Não era o que o jovem médico Sandino Erasmo de Amorim havia programado aos 25 anos, decidido a se mudar de Curitiba para Foz do Iguaçu, onde o aguardava uma ótima oportunidade de trabalho no início de 1958.
No caminho para a fronteira, ouviu no ônibus relatos pavorosos sobre um lugar por onde logo teria que passar: Cascavel, sobre o qual se dizia haver crimes sangrentos até dentro da igreja. Os crimes de fato aconteciam, mas na região do Rio Piquiri, onde havia conflitos de terras.
O crime dentro da igreja era um exagero. Na verdade, ocorreu um assassinato ao final de missa dominical diante da antiga igreja de madeira de Santo Antônio, na mesma localização da atual. Em raro crime passional, uma adolescente foi morta por um rapaz com quem ela se recusou a namorar.
Em todo o caso, o plano de Amorim era chegar de imediato a Foz do Iguaçu e lá se estabelecer. Aí teve o grande “azar”: o ônibus quebrou justamente naquela pequena cidade de nome assustador – Cascavel – e o médico se viu na contingência de procurar um hotel para pernoitar.
Abrigou-se no Hotel Americano, construído para receber os aviadores do Correio Aéreo Nacional. Ali, a noite começou desastrada, mas acabaria calma para aquele jovem goiano de Jaraguá.
No início da década de 1950, Sandino foi cursar Medicina na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, enquanto trabalhava no Hospital São Vicente, que pertencia ao tio Benedito Amorim, irmão de seu pai.
Formado em 1957, tudo havia sido uma existência bafejada pela sorte. Só em Cascavel ele iria amargar o primeiro imprevisto sério: o ônibus avariado. Mas sua má impressão se desfez naquela noite ao ser apresentado no hotel ao farmacêutico Jorge Pereira do Vale.
Com farmácia na atual Rua Sete de Setembro, atualmente loja Bigolin, na esquina com a Rua Rio Grande do Sul, Jorge morava no Hotel Americano.
Pertencente ao gaúcho Fabrício Vieira de Mello, alcunhado de “Americano”, o hotel ficava na esquina da Avenida Brasil com a atual Rua Antônio Alves Massaneiro, onde futuramente se instalaria uma agência do Banco do Brasil.
Ali Amorim foi arrancado da boataria que trouxe na cabeça a respeito de Cascavel e se rendeu ao apaixonado otimismo de Jorge, que vivia na cidade desde 1946, quando prestava serviços de enfermagem aos operários que construíam a futura BR-277.
A noite de preocupação que Amorim considerou o pior azar de sua vida foi dissolvida pelo ânimo conquistado ao conhecer o farmacêutico Jorge. De resto, ainda sem a Ponte Internacional, Foz do Iguaçu era tida como um fim de mundo, até porque o pior trecho da viagem era justamente entre Cascavel e a fronteira.
O médico, depois desse excelente contato e ao se inteirar das estatísticas surpreendentes de Cascavel, logo reconheceu o potencial de progresso da cidade e resolveu nela se instalar.
Foi um golpe de sorte conseguir seu primeiro consultório, nos altos da Farmácia São Roque, na Avenida Brasil, na época também sua moradia, pois ainda era solteiro. Mais tarde casou-se com a professora Dione Zeni, com quem não chegou a ter filhos, e morou na Rua Barão do Serro Azul.
Segundo médico a se instalar na cidade, depois de Wilson Joffre, Sandino se notabilizou por fazer o que na China se chama de “médico-de-pés-descalços”, ou seja, o tradicional médico da família.
Seguia às casas dos pacientes de bicicleta, como um operário indo para o trabalho. A diferença é que no lugar da marmita levava a maletinha com o estetoscópio.
O primeiro médico, Wilson Joffre, atendia no Hospital Nossa Senhora Aparecida, de sua propriedade, enquanto Sandino visitava os pacientes em suas casas, muitas de difícil acesso, devido à precariedade ou inexistência de ruas.
Desde março de 1958 já instalado em Cascavel, os casos em que o internamento era necessário o médico Amorim inicialmente levava ao Hospital Nossa Senhora Aparecida, de Wilson Joffre.
Mais tarde, operava no Hospital Nossa Senhora da Salete, do médico Edo Peixoto. Depois instalou seu próprio hospital, o Santa Catarina, na Rua São Paulo, em sociedade com Luiz Carlos de Lima.
A negociação para obter a área foi mais um golpe de sorte para Sandino, mas um grande azar para o ex-inspetor estadual de Terras e vereador, José de Oliveira, que morava próximo ao Colégio Auxiliadora, em excelente localização.
Lima e Amorim se aproveitaram que nos primeiros dias da ditadura 1964–1982 (https://x.gd/UisuA), o inspetor estava foragido, acusado de participar da oposição ao governo, e sua casa estava livre.
Oliveira autorizou o uso do imóvel, um casarão de madeira que Amorim considerou funcional para o Hospital Santa Catarina, mas pretendia em breve construir um vasto hospital, à altura das necessidades da região.
Em seus planos estava trazer o irmão Adarcino Adolpho de Amorim, formado em Clínica Geral pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná, em 1970. Ele efetivamente veio e se tornou de imediato outra grande referência na medicina local, mesmo também tendo seus azares.
Sandino, concentrado na medicina, demorou a perceber que seu maior azar se deu uma década depois de chegar: não imaginar que Cascavel cresceria muito mais do que ele supunha.
Era o dono de 55 milhões de alqueires, terras sem grande valor na época. O advogado Edi Siliprandi chegou a Cascavel em 1966 e ao fazer a barba com Teodoro Nardi soube daquelas terras maravilhosas com valor bem abaixo do mercado em Pato Branco, onde morava e tinha imobiliária.
Siliprandi, vindo com a missão de propagar o Estado do Iguaçu, sentiu para onde o vento da prosperidade soprava. “Fiz um contrato com o Amorim. Ele me dava a concessão de venda, eu loteava”.
Surgiu assim o loteamento Esmeralda. Quando Edi começou a ganhar dinheiro vendendo os terrenos, com a explosão imobiliária que veio com a soja, Amorim quis desfazer o negócio.
“A documentação dessa venda em cartório desapareceu como que por encanto”, disse Edi, que se sentiu prejudicado e recorreu à Justiça. Por fim o médico e o advogado se entenderam: Siliprandi acrescentou mais um valor razoável em dinheiro e completou o negócio com um Fusca – automóvel Volkswagen lançado em 1958.
O projeto de Sandino Amorim de construir um grande hospital não pôde ser concretizado porque a morte lhe sobreveio repentinamente, no dia seguinte ao Natal de 1975, em acidente aéreo, aos 43 anos.
Foi também a cota de azar do irmão Adarcino, que se viu na contingência de assumir a direção do Hospital Santa Catarina e tentar dar forma ao sonho do irmão falecido. As dificuldades conjunturais da época – a crise mundial do petróleo e a Década Perdida da ditadura (anos 1980) – inviabilizaram o projeto e a casa de saúde foi vendida a médicos estabelecidos em Nova Aurora, que mantiveram por logo tempo a denominação tradicional.
O irmão médico Adarcino Adolpho Amorim também nasceu em Jaraguá (GO), em 12 de fevereiro de 1941. Formou-se clínico geral pela Universidade Federal do Paraná, com especialização em Pediatria, e ao chegar ao Oeste se assustou com a desnutrição, a verminose e o peso das superstições e crendices nos costumes das famílias, tratadas só a orações, benzimentos e ervas catadas no mato.
Casado com Janete Maria Lunardi, três filhos, Adarcino foi secretário Municipal da Saúde na primeira administração Tolentino (1983–1988). Vereador em 1992, defendeu a adoção do programa de planejamento familiar que desenvolveu na Prefeitura e o tornou conhecido em todo o país, que tinha como item a laqueadura de trompas para mulheres pobres. Morreu em 10 de setembro de 2012.
Providencialmente, um ano após a morte de Sandino começava a se realizar ao lado de sua antiga propriedade, no bairro Esmeralda, o grande sonho que a fatalidade não lhe permitiu concretizar: surgia o Hospital Regional, atual Universitário.
Sem confessar o vexame do combate entre suas próprias forças, o caudilho gaúcho Borges de Medeiros mentiu ao presidente Bernardes por telegrama:
“Capitão Prestes com 180 homens, quando descia em canoas o Rio Uruguai, foi descoberto destacamentos legais e obrigado também internar-se na Argentina com alguns oficiais”.
Na verdade, Prestes atravessou o Rio Iguaçu na altura da foz do Rio Floriano, mas já era tarde para socorrer os rebeldes paulistas no Paraná. Em 28 de março de 1925, na vã esperança de receber os soldados gaúchos em Catanduvas, a resistência rebelde não tinha mais salvação.
No dia 29, às 19h, a rendição foi definida. Seria formalizada na manhã seguinte. Entretanto, às 21h, com os governistas a 200 metros de sua retaguarda, os rebeldes receberam um bilhete do capitão Nereu Guerra: entregar-se já, porque o assalto às posições de Catanduvas seria no alvorecer do dia 30 e não lhe era possível sustar a ordem, vinda de cima.
“Não havia razões para deixarmos de atender àquele apelo. Não era só a nossa vida que estava em jogo; era a de quatrocentos companheiros dedicados que se sacrificaram durante muitos meses, combatendo com fome, com sede sob a chuva, maltrapilhos e friorentos.
“Eram duas horas do dia 30 quando chegamos às posições governistas, de cabeça erguida, sem sentir humilhação de espécie alguma, não tendo havido lágrimas, nem outros pieguismos semelhantes. Estava encerrada, apenas, uma fase da campanha” (Tenente Castro Afilhado, citado por Hélio Silva em A Grande Marcha).