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O médico e os monstros

Circunstâncias forçaram o médico Moacir Jorge a improvisar um “IML” em sua casa-consultório, no centro de Cascavel  

Por: Time de redação Fonte: Alceu Sperança
26/01/2025 às 09h21
O médico e os monstros
O médico Moacir Jorge e o promotor João Cobbe. Abaixo, a Colônia Timburi, junto ao Rio Iguaçu

Em meados da década de 1960, Cascavel explodia com as vendas de madeira e a população aumentava rapidamente. As instalações públicas estavam defasadas, algumas já em obras de ampliação. 

Quando eclodiu um levante camponês em Três Barras, distrito de Catanduvas, de 6 a 8 de agosto de 1964, os conflitos agrários estavam em geral mitigados pela presença maior da polícia do Estado nas áreas mais críticas e pela atuação mais rápida da Justiça.

Justamente nesses dias o Instituto Médico Legal estava sem instalações e o médico-legista, Moacir Jorge, viu-se obrigado a trabalhar em sua própria casa, na Rua Paraná, esquina com Sete de Setembro.

Naquele 8 de agosto, Nelso Olívio Buselatto passeava com amigos pelo centro da cidade e ao chegar à esquina em que o médico-legista morava, de longe viu “duas gaiolas feitas de madeira, como para prender galinhas”. Curioso, decidiu parar e ver o que estava fechado nas gaiolas.

Aproximou-se e questionou o médico sobre os bichos que poderiam estar engaiolados ali. Moacir Jorge explicou que se tratava de “bichos-homens”: segundo as primeiras informações, seriam jagunços mortos por posseiros de Três Barras, distrito de Catanduvas, depois de um confronto.

Cenas de horror

Buselatto, gaúcho de Getúlio Vargas, que por longo tempo chefiou o Departamento de Compras da Prefeitura e hoje é nome de rua no bairro Morumbi, ficou horrorizado ao ver os mortos confinados naquelas gaiolas toscas.

Dois anos antes, integrando o corpo de jurados da Comarca, ele já havia se horrorizado com um caso que chegou às raias do vampirismo.

Depois de uma violenta briga com um desafeto em Corbélia, o réu “S.” prometeu que ia matar o inimigo e beberia seu sangue, episódio contado em Cascavel, a Justiça, de Alceu e Regina Sperança (https://x.gd/Vvkr7).

“S.” não se limitou à ameaça: de fato, matou o desafeto e bebeu publicamente seu sangue, ganhando 25 anos de prisão. 

A primeira versão era de que os homens nas gaiolas eram jagunços mortos pelos posseiros em confronto. A história, entretanto, era ainda mais complexa, reveladora dos loucos extremos a que chegou a luta pela terra na região.

Técnicos tidos por jagunços

O levante de posseiros entre os dias 6 e 8 de agosto de 1964, na vila de Três Barras, mobilizou cerca de 400 posseiros e colonos. A localidade ficava na colônia Timburi, de 103 mil hectares, titulada pelo Estado do Paraná em 1959 à empresa Bellé & Simioni. 

A colônia era objeto de disputa judicial entre o Estado e a União. O título original de propriedade (“Imóvel Andrada”) foi expedido pelo Estado do Paraná à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. 

Como estava na faixa de fronteira, a titulação caberia à União. A Timburi, com a passagem das décadas, recebeu muitos posseiros, que ao produzir se tornaram colonos. Eles estavam convencidos de que a documentação em poder da empresa B&S não tinha validade. 

Para desembaraçar logo as terras, a B&S contratou os topógrafos Carlos Pernichelli e Vicente Samúdio, os agrimensores Adauto da Silva Rocha, Orlando Joaquim Rogério e Nacor Rodrigues Morais, o auxiliar de topógrafo Atílio Comby e os picadeiros Orlando Bueno da Rocha e Sebastião Soares para fazer a medição e demarcação da colônia Timburi para encaminhar acertos com os posseiros.

Os técnicos jamais poderiam imaginar que seriam considerados jagunços e sofreriam violências para além de qualquer pesadelo.

Presos em cárcere privado

O agrimensor Adauto da Silva Rocha foi preso na rua, em Três Barras, com Clemente Luiz Boaretto, proprietário de uma serraria, e o inspetor de quarteirão João Matias Ribeiro.

O também agrimensor Nacor Rodrigues de Morais estava na manhã de 6 de agosto com picadeiros em Santo Izidoro, onde iriam medir dois lotes da gleba 1 da Timburi, mas logo foi cercado por homens que desceram de um jipe e o prenderam por ordem do colono Durval Martins, para quem a ação era necessária para forçar o Exército a mediar a disputa 

Os prisioneiros foram reunidos no quarto de um hotel em Três Barras. Lá estavam também o topógrafo Vicente Gomidio, o picadeiro Orlando Bueno da Rocha, o comerciante Adão Alves Ferreira, o agrimensor Adauto da Silva Rocha, o motorista Luiz Pereira e os irmãos Roque, Egídio e Octacílio Boaretto, sócios de Clemente Boaretto.

O topógrafo Carlos Pernichelli não chegou ser preso: foi morto em 7 de agosto no escritório de trabalho, onde foi torturado, segundo o laudo assinado pelos médicos legistas Moacir Jorge e João Baptista de Oliveira.

Detalhes monstruosos

Um dos “bichos” nas gaiolas, Pernichelli, segurava um lenço ensanguentado entre os dedos da mão esquerda, teve a orelha direita decepada, um dente arrancado a alicate e tinha ferimentos na palma da mão, jugular e coxa esquerdas.

Os responsáveis pelos atos monstruosos teriam sido os posseiros Dorival Martins, Domingos Frederico Wilke, Rodolfo e João Antonio Farias. 

Eles haviam convencido posseiros e pequenos agricultores de Três Barras e Santo Izidoro a pegar em armas para formar barreiras nas estradas até que o levante fosse divulgado nacionalmente e as autoridades federais precisassem pacificar o movimento enviando tropas. 

Ainda na manhã de 7 de agosto, os posseiros Geneci Antunes Rodrigues, Darci Antunes Rodrigues e Laurindo Rill, acompanhados de outros colonos, foram até a localidade de Santo Izidoro, onde apanharam os lavradores João Albino Martendal, Adílio dos Passos e Joaquim Rotille, transportando-os para o local do levante na carroceria de um caminhão.

No percurso, à altura da “Serra do Facão”, houve um desentendimento com Rotille, que morreu com seis tiros de revólver calibre 38 e foi deixado à margem da estrada. 

Médico também foi torturado

Por volta das 4h da madrugada de 8 de agosto, outra execução: João Antonio Farias mandou Laureano José de Souza e João Arruda levar para fora o inspetor de quarteirão João Matias Ribeiro, morto a tiros atrás hotel por Arruda.

O homem da segunda gaiola, o corpo de Ribeiro apresentava feridas de disparos a queima roupa, um dos quais lhe vazou o olho direito.

O promotor público João Batista Cobbe (1925–2010) denunciou os colonos Domingos Pizza, Luiz e João Alves Martins como os mentores do levante. 

Acusou o médico Walter Alberto Pecoits, líder do movimento de colonos no Sudoeste, em 1957, de instigar os posseiros de Três Barras a atacar os supostos jagunços da B&S para forçar a intervenção do Exército Nacional.

Pecoits negou, mas foi preso apesar da ausência do juiz da Comarca porque o gráfico Eli do Espírito Santo, juiz de paz em Cascavel, foi pressionado pelo coronel João Lapa a assinar o mandado de prisão para o médico.

Eli assinou a contragosto, porque sua mãe era ligada à família do ex-prefeito de Catanduvas, Augusto Gomes de Oliveira, também acusado por Cobbe de ser organizador do levante.

Preso pelo coronel Lapa em 9 de agosto de 1964, o médico foi torturado na prisão, onde teve um olho vazado, como o inspetor João Matias. 

Sem direito a rua

Na época desses tensos acontecimentos, o médico Moacir Jorge, nascido em Curitiba, estava com 36 anos. Formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1952, especializou-se no Rio de Janeiro, onde conheceu Anete, esposa com quem teria seis filhos. 

Tesoureiro da Associação Médica de Cascavel em 1972, em 2003 recebeu o Diploma de Mérito Ético-Profissional do Conselho Regional de Medicina do Paraná por 50 anos de profissão sem sofrer nenhuma sanção ética.

Moacir Jorge desvendou um surto misterioso de mortes que nenhum especialista conseguia explicar. Ele estudou a ocorrência e identificou a causa como febre amarela, por ter registros de um paciente que tivera a doença. 

Cascavel lhe deu uma grande decepção, causada por necessidades urbanísticas: em 1987 a Prefeitura desapropriou sua valiosa propriedade no centro da cidade para retificação de rua. 

Moacir Jorge morreu em 8 de novembro de 2008, aos 80 anos. Provavelmente por seu atrito com a Prefeitura, nenhuma rua recebeu seu nome.

100 anos da revolução: Legalistas viram o jogo

A situação dos revolucionários começa a ficar precária no Oeste paranaense em meados de janeiro de 1925: eram 600 rebeldes atacados por 2.200 homens chefiados pelo coronel Álvaro Mariante.

Os rebeldes pretendiam atacar simultaneamente as linhas do coronel Mariante em Formiga e Catanduvas. A joia da coroa seria a captura do próprio general Rondon, que acompanhava de perto suas forças.

Queriam explorar o elemento surpresa, mas não foi possível. Nos arredores de Catanduvas, a força legalista já ouvia ao longe, desde 9 de janeiro, “o ruído ritmado das armas automáticas e o som grave, solene, dos canhões atirando sem cessar”, que iria se prolongar por quatro dias.

Ao anoitecer do dia 11, os legalistas alcançaram uma pequena clareira numa encosta em declive, de onde avistaram os revolucionários no lado oposto. “Subitamente, a gargalhada tétrica das metralhadoras quebra o silêncio e, em consecutivas rajadas, vai ceifando do lado oposto”.

Findo o combate, os dois lados voltam a se observar à distância. Os legalistas aguardam a hora de fechar o cerco, que dependia de conter o avanço das forças gaúchas, com Luiz Carlos Prestes à frente.

As notícias de um feroz combate em Catanduvas já correm o Brasil, passadas pelo ervateiro argentino Alfonso Arrachea ao general Rondon. Ele as recebeu do consulado argentino em Foz do Iguaçu.

Segundo as informações, o combate foi iniciado pelos legalistas, que teriam imposto grandes baixas aos revolucionários – em torno de 150.

Coronel Álvaro Mariante

 

 

 

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Alceu Sperança
Alceu Sperança
Jornalista e escritor.
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