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O juiz condenado à morte

Designado como juiz de paz, Eli era estimado por todos até se envolver em uma guerra entre policiais e políticos   

Por: Time de redação Fonte: Alceu Sperança
02/02/2025 às 09h32
O juiz condenado à morte
Eli do Espírito Santo, coronel João Lapa e médico Walter Pecoits

Após o sangrento levante de Três Barras, então distrito de Catanduvas, entre 6 e 8 de agosto de 1964, houve dezenas de prisões. Desde os primeiros interrogatórios o promotor João Batista Cobbe decidiu não poupar ninguém com envolvimento no episódio.

Centrou as acusações nos cabeças do movimento, nos executores das mortes e torturas apuradas e nos supostos inspiradores do levante, que ele identificou como sendo o médico Walter Pecoits (1917–2004) e o empresário Augusto Gomes de Oliveira Jr, prefeito de Catanduvas.
Pecoits foi um dos principais líderes do vitorioso levante dos colonos e posseiros do Sudoeste, em 1957. 

Em 1960, Pecoits foi eleito prefeito de Francisco Beltrão, pelo PTB, cargo que exerceu gratuitamente, adotando um código tributário que penalizava os ricos e isentava os pobres. Em 1962 se elegeu deputado estadual, renunciando ao cargo de prefeito, após a regularização das glebas Missões e Chopim.

Vice-líder da bancada do PTB, o médico não perdia ocasião para criticar acidamente o governo do Estado. Apontado como o melhor deputado do ano em 1963, Pecoits foi cassado com a eclosão da ditadura militar, em 14 de abril do ano seguinte. 

Gomes, família histórica

No início de agosto de 1964, Pecoits voltara com a esposa de uma viagem ao Uruguai e, vindo a Cascavel no dia 9, foi almoçar na casa do amigo José Neves Formighieri, que o avisou sobre a denúncia de que teria sido um dos organizadores do levante de Três Barras.

O outro acusado, o prefeito Augusto Gomes de Oliveira Jr, era membro da família que construiu a Grande Estrada da Erva-Mate no fim do século XIX, formando a Encruzilhada dos Gomes. O local é assinalado pelo obelisco da Praça Getúlio Vargas. Ali, em março de 1930, José Silvério de Oliveira iniciou a cidade de Cascavel.

Desde os anos 1950, os juízes designados pelo Tribunal de Justiça para Cascavel não paravam na cidade. Relutavam em trazer a família para uma cidade sem estrutura e mantida no medo pelos conflitos sangrentos entre jagunços, posseiros e a polícia.

Com a derrubada do governo João Goulart por um golpe civil-militar em março de 1964, o juiz Alvim Messias foi afastado de suas funções em junho, e seu substituto, Alceu Martins Ricci, veio às pressas para o Fórum de Cascavel no dia 10 de agosto, assim como o promotor João Batista Cobbe, que estava em férias e retornou ao tomar conhecimento do levante.

A trajetória de Eli

Na ausência do juiz titular da Comarca, a administração corriqueira da Justiça ficava a cargo do juiz de paz, cidadão escolhido por sua respeitabilidade para cumprir certas tarefas reservadas ao Judiciário.

Com isso, no ínterim entre o afastamento do juiz Messias e a vinda de Ricci, as questões de Justiça eram passadas ao juiz de paz, Eli do Espírito Santo.

Nascido em 1930, em Tibagi (PR), Eli ainda menino perdeu o pai, Alencar Dias Siqueira. Sua mãe, Oneida, mudou-se para Curitiba, onde conheceu e se casou com Osvaldo Gomes de Araújo, filho de Augusto Gomes de Oliveira. também pai do prefeito Augusto Gomes Jr, acusado de ser um dos mentores do levante de Três Barras.

Eli só veio para Cascavel a 20 de novembro de 1958, também de Curitiba, quase às vésperas de completar 28 anos. Era uma virada definitiva em sua vida, que nos últimos anos havia sido mais dedicada a jogar tênis de mesa que a outra coisa. 

Em 1959, já estabelecido em Cascavel, foi para Catanduvas, onde assumiu o controle da produção madeireira na serraria do padrasto. Só em 1960 montou sua gráfica, na rua Rio Grande do Sul, onde sofreu horrores, pois a energia era fraquíssima, obrigando-o a comprar motores próprios para tocar a gráfica. 

Em 1962, a pedido do jornalista Celso Formighieri Sperança, prestou assistência gráfica ao primeiro número do jornal Diário d’Oeste, de Wilson Joffre.

Policiais irritados

A essa altura, Eli era uma das pessoas mais populares de Cascavel, confiança que o levou a ser designado como juiz de paz.
Avisado pelo ex-prefeito José Neves Formighieri que seu nome foi citado entre os responsáveis pelo levante de Três Barras, o médico Pecoits foi visto ao chegar à cidade e ser recebido por amigos ligados a seu partido, o PTB.

O delegado especial da polícia local, coronel João Rodrigues da Silva Lapa (1911–1987) decidiu prendê-lo, mas para legalizar a prisão precisava de um mandado judicial. Pediu ao escrivão Ivan Possamai que redigisse o documento, mas o juiz nomeado ainda não havia chegado e o promotor estava em férias, não havendo quem pudesse assinar. 

Por exigência do coronel Lapa, Possamai não teve outra opção a não ser procurar o juiz de paz, pressionado a assinar o pedido de prisão do médico. 

Os policiais estavam especialmente irritados porque um dos mortos no levante era o inspetor de quarteirão João Matias Ribeiro, morto a tiros atrás hotel de Três Barras pelo colono João Arruda.

Atitude precipitada

O caso de Três Barras é mais complexo do que aponta o esquema simplista jagunços x posseiros com a polícia de permeio. Embora tenha origem no conflito entre Estado e União, as ações de Três Barras foram incomuns, pois os colonos atacaram técnicos encarregados de medições de terras como se fossem jagunços.   

O juiz de paz hesitou em atender ao pedido do chefe da Polícia porque o médico Pecoits era amigo do ex-prefeito José Neves Formighieri e, mais ainda, porque Augusto Gomes de Oliveira Jr era da família de seu padrasto.

Sob pressão, entretanto, Eli assinou a ordem de prisão para Walter Pecoits, sem imaginar que a polícia cometeria o excesso de torturar o médico.

Ao relembrar aquele difícil dia 10 de agosto de 1964, Pecoits disse que foi preso por um destacamento da Polícia Militar comandado pelo coronel João Lapa, levado para uma cela e espancado brutalmente, sob a acusação de chefiar a revolta dos posseiros de Três Barras, embora estivesse no exterior. 

Lesão irreversível

Atingido pela coronha de um rifle, o médico ficou cego da vista esquerda. Foi operado no dia 12 de agosto pelo professor Francisco de Paula Soares (1927–2022), que constatou a irreversibilidade da lesão.

Pecoits só foi solto na véspera do Natal, beneficiado por habeas-corpus concedido pelo Superior Tribunal Militar, retornando a Francisco Beltrão, onde dirigia um hospital de sua propriedade. Depois foi obrigado a se deslocar até Curitiba periodicamente, para responder a um inquérito na auditoria da Justiça Militar, onde foi defendido pelo advogado René Dotti (1934–2021).

Entrou com uma ação contra o Estado, exigindo indenização pelas lesões sofridas, que resultaram na perda total da visão do olho esquerdo e no comprometimento do olho direito. 

O caso se arrastou por catorze anos e só foi solucionado definitivamente no dia 29 de novembro de 1978, pela Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça, que, por unanimidade, condenou o Estado a pagar doze milhões de cruzeiros, além de uma pensão vitalícia, na época fixada em 73 mil cruzeiros.

Pecoits só foi plenamente reabilitado ao assumir a chefia da Casa Civil e a Secretaria Especial da Reforma Agrária durante o governo de José Richa (1983–1986).

No fim, absolvido

Quando o coronel João Lapa o pôs na difícil situação de assinar o documento preparado pelo escrivão Ivan Possamai, Eli do Espírito Santo disse que assinou sem questionar a ordem dada pelo chefe policial.

Logo se arrependeu amargamente de não ter argumentado que seria mais adequado esperar a vinda do juiz Alceu Ricci ou do promotor João Cobbe para tomar uma decisão tão grave contra um deputado presente em Cascavel a convite do ex-prefeito Neves Formighieri.

As principais lideranças de Cascavel foram reunidas por Formighieri para exigir a libertação do médico. Até adversários do PTB, como o vereador Moacir Bordignon, ficaram indignados com a prisão de Pecoits, privado até do direito de ser assistido por um advogado.

Eli foi ameaçado de morte por assinar a autorização para prender o parlamentar e teve que se esconder. “O Neves e o PTB quase me arrancaram o pelo”, disse, ao recordar o episódio. 

Deixando as funções de juiz de paz, Eli foi “absolvido” pelos amigos no Caso Pecoits por conta da pressão que sofreu na época, deixando uma trajetória marcada pela divulgação da doutrina espírita e pela escolha como presidente vitalício da Boca Maldita de Cascavel, onde se manteve até sua morte, aos 71 anos, em 1º de fevereiro de 2002.   

100 anos da revolução: Rondon, salvo por um enguiço

Na madrugada do 21 de janeiro de 1925 João Cabanas completou a abertura da picada estratégica idealizada por ele para atacar a posição governista em Formiga.

Choveu muito. Com as linhas telefônicas e telegráficas já cortadas entre Formiga e Guarapuava, Cabanas montou quatro grupos de 50 homens, com ordens de atirar todos ao mesmo tempo.

Surpreendida, a guarnição governista não pode fazer valer o peso de sua superioridade numérica. A joia da coroa, porém, não foi localizada: o general Rondon, que por muito pouco não foi capturado pela coluna do major Cabanas.  

“O primeiro prisioneiro que fiz deu-me a informação que o general Rondon, devido ao desconcerto de sua limusine, retardou a chegada a Formiga, onde já deveria estar”, lamentou Cabanas.

“Embora espetacular, a investida não surtiu o efeito desejado. Nas imediações do acampamento, o comando governista já havia concentrado forças de efetivo muito superior ao esperado pelos revolucionários. “Em pouco tempo, 600 homens do 2º Batalhão de Caçadores e 1.200 do coronel [Vasco da Silva] Varella convergem sobre ele” (Sérgio Rubens De Araújo Torres, Nas Barrancas do Rio Paraná). 

Durante toda a tarde, Cabanas resistiu ao assédio. À noite conseguiu escoar suas forças para a mata. Nem o general Rondon foi aprisionado, nem Cabanas pôde atacar as linhas do coronel Mariante.

 

General Rondon em Catanduvas

 

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Alceu Sperança
Alceu Sperança
Jornalista e escritor.
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