Saber as circunstâncias da vinda dos pioneiros facilita a compreensão dos historiadores e das novas gerações sobre a interação entre as experiências trazidas por eles dos locais de origem e as oportunidades existentes na nova terra. Os conhecimentos que traziam, combinados com a ampla disponibilidade de boas terras encontradas, produziriam a história futura.
As memórias de Vitoldo Sobanski são bem representativas dessa adaptação. Chegando a Cascavel no dia de seu aniversário, em 9 de fevereiro de 1954, proveniente de Ponta Grossa, suas duas preocupações iniciais eram “se arranchar” (ajeitar a mobília na moradia) e organizar o equipamento da primeira oficina mecânica de Cascavel dotada de solda elétrica e torno.
A moradia ficava no local de uma antiga estrebaria pertencente a Rafael Piccoli, perto do Posto Shell de Waldemar Bomm e do cinema de João Donin. A estrebaria era um símbolo do pioneirismo: os primeiros moradores de Cascavel montavam a cavalo e suas carroças precederam as viagens de caminhões e automóveis.
A estrebaria era uma espécie de “estacionamento” para animais de montaria e transporte, local em que recebiam cuidados, alimentação e descansavam entre as jornadas. Com o transporte motorizado, a prestação de serviços por estrebarias desapareceu do espaço urbano.
A vinda de Sobanski para montar uma oficina moderna para os padrões da época foi bem recebida pelos cascavelenses e sua lembrança resgata Rafael Piccoli, cuja história ficou desconhecida por conta de um descuido que a Prefeitura e a Câmara por vezes revelam ao homenagear pioneiros depois da morte.
O nome Rafael Piccoli foi grafado erroneamente como “Picoli”, deslize aparentemente causado pela popularidade do vereador Luiz Picoli, amigo do prefeito Pedro Muffato, que em 1974 alterou o nome da antiga Rua André de Barros para “Rafael Picoli”.
A rua, transversal à Avenida Brasil, é paralela às ruas Treze de Maio e Pedro Ivo, ligando as regiões do Lago e do Country Clube.
O pioneiro Rafael Piccoli, ligado em Cascavel por parentesco à família Schapinski, nasceu em 15 de janeiro de 1905, em Muçum (RS), filho de Giovanni Piccoli e Giustina Mezzarobba detta Rangiot. Casado com Olivia Poletti, Piccoli morreu em 25 de novembro de 1973.
Chegando numa terça-feira, a semana transcorreu atarefada para Sobanski e a esposa Nair França, a Nana. No primeiro sábado em Cascavel, 13 de fevereiro de 1954, terminavam de se ajeitar no novo lar quando ouviram música, vozes e animação vinda dos fundos da casa, para onde ainda não tinham ido.
“Fui peruar para ver o que era, dei com o Tuiuti Esporte Clube, com músicos e diversos jovens, moços e moças, ensaiando músicas carnavalescas”, lembrou Sobanski. “Não resisti: entrei e me apresentei. Fui aceito na hora”.
Começava ali, em clima de folia, seu longo e profundo envolvimento com os assuntos de Cascavel e região. Nascido em 1925 em Marechal Mallet (PR), Vitoldo já veio casado com Nair França, com quem teria seis filhas e um filho.
Nessa época, o Tuiuti estava com apenas cinco anos de existência. Tinha uma sede precária construída entre 1952 e 1954 com materiais cedidos pelos associados sobre o terreno doado em 1949, na fundação do clube, por Maria Maceno.
O clube era presidido com dificuldades por Itasyr Luchesa. Já estava construído, de forma geral, mas faltava ainda o acabamento: o prédio sequer contava com portas e janelas.
Luchesa optou por passar a presidência do Tuiuti a um jovem empolgado com o clube. Álvaro Valenti, catarinense de Campos Novos (SC), viera a Cascavel no ano anterior para se associar ao sogro, João Pagliosa, e ganhou a simpatia de todos.
Casado com Norma Pagliosa, Valenti teve quatro filhos com ela. Jogava futebol e participava ativamente das atividades do clube. Vitoldo e Valenti deram sorte ao Tuiuti.
Quando foi eleito o próximo presidente, Júlio Gomes Sobrinho, já em abril de 1954, o Tuiuti era um belo time de futebol e começava a trajetória de sucesso que o levou a ser conhecido como “Leão do Oeste”.
O reconhecimento veio ao vencer um megatorneio realizado em duas etapas: primeiramente em Marechal Cândido Rondon e em seguida, dois meses depois, em Guaíra, cidade que também possuía uma fantástica equipe de futebol – o Clube 7 de Setembro.
Marechal Cândido Rondon, neste ano, realizava a sua primeira exposição-feira agropecuária e para a festa esportiva paralela previa a participação de 30 equipes.
Por essa época, os jogadores só competiam por amor ao futebol. Não havia salários nem prêmios. Cada centavo obtido era direcionado às obras da sede do Tuiuti.
“Quando das excursões futebolísticas se colocava ônibus à disposição da torcida, dirigentes, namoradas e noivas dos atletas, que pagavam passagem normal”, contou Vitoldo. “Os atletas pagavam 50%. Assim, a cota que se cobrava para jogar fora era recolhida ao clube integralmente”.
Logo o próprio Vitoldo Sobanski foi eleito presidente do Tuiuti, para o biênio 1958/59. Sempre animado e alegre, fazia rir até nas dificuldades. Dentre as atividades que desenvolveu, tinha uma loja de representação das máquinas de costura Singer na Avenida Brasil, que se alagava em dias de chuvas prolongadas.
Francisco Smarczewski, o Chico, lembrou que ao contrário de se amargurar frente ao obstáculo para os negócios, ele se postava em uma cadeira à margem da lagoa formada e divertia os transeuntes com caniço a anzol simulando uma descontraída pesca, para irritação do pessoal da Prefeitura.
Em 1959, Vitoldo aceitou mais uma tarefa: secretariar a Associação Rural de Cascavel, que desde 1953, fundada por Tarquínio Joslin dos Santos, era uma espécie de precursora Acic (Associação Comercial e Industrial de Cascavel).
Os colegas de Vitoldo na ARC eram o presidente Antônio Alves Massaneiro e o vice-presidente Hilário Zardo. O espírito associativo era muito forte na época e os líderes da comunidade sentiram também a necessidade de criar uma entidade cultural, com o apoio de Vitoldo Sobanski.
O Clube Cultural Crotalus não durou muito, mas no futuro teria continuidade com a Academia Cascavelense de Letras e o Projeto Livrai-Nos! Nele, além de Sobanski, o tesoureiro, estavam Dimer Webber, Plínio Alano, Luiz Carlos Biazetto, Ivo Fagundes, Zé do Torno (José Smarczewski), Guido Girelli, José Bertoli e Teodocyro Furtado, entre outros.
Vitoldo Sobanski também figurou entre os 37 fundadores do Automóvel Clube de Cascavel, ao lado de líderes como Algacyr Biazetto, Remy Pagnoncelli, Zilmar Beux, José Juca Baldo, Valdeci Sartori, Adolpho Cortese, Nézio Cunha, Ciro Bucaneve, Luiz Cumella, Waldemar Bobato, João Baptista Cobbe, Deoclides Carpenedo, Gilberto Mayer, Nélson Menegatti, Valdir Farina e Pedro Muffato.
Além da oficina pioneira e da loja de máquinas de costura, Sobanski foi corretor de imóveis e agente de seguros. Entretanto, na grave crise da ditadura dos anos 1980, a chamada Década Perdida, a empresa de seguros na qual Sobanski trabalhava fechou as portas em Cascavel. A agropecuária era asfixiada pelo governo e o comércio perdia clientes.
A família, em meio a tantas outras que protagonizaram um grande êxodo no período, também sentiu a necessidade de migrar para outras regiões. Com sete filhos, o casal Vitoldo e Nana optou pelo retorno a Ponta Grossa.
Embora já próximos dos 60 anos, ambos mantinham o espírito jovem e animado com que conquistaram Cascavel. Nair se dedicava ao artesanato da tradição hippie dos anos 1960, baseada na técnica “tie-dye” (amarrar e tingir), as meninas ajudavam e Vitoldo se encarregava do comércio das peças originais produzidas.
Participando do circuito de eventos e feiras de artesanato pelo Paraná, a família concentrou as atividades no litoral, para onde a família optou por se transferir para participar de mais uma atividade associativa: a Associação Guaratubana de Artesãos.
Nair morreu em 2004 e Vitoldo em 2009, aos 84 anos, mas as seis filhas do casal deram continuidade às atividades artesanais da família (https://x.gd/00iDS).
Em 15 de novembro de 1924 os rebeldes haviam passado sem resistência pela estratégica vila de Catanduvas e se instalado em Belarmino, localidade que homenageava o marechal Belarmino Augusto de Mendonça Lobo, mas os oficiais governistas confiavam que as forças mobilizadas pelo general Cândido Rondon seriam suficientes para enfrentar a ousadia revolucionária.
“Foram atacadas as tropas governistas na Serra do Medeiros. As informações de que os revolucionários dispunham, eram sobre a existência ali, somente de tropas de mercenárias do coronel Pais Leme. Entretanto, Rondon já havia reforçado a posição com metralhadoras, canhões de montanha e baterias” (Neill Macaulay, A Coluna Prestes).
O governo repeliu ataques e devolveu a ofensiva com energia nas posições estabelecidas na Serra do Medeiros, cujo desfecho poderia ser o controle final sobre Catanduvas.
Uma companhia da Polícia Militar do Paraná, aproximando-se das posições revolucionárias, iniciou lentamente a progressão pela picada telegráfica por volta das 7 horas da manhã do dia 15 de novembro.
Foi quando se deu o contato com os rebeldes, escondidos no mato. As vanguardas fizeram os primeiros disparos. Depois, uma intensa troca de tiros de fuzis e metralhadoras produziu baixas dos dois lados.
A força rebelde estava dividida em duas, com parte em Foz do Iguaçu e a outra entre os sertões do Médio-Oeste e do Sudoeste, distanciamento que favoreceu o governo.