O golpe de Estado de 1º de abril de 1964 foi justificado à população como ação civil-militar necessária para “limpar” o Brasil e logo devolver o poder em novas eleições presidenciais. A deposição do presidente João Goulart foi apresentada como decisão do Congresso Nacional.
A ditadura se cristalizou com uma disputa interna entre duas facções militares: os “pombos”, que pretendiam normalizar em breve a vida institucional do país, e os “falcões”, que tinham apoio dos EUA para instalar uma ditadura militar explícita.
Nesse período de intensos embates internos do regime, as delações não eram feitas à Justiça para apuração criteriosa. As chamadas “deduragens” eram consideradas provas produzidas por oportunistas que se fingindo de “patriotas” vingavam-se de concorrentes ou adversários entregando-os à repressão ditatorial.
Nessa época de caça às bruxas era fácil delatar os desafetos e vê-los reprimidos pela ditadura, como percebeu o juiz Sydney Dittrich Zappa ao ser enviado para Cascavel.
Nascido na Lapa em 16 de fevereiro de 1933, Zappa se formou pela Faculdade de Direito de Juiz de Fora (MG) em 1956, advogou na terra natal até 1957 e foi promotor de Justiça em Guarapuava e Siqueira Campos entre 1958 e 1959, quando iniciou carreira na magistratura.
Juiz substituto de 1959 a 1962 em Sertanópolis, São Jerônimo da Serra, Cambé, Rolândia, Ibiporã, Uraí, Assaí e Londrina, Zappa foi o primeiro juiz da Comarca de Cruzeiro do Oeste, em 1962, e nesse mesmo ano foi enviado a Teixeira Soares e Bandeirantes.
Era um solucionador de problemas, habilidade que também o levou em 1963 a Porecatu e no ano seguinte a Mandaguari, lá permanecendo até 1967, ano em que se deslocou a Rolândia e daí à conturbada Comarca de Cascavel.
Ao chegar, Zappa se deparou com a dramática situação dos posseiros acossados por jagunços desde o Rio Piquiri até o Rio Iguaçu, por vezes apoiados pela polícia.
Em Aparecida do Oeste, mais conhecida como Aparecidinha, os posseiros da antiga e conturbada “Gleba Andrada” não conseguiam registrar as terras por conta de disputas não resolvidas entre o Estado, a União e empresas colonizadoras.
Eram tidos por elas como “foragidos da justiça e aventureiros que sobreviviam da caça, pesca e extração de palmito na então exuberante mata, junto à foz do Rio Andrada” (https://x.gd/O7jCD).
A história é mais complexa. Com a revolução de 1930, os interventores designados por Getúlio Vargas nos estados tentaram aplicar os mesmos poderes ditatoriais do presidente em suas regiões, caso do general Mário Tourinho, que estadualizou áreas na faixa de fronteira.
Depois da ditadura Vargas, quando companhias colonizadoras vendiam terras no interior, os compradores encontraram áreas ocupadas por posseiros. Eles haviam sido estimulados pelo interventor Manoel Ribas, mas não conseguiam titular as terras devido aos conflitos dominiais.
Assim se deu com Aparecida do Oeste, localidade então pertencente ao Município de Cascavel que em 1964 se tornou Município com o nome de Capitão Leônidas Marques.
O primeiro posseiro conhecido dessa área foi Maximino Farrapo, policial da equipe do coronel João Lapa, delegado especial de Cascavel, que em 1957 começou ali um empreendimento safrista (combinação do cultivo de milho com a criação de suínos). Antes, Farrapo também teve posse em Ampere, de onde trouxe mais colonos.
Na sequência de Farrapo, o catarinense João Ruth Schmidt (1920–1972) veio, gostou do lugar e chamou irmãos e amigos das famílias Lara, Borba e outras, que vieram para praticar a agricultura.
Diante dos problemas fundiários não resolvidos, uma comissão de moradores se dirigiu à Assembleia Legislativa e lá ganhou apoio para criar o Município de Capitão Leônidas Marques, desmembrado de Cascavel em 1964.
Quando o juiz Zappa decidiu intervir nos conflitos, foi acusado de patrocinar “elementos comunistas” em Aparecidinha, como a população ainda chamava o novo Município de Capitão Leônidas Marques.
Nessa onda de delações, além de Zappa até o coronel Aroldo Cruz e o capitão Aírton Rolim de Moura, sobrinho do governador Moysés Lupion, foram denunciados por importar “armas com facilidade, pela fronteira da Argentina e do Paraguai, inclusive arrecadando fundos para fins subversivos” (delegado Bolivar Steinmetz, Polícia Federal de Foz do Iguaçu).
Assim, na base da delação maliciosa, os políticos mal-intencionados exploravam a paranoia ditatorial, que via inimigos em todos os cantos.
Isso não impediu que Zappa viesse a ser nomeado em 1984, já na abertura democrática do general João Figueiredo, para o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, que veio a presidir no biênio 1999/2000.
Os apuros de Zappa começaram logo ao chegar a Cascavel, quando os ativistas do Estado do Iguaçu, liderados pelo advogado Edi Siliprandi, promoveram uma grande manifestação em 14 de novembro de 1967, aniversário da criação do Município.
A cidade em festa recebeu o governador Paulo Pimentel e a população em peso para a inauguração do asfaltamento na Avenida Brasil.
Sendo tempo de ditadura, as manifestações populares eram consideradas uma afronta ao regime. Os ativistas do Estado do Iguaçu estenderam bandeiras em fachadas de prédios e saíram pela avenida com seus estandartes e faixas, mas polícia logo apareceu para reprimir os manifestantes.
Ao ser avisado, o juiz Sydney Zappa abordou os policiais e lhes disse que não poderiam reprimir a manifestação, pois do contrário eles é que seriam expulsos do local.
A manifestação pró-Iguaçu foi concluída pacificamente, mas Zappa não imaginava o desastre que viria em 1968, ano de eleições municipais no Brasil e de protestos por liberdade em todo o mundo.
No curso da campanha eleitoral em Cascavel, na cidade o favorito era o ex-prefeito Octacílio Mion, que concorria a mais um mandato.
No campo, onde moravam a maioria dos eleitores, havia certeza de que o vencedor seria Tio Zaca, sobrinho do fundador da cidade, José Silvério de Oliveira.
Com as eleições marcadas para 15 de novembro, deu-se que em setembro um incêndio destruiu o Fórum Desembargador José Munhoz de Mello, situado na antiga Travessa Willy Barth, hoje Travessa Jarlindo Grando, destruindo os registros eleitorais.
Com o Fórum queimado, o solucionador de problemas Zappa não se deu por vencido: pediu aos políticos que incentivassem os eleitores a providenciar o recadastramento urgente de seus títulos e fez a divulgação pela Rádio Colmeia, escolas e igrejas.
A campanha teve resultados exitosos na cidade, mas no interior a motivação dos eleitores para deixar de lado os afazeres da roça para se deslocar ao Fórum à cidade apenas para refazer os títulos não foi a mesma.
Estimava-se um eleitorado de pelo menos 45 mil eleitores, mas menos de vinte mil se recadastraram e apenas 15 mil foram votar, com o que o favorito do interior, Tio Zaca, foi derrotado pelo ex-prefeito Octacílio Mion.
Mion efetivamente venceu o pleito entre os que foram votar, mas como quem perde sempre acusa o adversário e a Justiça, houve protestos e alegações de fraude no voto impresso.
Era mais um episódio acumulado ao rol de denúncias encaminhadas às autoridades de Curitiba contra o juiz Sydney Zappa. Mas ao contrário de outros juízes que depois foram esquecidos, ele passou em definitivo à história de Cascavel de forma positiva por um episódio casual.
Um grande roubo de pinheiros foi planejado para ter execução quando o juiz se ausentasse da cidade em férias forenses, mas Zappa acabou não viajando porque uma filha adoeceu.
Por causa desse infortúnio ele permaneceu na cidade e apanhou os ladrões de pinheiros com a mão na massa. Com isso, preservou o grosso da vegetação que hoje integra o Parque Ecológico Paulo Gorski.
Depois dos trepidantes acontecimentos vividos em Cascavel, Sydney Zappa foi removido em 1970 para Curitiba, onde brilhou no comando do Tribunal de Justiça do Estado, aposentou-se em fevereiro de 2003 e morreu em 27 de novembro de 2020.
Em 5 de março de 1925 os revolucionários completaram sete meses ocupando o Oeste do Paraná.
“Apesar do longo assédio dos governistas a posição, bombardeada constantemente pela artilharia, resistia a todas as investidas, desde novembro de 1924. Vivia-se já o mês de março de 1925. Ao Oeste paranaense continuamente chegavam tropas governistas agora sob o
Comando do general Rondon. O ardor combativo dos rebeldes perdia ímpeto” (Ney Salles, Dias de Luta no Oeste do Paraná).
No dia 6, em Paso de los Libres (Argentina), terminavam sem acordo as negociações entre os revolucionários e representantes do governo Bernardes.
Os rebeldes só entregariam as armas se o governo revogasse a Lei de Imprensa, aceitasse o voto secreto e desse início ao ensino público obrigatório. Se Bernardes aceitasse uma só dessas condições e deixasse as demais para debates posteriores teria evitado que a revolução continuasse, agigantando-se com a Coluna Prestes e aprendendo a conhecer o interior do Brasil até ser vitoriosa em 1930.
Agora, a Rondon só restava esmagar a revolução por imensa superioridade numérica nas posições legalistas sobre as reduzidas forças rebeldes em torno de Catanduvas. Aos revolucionários, as opções eram se render ou resistir até obter uma brecha no cerco para fugir e se juntar a Prestes e ao contingente estacionado em Foz do Iguaçu.