O Ipardes desenvolve atualmente uma pesquisa para identificar o perfil socioeconômico dos paranaenses que tornará mais fácil planejar o futuro.
A falta de planejamento sobre o Oeste do Paraná nos anos de chumbo da ditadura se abateu de forma chocante sobre as famílias da região, levando ao êxodo rural e ao inchaço das cidades.
No período 1964–1970, segundo a Federação da Agricultura do Paraná, foram erradicados 526 milhões de cafeeiros, liberando 723 mil hectares de terras antes ocupados com o café. O elevado desemprego no campo multiplicou o número de boias-frias (trabalhadores volantes).
A incapacidade do governo para responder ao fenômeno previsível do êxodo rural gerou violência no campo e insegurança urbana. A criminalidade disparou nas cidades, sem estrutura para atender à população concentrada nas periferias e formando favelas.
Com o desequilíbrio socioeconômico no campo, a criminalidade crescia e o crime organizado se introduzia nas polícias, retomando o que já havia ocorrido na cumplicidade com os jagunços nos anos 1950.
O padre João Corso observou que o aparecimento de um exército de crianças abandonadas nas cidades foi consequência do êxodo rural e do empobrecimento dos camponeses.
Diante dos fatos, o juiz Elio Enor Engelhardt propôs um esforço para tirar das ruas centenas de crianças abandonadas por retirantes e condenados à prisão, que cresciam e se tornavam adolescentes recrutados por quadrilhas para roubar e se prostituir.
Surgiu assim no final de 1971 a Fundação da Indústria Turística para Reclusos e Menores de Cascavel (Fiturmel), autorizada a construir um abrigo para menores, origem do Recanto da Criança.
A modificação do perfil regional de população majoritariamente rural para crescentemente urbana ficava bem clara: cerca de 100 mil propriedades rurais com menos de 20 hectares desapareceram no Paraná entre 1970 e 1980.
“Os pequenos proprietários passaram a arrendar suas terras aos grandes proprietários. (…) A pequena propriedade está atrelada à grande produção de soja, já que a cultura em grande escala utiliza tecnologia química e mecânica, que acaba por eliminá-la do processo produtivo” (Marionilde Brepohl, em Arrendantes e Arrendatários no Contexto da Soja 60–80).
Em 1976, para enfrentar os efeitos da crise mundial do petróleo, o ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, impôs ao país o chamado Pacote de Abril, que deveria vencer a inflação e reduzir o déficit público, mas foi um fracasso.
Ao assumir a Prefeitura de Cascavel, em 1977, o empresário Jacy Scanagatta, ele próprio de origem rural, assombrou-se com a enorme expansão do perímetro urbano da cidade, com bairros novos que não atendiam às exigências legais.
Em 15 de novembro de 1980, o advogado Wilson Carlos Kuhn, líder ruralista e ex-prefeito de Toledo, alertava para a gravidade do êxodo rural e consequente esvaziamento do campo, que reclamavam solução imediata.
A solução não veio e no futuro os anos 1980s passariam à história como a Década Perdida. Com cerca de 16 mil famílias de agricultores sem terras se arrastando pelo Paraná, o número de boias-frias ultrapassava os 450 mil.
Cascavel finalmente parou em julho de 1983 com um grande tratoraço de protesto. O governo havia sofrido uma grande derrota nas eleições do ano anterior, mas permanecia inoperante.
Em 1985 o Departamento de Economia Rural da Secretaria de Estado da Agricultura (Seag) anunciava que mais de sete mil propriedades rurais foram vendidas em pouco tempo nas regiões de Cascavel e Toledo, fruto da descapitalização e proletarização dos produtores rurais.
Quem se mantinha no campo sofria com escassez de mão de obra. O boom imobiliário decorrente do êxodo rural arrastava ainda mais trabalhadores do campo para a cidade. Transformavam-se em operários e comerciantes ou tinham a migração para as regiões Norte e Nordeste como alternativa.
As prefeituras tentavam a abertura de frentes de trabalho para ocupar a mão de obra dos desempregados – os boias-frias. Por incompetência e corrupção, a ditadura se esgota em 1985 sem criar regras democráticas, deixando o chamado “entulho autoritário”.
O cenário era desolador: a Coopavel em crise e no Sindicato Rural os dirigentes fazendo empréstimos em seus próprios nomes para custear compromissos da entidade.
Kuhn alertou que uma solução só viria “quando for implantada uma real política agrícola para o País, não sujeita a improvisações e imprevistos”, chamando sitiantes, fazendeiros e sem terras a formar um grande movimento de reivindicação.
Em junho de 1985, já sem repressão ditatorial, começa o confronto aberto, que se arrastará pelos próximos dez anos. Já em agosto, quatro mil boias-frias, arrendatários, posseiros, meeiros, minifundiários e trabalhadores rurais expulsos da terra se reúnem diante da Catedral de Cascavel na Marcha da Panela Vazia, apoiada pela Pastoral da Terra da Igreja Católica.
Desta vez houve uma resposta do governo. Em fevereiro de 1986, o Plano Cruzado causou muito agito midiático e algum refresco, mas foi mais um dos costumeiros voos de galinha, nos quais a euforia é seguida de forte frustração.
Diante da persistência da crise, o Núcleo dos Sindicatos Rurais do Oeste propôs fechar o Banco do Brasil e as prefeituras em 3 de março caso o governo não atendesse às reivindicações dos agricultores.
Como a união deles crescia em força, para dividi-los no processo constituinte uma efêmera entidade chamada UDR (União Democrática Ruralista) veio isolar os pequenos dos grandes agricultores e diluiu sua força.
“O pequeno e o grande produtor eram um só, que é como sempre deveria ser. Juntaram-se em movimentos sociais, passeatas, porque todos os planos financeiros que o governo fez prejudicaram os agricultores. Nós estávamos todos falidos. Chegamos no Plano Bresser com todos os agricultores quase em situação de insolvência” (Sady Lazari, presidente da Sociedade Rural).
Ainda unidos, em fevereiro de 1987 cerca de 300 agricultores ocuparam o centro de Cascavel com ceifadeiras, tratores e outras máquinas e implementos em protesto. A BR-277 foi fechada com máquinas agrícolas.
O movimento do campo, reunindo de fazendeiros a sem-terras, chega ao clímax em 10 de março, quando fecharam as agências bancárias exigindo a redução dos juros e a reordenação da política agrícola.
O desemprego no campo aumentara 600% em poucos meses, apresentando um quadro insuportável de mais êxodo rural, inchaço urbano e precarização das condições de vida na periferia, com o aumento da violência e da insegurança.
Wilson Kuhn estimou que a nova Constituição trazia liberdade e democracia, mas até entrar em vigor era preciso manter a luta diária, pois em 1989 ela ainda era só uma promessa.
Por isso, em 16 de junho, no conjunto de protestos conhecido como “o Levante da Soja”, os produtores paralisaram parcialmente a BR-277. Três dias depois, cerca de 500 sojicultores bloquearam totalmente a rodovia.
O movimento prosseguiu por toda a segunda quinzena do mês, inclusive com a queima de uma colheitadeira na pista da BR-277.
O Censo Demográfico de 1990 (IBGE) definiu claramente o esvaziamento da área rural: na região, o número de propriedades abaixo de 10 hectares caiu a menos da metade, 23.631, em relação a 1975. Por outro lado, as de cem a mil hectares subiram de 1.742 para 2.295.
Era uma situação irreversível, mas finalmente a democracia avançou e as pressões funcionaram. “Conseguimos uma grande conquista em 1994, que foi a renegociação da dívida de todos os produtores com 25 anos de prazo para pagar, com pagamento vinculado ao preço mínimo do milho e isso foi a salvação da agricultura naquela oportunidade”, observou Modesto Félix Daga, diretor do Sindicato Rural. Nascia o Plano Real, que com a nova Constituição deu estabilidade ao país.
“Profissionais liberais passaram a investir recursos na aquisição de propriedades rurais, conferindo aos agropecuaristas da região um novo e dinâmico perfil sociocultural. São engenheiros, médicos, dentistas e advogados, que diversificaram suas atividades e investiram capital na aquisição de terras” (Irene Spies Adamy, Entidades Rurais Patronais do Oeste do Paraná e o I PNRA).
Não era mais o Oeste do Paraná atormentado pela expulsão das famílias das décadas anteriores. O descuido com o planejamento no período anterior à Constituição de 1988 cedia espaço aos cuidados com a realidade rural e urbana.
“No dia 25 de março de 1925, [padre] João Gualberto chegava ao lugar Tormenta Grande, local aberto e cercado de pinheiros, a duas léguas de Catanduvas, onde os rebeldes haviam acampado e escavado muitas trincheiras.
“Havia balas e cartuchos em abundância espalhados pelo solo. Naquele local, os rebeldes foram cercados por um contingente legalista composto em sua maioria por baianos. Houve luta por dois dias inteiros, quando outros legalistas vieram em socorro dos baianos, afugentando a maioria e prendendo alguns dos rebeldes.
“Foram registradas muitas baixas. Uma casa que havia no local estava esburacada pelos tiros. Uma granada atravessou a parede, mas não explodiu. A família que ocupava a casa teve tempo de fugir para o mato”.
(João Olivir Camargo, Nerje)
Enquanto isso os legalistas tomaram mais posições estratégicas nas cercanias de Catanduvas, como a Fazenda Floresta e Cajati, localidade ocupada dia 27 de março no flanco direito dos revolucionários. Eram mil homens do governo contra 30 rebeldes.