Antigas cisões nas Forças Armadas liquidaram o Estado de direito e instauraram ditaduras que se anunciavam como salvadoras, mas ao se perder em privilégios produziram novos ciclos de instabilidades, mantendo o cenário nacional sempre em clima de guerra civil.
Ainda um pequeno povoado em 1937, Cascavel tirou proveito das turbulências nacionais que no fim desse ano resultaram na ditadura do Estado Novo.
Fruto da revolução de 1930, Cascavel, isolada no Médio Oeste de estradas muito precárias, ganhou nas instabilidades nacionais condições extraordinárias para reivindicações que nos períodos estáveis ficavam em banho-maria.
Coube justamente a um revolucionário de 1930, Sandálio dos Santos, conseguir ainda em 1937 a criação do Cartório Civil para Cascavel. Faltava, entretanto, um “pequeno” detalhe: cartórios são instalados em cidades com o status de Distrito Judiciário.
Até 1938, apesar de já ter sua primeira escolinha e o Distrito Policial, Cascavel não passava de um vilarejo que desapareceria do mapa se meia dúzia de famílias resolvessem abandoná-lo. Mas, às pressas, o Distrito Judiciário de Cascavel foi criado em 18 de janeiro desse ano com a Lei 6.244, vinculado à Comarca de Foz do Iguaçu.
Descuidado pelas autoridades, que julgavam poder estancar os conflitos de terras por medidas policiais, o problema agrário se intensificou nos anos 1940.
Em comício no interior do Estado, o futuro governador Bento Munhoz da Rocha Neto, em 1950, prometia aos colonos ameaçados pelos jagunços: “Vós que ocupais as glebas e que as desbravastes, sois os que tendes direito a ficar nas terras”.
Estimulados pelo ex-governador Manoel Ribas e Munhoz, os posseiros fizeram amplas ocupações e já começavam a produzir quando receberam visitas intimidatórias de jagunços de colonizadoras paulistas.
A redemocratização do pós-guerra ainda alimentava entre os posseiros a esperança de legalizar logo as terras, sobretudo com Getúlio Vargas empossado pela segunda vez na Presidência da República em 31 de janeiro de 1951.
Com os getulistas fortes, o Município de Cascavel evitou ser um mero distrito de Toledo ao ser criado por Bento Munhoz em 14 de novembro desse mesmo ano, com a Lei 790/51.
As eleições para prefeito e vereadores foram marcadas para novembro de 1952 e com a eleição do prefeito José Neves Formighieri o Município foi instalado em 14 de dezembro.
No governo, Bento não fez valer o direito dos posseiros. Os conflitos aumentaram pela falta de medidas legais e jurídicas destinadas a impedir que sua multiplicação transformasse o Paraná em barril de pólvora prestes a explodir
“As origens dos conflitos de terras em todo o Oeste devem-se à má colonização das terras públicas, por sinal as melhores do Brasil, incentivando a vinda de grileiros profissionais que para conseguirem apoderar-se de vastas áreas contratavam elementos que se diziam pistoleiros”, resumiu o advogado Ezuel Portes, sempre ameaçado de morte pelos jagunços.
“Na realidade, alguns, muito poucos, eram sanguinários e cruéis, matando quase sempre à traição” (Ezuel Portes, https://x.gd/xAspv).
Na região, a primeira evidência de conflito de terras se deu nesse mesmo ano em Criciúma (Santa Terezinha de Itaipu). O envolvimento de um militar que resistiu aos jagunços estimulou o anseio, em toda a região, por assistência judiciária descentralizada.
Era forçoso dirigir-se à sede da Comarca de Foz do Iguaçu para registrar os filhos e escriturar propriedades. O deslocamento, em estradas sempre em estado precário, principalmente nas épocas chuvosas, acrescentava aos gastos com registros e viagens dias de tempo tomados ao trabalho cotidiano.
Na época, Toledo não era de forma alguma cogitado para sede de Comarca, já que se tratava de Município criado recentemente. Mas em julho de 1953 o prefeito Güerino Antônio Viccari foi a Curitiba, acompanhado pelo vereador Rubens Stresser e a pediu ao presidente da Assembleia Legislativa, deputado Laertes Munhoz.
A proposta teve a participação do advogado Dátero Alves de Oliveira, que estruturou o pedido com argumentos e dados jurídicos. Emenda nesse sentido foi apresentada pelo deputado José Hoffmann.
O Poder Judiciário reagiu negativamente à proposta. Viccari imediatamente entrou em contato com o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, desembargador José Munhoz de Mello, a quem apresentou um mapa mostrando a distância de Toledo das demais Comarcas.
O Tribunal de Justiça argumentou que Toledo não tinha condições financeiras para sustentar a conquista, mas Viccari tratou de garantir casa e móveis para o funcionamento do Fórum, restando ao Tribunal exclusivamente o pagamento do juiz e do promotor.
Atendendo às orientações de Munhoz de Mello, outros municípios foram desqualificados, cabendo somente a Toledo sediar uma Comarca. Feito o acordo, a emenda n° 49 foi aprovada em primeira votação. Cascavel, porém, permanecia vinculada à Comarca de Foz do Iguaçu, para irritação geral da comunidade.
O prefeito José Neves Formighieri, reagiu:
“Fui a Curitiba e fiz uma baita briga com Munhoz de Mello, presidente do Tribunal, explicando que não era possível um juiz em Foz resolver problemas em Cascavel. Ele me fez prometer que eu daria uma casa para o juiz, outra para o promotor e construiria as instalações do fórum”.
Assim, com o projeto reformulado, a Lei Estadual 1.542, de 14 de dezembro de 1953, criou as Comarcas de Toledo e Cascavel, de segunda entrância, na data do primeiro aniversário de instalação dos dois municípios.
Vindo a Cascavel em 18 de março de 1954, proveniente de Curitiba, onde nasceu, o contabilista Algacyr Arilton Biazetto chegou para assumir a Secretaria Geral da Prefeitura em substituição a Celso Formighieri Sperança já sabendo que não havia recursos para construir um fórum.
A primeira tarefa de Biazetto foi conseguir um local para instalar a Justiça. Um casarão construído por Guilherme Richen em 1951 na Avenida Brasil, quase esquina com a Rua Carlos de Carvalho, surgiu como escolha ideal. Frente ao compromisso de que a Prefeitura pagaria o aluguel, o prédio foi cedido.
Catarinense de Urussanga, Guilherme Mathias Richen nasceu em 24 de março de 1907. Chegou a Cascavel em 1949, aos 42 anos. Guilherme a esposa Elmosa Rodrigues tiveram Maria Madalena, casada com Pedro Leopoldo Schuster, e Sedeni, casado com Nelci Rottava, todos com estreita interação com a comunidade local.
Como o barracão precisava ser adaptado para as tarefas judiciais, Biazetto contratou o pioneiro Afonso De Prá para fazer os móveis, “a facão, com madeira de pinho, à base de martelo e serrote, pois não existiam outros materiais”, lembrou Algacyr Biazetto. “Foram feitos lá mesmo, no salão do Fórum”.
As cortinas foram preparadas pela esposa do pioneiro Júlio Gomes, Amélia, sogra do ex-vereador Dercio Galafassi, e por Aracy Tanaka Biazetto, por sua vez encarregada pelo Cartório do Distribuidor.
Vindos de Prudentópolis e morando na Gleba Centenário, Olímpio Gomes da Silva, o primeiro oficial de justiça da Comarca, e Pedrolina Maria do Pilar, a primeira serventuária da Justiça, vieram para Cascavel chamados pelo prefeito Neves Formighieri, que mandou um caminhão trazer a mudança da família.
Tudo arrumado, em maio de 1954 o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, desembargador José Munhoz de Mello, determinava, em portaria, o dia 9 de julho de 1954 para, às 14h, realizar-se o ato solene de instalação da Comarca de Segunda Entrância de Cascavel.
Toda essa história, em detalhes, é contada em quatro livros (Cascavel, A Justiça https://x.gd/Vvkr7).
Às vésperas da instalação o Fórum de Cascavel recebeu o nome de “Desembargador José Munhoz de Mello”, na prática bajulatória vigente na época de batizar próprios públicos com nomes de personalidades vivas.
Surpreso, Mello rejeitou a bajulação e não aceitou terrenos presenteados a ele pela Prefeitura, mas o nome do fórum não foi alterado.
Dias depois Cascavel perderia seu maior protetor, Getúlio Vargas, sem o qual não teria conseguido suas principais vitórias. A crise política nacional se aprofundou a 14 de agosto de 1954, com o suicídio do presidente.
As forças rebeldes que no futuro dariam origem à Coluna Prestes começam a marchar rumo ao Paraná em 5 de dezembro de 1924. Eram mil cavaleiros com dois mil cavalos de remonta.
Já estava pronto o aeroporto que o general Cândido Rondon mandou construir para dispor dos aviões Spad e Breguet, que em 6 de dezembro entraram em cena, despejando na mata folhetos com a finalidade de abater o moral dos já cansados revolucionários.
O diário de campanha do 1º Batalhão de Infantaria da Polícia Militar, do segundo-sargento Floriano Napoleão do Brasil Miranda, anota, em 9 de dezembro:
“A marcha continua mais para o interior da mata. Nesse dia, atingimos Lajeado Liso de São Roque. Foi aí que o sargento Higino e o cabo Malan foram atacados em uma emboscada preparada pelos rebeldes.
“No dia seguinte [10], conseguimos descobrir o corpo do sargento, enterrado, nos fundos de um paiol, ao lado de um chiqueiro de porcos. Procedemos à exumação e vimos, horrorizados, o corpo mutilado a facão e quase nu.
“O Batalhão se deslocou para o lugar denominado Campo Novo, hoje Quedas do Iguaçu, onde deveríamos permanecer por 3 longas semanas. Provavelmente, ficaríamos como guardas vigilantes do flanco esquerdo das tropas em operações ao longo do eixo da estrada a caminho a foz do Iguaçu”.