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Juiz Engelhardt: suavidade em tempos violentos

Ele percebeu que a injustiça vem principalmente do abandono e dos direitos lesados 

Por: Time de redação Fonte: Alceu Sperança
18/05/2025 às 09h36
Juiz Engelhardt: suavidade em tempos violentos
Juiz Hélio Enor Engelhardt, o Recanto da Criança, originado pela Fiturmel, e o advogado Arnaldo De Bona, que chamava o juiz de “bobina”

O juiz Hélio Enor Engelhardt viveu em Cascavel situações extraordinárias por conta da época. Em plena ditadura civil-militar, a política era asfixiada pela censura à imprensa, com prisões de opositores e o início do desastre econômico que resultaria na Década Perdida.

Curitibano, bacharel em direito pela Universidade Católica do Paraná, Hélio Engelhardt nasceu em 10 de fevereiro de 1931, filho de Otto Engelhardt e Laura Ellen Fernandes Lima. 

Juiz substituto em junho de 1964, foi nomeado para as Comarcas de Pato Branco, Francisco Beltrão, Santo Antonio, Palmas, União da Vitória e Chopinzinho. Juiz de direito desde abril de 1966, exerceu a função nas comarcas de Coronel Vivida, Capanema, Cascavel e Curitiba. 

Sua história em Cascavel começa em fevereiro de 1969, quando a cidade aguardava a inauguração do trecho asfaltado da BR-277 até Foz do Iguaçu, raro momento de alegria em meio a uma situação mundial e nacional deprimente. 

Crises política, econômica e social

Em todo o mundo a juventude se erguia contra a repressão, torturas e mortes de opositores, desumanidades da chamada Guerra Fria, situação em que as pessoas eram rotuladas como pró ou contra os EUA ou a antiga União Soviética.

Quem contrariava o regime fugia ou era preso. Ao chegar a Cascavel, o novo juiz fez um levantamento da realidade social da região de alcance da Comarca. Percebeu que também aqui havia polarização entre apoiadores violentos do governo e opositores que reagiam com atos de sabotagem.

Havia brigas entre advogados e o juiz Engelhardt precisou lidar com os atritos entre eles e deles com o Judiciário, que funcionava com limitações e falta de recursos. O papel do juiz, diante das confusões reinantes, foi atuar como pacificador, exigindo um trabalho mais profissional e cuidadoso dos chamados “operadores do Direito”. 

O “juiz-bobina”

Por seu rigor e detalhismo para tomar as decisões, o juiz colecionou atritos com os advogados que pretendiam resolver de imediato as pendências junto ao Fórum.

O estilo meticuloso de Engelhardt lhe valeu o apelido de juiz-bobina (“era enrolado”) pelos advogados mais exigentes, como Antônio Arnaldo De Bona e Valdir Webber, que certa vez se irritou com o juiz por interromper a audiência “umas cem vezes”. 

Em episódio narrado no livro “Cascavel, a Justiça” (https://x.gd/ZEuKg) Webber disse que o juiz parou de ouvir as testemunhas para permitir que um vendedor de rosas, citros e outras plantas entrasse na sala. 

Segundo o advogado, que desistiu da profissão e foi secretário municipal da Cultura, o juiz chegou a perguntar ao vendedor qual limão era o mais adequado para fazer “caipirinhas”.

Engelhardt conseguiu o feito de unir os advogados após tenso episódio em que deu voz de prisão ao agressivo Arnaldo De Bona. A solidariedade ao detido, que por ser amigo do delegado Gidaltti do Nascimento nunca foi encarcerado, uniu as alas divergentes dos advogados e fortaleceu a OAB.

Aguda visão social

Na sociedade, a mecanização da agricultura trouxe o fenômeno negativo do êxodo rural. Em tempo de ditadura, com o governo descuidando do planejamento social, um dos piores impactos na época era a dissolução das famílias rurais.

Homens que seguiam às frentes madeireira e agrícola de Mato Grosso, Amazônia e Bahia abandonavam esposas e filhos. A criminalidade juvenil disparou e para organizar uma ação conjunta da comunidade o juiz promoveu já em 1969 consultas entre as lideranças locais e esboçou uma estrutura de atenção à infância desassistida.

Com o apoio das senhoras da Legião de Maria da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, a primeira providência foi alugar uma casa na Rua Fortaleza para atender 17 adolescentes entre 15 e 17 anos. Não foi suficiente e logo outra casa foi aberta na Rua Sete de Setembro, atendendo 12 crianças e adolescentes com idades abaixo de 12 anos.

Era a base para a criação, em 30 de novembro de 1971, da Fundação da Indústria Turística Para Reclusos e Menores de Cascavel (Fiturmel), origem do Recanto da Criança e da Casa Lar.

Base das políticas pró-infância

A instituição deveria concentrar esforços para minimizar o abandono infantil, que rapidamente resvalava para a criminalidade juvenil. Era dever da sociedade consciente tirar das ruas as crianças abandonadas por retirantes e condenados à prisão, que ao crescer se tornavam adolescentes recrutados por quadrilhas para roubar e se prostituir.

A entidade projetava o preparo de mão de obra para atender às necessidades urbanas, dentre as quais o turismo, a ser escorado pelo desenvolvimento do automobilismo e do papel de centro-polo regional que Cascavel passava a exercer, como sede da Associações dos Municípios do Oeste do Paraná (Amop) e cidade universitária.

A Fiturmel fez sua sede em terreno doado pela Prefeitura na Rua Santa Catarina, esquina com a Rua Marechal Deodoro. A instituição socorria crianças e adolescentes de 0 a 18 anos, filhos de pais em situação prisional ou separados. 

As mães podiam residir no local e auxiliar na rotina de cuidado diário. “Em 1976 a casa atendia um total de 210 crianças, distribuídas em uma estrutura composta por uma creche e 4 alojamentos” (https://x.gd/BzTto).

Em 1977 as atividades se expandiram para a criação de uma escola de ensino fundamental e no ano seguinte passou à administração da Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Cascavel (Fecivel), futura Unioeste.

A maior “enrolação”

O apelido de “juiz-bobina” colou em Hélio Engelhardt após um incêndio, ocorrido na Colchoaria Espanha (Rua Carlos de Carvalho), pertencente ao espanhol José Rodrigues Martínez, em 2 de outubro de 1971. 

O episódio foi contado em tese acadêmica pelo historiador Vladimir José de Medeiros (https://x.gd/HDN9J). Havia certeza de que o incêndio foi causado por uma mulher de rua conhecida por Maria Ribeira, de 35 anos, supostamente doente mental.

Todos a conheciam: era alcoólatra e se envolvia em brigas com homens que a assediavam nas noites. Foi acusada de invadir o depósito da fábrica de colchões para passar a noite e ali seu cigarro aceso teria causado o incêndio.

A dúvida estava em se ela realmente pôs fogo no estabelecimento, e se pôs em qual circunstância: por acidente ou de propósito? Uma versão dizia que ela pediu um colchão e ao lhe ser dito que precisava pagar, prometeu botar fogo no local. 

Outra versão era que foi coagida por policiais a assumir o crime para pôr fim às investigações e tirá-la de circulação. Analfabeta, sem documentos, sua presença nas ruas era um estorvo. 

Em seu depoimento, Eugenio Amiero Fernandes, sócio de Martínez, disse ter ouvido falar que a autora era Maria, mas o caso se complicou ao se saber que o seguro da colchoaria estava apenas em nome de Eugenio, omitindo o sócio Martínez. Depois disso, Amiero se mudou para o Mato Grosso. 

O caso se arrastou até 1975 porque o juiz Hélio Engelhardt queria ter certeza sobre os fatos. Não lhe bastava a suposição de que Maria era alcoólatra e seu cigarro teria incendiado o prédio.

Pergunta sem resposta

O juiz mandou intimar a acusada, mas o oficial de Justiça nunca a localizou. Em 1973 ela foi finalmente considerada revel por não se apresentar em juízo. O advogado Wilson Lopes, designado como seu defensor dativo, apontou que se ela fosse a autora do incêndio o crime já estava prescrito em 1975, quando haveria o julgamento final. 

O juiz, sem convicção quanto ao crime ser efetivamente cometido pela acusada desparecida, deixou o caso prescrever? Seria ela uma das mulheres abandonadas por maridos retirantes? 

Um ano depois do encerramento desse caso, Engelhardt recebeu da Câmara Municipal o título de Cidadão Honorário de Cascavel por seu bom senso em questões jurídicas e sensibilidade na resolução de problemas sociais.

Deixando Cascavel em 26 de setembro de 1978 e seguindo para Curitiba, em 1990 foi nomeado juiz do Tribunal de Alçada e em 1999 promovido a desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná. 

Casado com Therezinha de Jesus Gomes, o juiz Hélio Enor Engelhardt teve com ela três filhos. Aposentado em maio de 2000, morreu em maio de 2024, com 93 anos.

Quanto à instituição que ele criou, em maio de 1979 o Centro Social Beneficente da Paróquia São Cristóvão assumiu o domínio social da Fiturmel e muitas mudanças nas políticas para a infância e juventude ocorreram nos anos seguintes. 

100 anos da revolução: Impressões de Prestes 

Luiz Carlos Prestes seguiu para Foz do Iguaçu enquanto Miguel Costa foi ao Depósito Central, nas cercanias da futura cidade de Cascavel, que só começaria a se formar em 1930, onde organizou uma posição defensiva.

“Era guarnecida por um batalhão de infantaria, um pelotão de cavalaria e uma seção de artilharia. Essa posição devia cobrir o escoamento da coluna gaúcha pela estrada de Santa Helena.  

“Após a junção dos remanescentes paulistas com a coluna gaúcha, os governistas abordaram Santa Tereza, havendo daí se retirado os rebeldes nas direções de Santa Helena e Foz do Iguaçu” (Ney Salles).

Em Foz do Iguaçu, os revolucionários paulistas deixaram o legado de ter assumido os papéis que caberiam à Prefeitura. Prestes tratou de fazer contatos com a população civil para sentir o pulso da população.

“Eram gente muito boa. Para dar um exemplo só, um oficial da Coluna foi à Argentina e, quando nos viu acampados e cozinhando ao relento, pediu que voltássemos ao Brasil, que eles nos dariam proteção. A luta deles era pela liberdade e por melhores condições de vida para o povo” (Marieta Shinke, esposa do fotógrafo Harry Shinke, jornal Nosso Tempo, 14/1/1981.)

Fotógrafo Harry Shinke, com o vereador Jorge Werner: chamado de volta a Foz do Iguaçu por Prestes

 

 

 

 

 

 

 

 

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Alceu Sperança
Alceu Sperança
Jornalista e escritor.
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