, criador de suínos, era o banhado que ficava nas áreas mais baixas entre as atuais praças Getúlio Vargas e Wilson Joffre.
Na parte alta, uma tapera da família negociava com os viajantes desde 1928, quando Silvério formalizou o arrendamento da área.
A família Elias/Schiels nunca teve planos para o banhado ou a Encruzilhada. A família Silvério prestava serviços aos viajantes no local, mas não passava pela cabeça de ninguém que um dia poderia surgir ali uma cidade.
José Silvério só acampava no lugar e seguia em frente, entre o interior de Guarapuava e os portos do Rio Paraná.
Então novamente a política veio determinar a história: nas eleições de 3 de março de 1930, o candidato de José Silvério à presidência, Getúlio Vargas, foi derrotado pelo paulista Júlio Prestes.
Perseguido pelos adversários em Pouso Alegre, no interior de Guarapuava, onde morava, Silvério fugiu e decidiu se fixar na Encruzilhada dos Gomes, junto ao banhado que ele arrendou anos antes para plantar milho e criar suínos.
Silvério, o Tio Jeca, chegou em definitivo no dia 28 de março de 1930, seguido pelos amigos e parentes que o acompanhavam pelas áreas de safrismo, combinação de plantio de milho com criação de suínos.
Jeca Silvério havia completado 58 anos no dia 21 de março e decidiu se acomodar na Encruzilhada com a família. Era sua aposentadoria.
As primeiras quatro casas ali construídas nesse ano deram início à formação da vila, depois cidade e Município de Cascavel.
Mas para isso ainda seria necessário mais um episódio político de amplos desdobramentos históricos: o triunfo da revolução em outubro de 1930.
Com ela, Antônio Elias perdeu a área arrendada por ter sido adversário dos revolucionários em 1924, para sorte de Silvério, que passou a ser proprietário da ampla área que arrendou em 1923, transferência formalizada cinco anos depois.
É quando surge o projeto de iniciar uma cidade. Silvério passou a distribuir terrenos ao redor para parentes, empregados e amigos. Um deles demorou a decidir, mas veio: Sandálio dos Santos.
Em setembro de 1931 já eram sete casas. O prefeito de Foz do Iguaçu, Othon Mäder, enviou este ofício ao general Mário Tourinho, interventor federal do Paraná, mantida a grafia da época:
“Estando se constituindo por iniciativa desta Prefeitura Municipal de Foz do Iguassu um povoado que já conta com regular número de moradores no lugar denominado Cascavel, na encruzilhada da estrada de Lopeí, sobre terras de domínio do Estado, a mesma Prefeitura, por seu prefeito municipal abaixo assignado, requer a V.Ex. que seja cedida para seu Patrimônio, de acordo com as leis que autorizam cessão gratuita de terras públicas para formação de patrimônios dos municípios, uma área de quinhentos hectares no lugar acima indicado, afim de poder, dividindo-o em lotes urbanos, delinear os planos e prover as necessidades de uma futura cidade que está ali se formando”.
Eram tempos dinâmicos e Tourinho, em meio a um tenso embate político, logo se afastou do governo estadual, substituído em dezembro de 1931 por João Perneta e logo por Manoel Ribas. O requerimento de Mäder ficou sem resposta.
Só em 1936, quando assumiu a Secretaria de Terras do governo Ribas, o ex-prefeito Othon Mäder resgatou o ofício e tomou a iniciativa de atender ao próprio requerimento de 1931, encaminhando o assunto ao governador.
Ribas expediu o título de domínio pleno das terras do primeiro perímetro urbano de Cascavel em 16 de abril de 1936. Em favor de Foz do Iguaçu, o título abrangia uma área de 1.001 hectares.
Surgia o Patrimônio Municipal de Aparecida dos Portos de Cascavel, nome quilométrico pelo qual o governador tentava harmonizar os religiosos e os políticos do lugar, empenhados em queda de braço para definir o nome da cidade (https://x.gd/62rMf).
As famílias tradicionais preferiam manter “Cascavel”, mas religiosos insistiam em banir o nome da cobra e impor “Aparecida dos Portos”, nome com o qual o prelado de Foz do Iguaçu, monsenhor Guilherme Maria Thiletzek, batizou o lugar ao celebrar a primeira missa do povoado, em 1931.
Já abalado pela doença que em seguida o afastou da prelazia de Foz do Iguaçu (ele morreu em 1937), o religioso acreditava estar em um dos portos do Rio Paraná.
A pendenga acabou em 20 de outubro de 1938, quando o decreto-lei 7.573 criou o Distrito de Cascavel, pertencente a Foz do Iguaçu, consagrado definitivamente em 14 de novembro de 1951 com a lei estadual 790/51, que criou dezenas de municípios paranaenses, dentre os quais Cascavel, Toledo e Guaíra.
Essa história foi esquecida por motivos políticos. Othon Mäder foi varrido da memória de Cascavel por adversários: a rua que tinha seu nome é hoje a Rua Visconde de Guarapuava (https://x.gd/L6RBA). Não custaria muito aplicar uma homenagem a Mäder no Marco Zero.
De Artigas no Uruguai, Juarez Távora envia em 12 de novembro de 1924 uma carta a Luiz Carlos Prestes, para ser repassada aos oficiais rebeldes de Alegrete, Uruguaiana, Itaqui, São Borja, São Luís, Santo Ângelo e Cachoeira.
Contou que a revolução controlava o interior do Paraná e sugeria aos rebeldes gaúchos considerar um encontro de forças em Ponta Grossa.
No Rio Grande do Sul, em 15 de novembro, depois de dominar a guarnição da Estação de Remonta do Exército, os 800 homens do general Honório Lemes armam uma embosca contra o reforço de 300 provisórios que se deslocara de Rosário para o local.
No Rio de Janeiro, o dia foi de festa no palácio do governo, menos pelo aniversário da Proclamação da República que pela apreensão na residência do major Martins Gouveia de Feijó de grande número de bombas de 10 e 15 kg fabricadas com dinamite.
No Paraná, começavam os combates entre rebeldes e governistas na Serra do Medeiros. Os dois lados se moviam com agressividade e ousadia.