Morto no dia 13 de maio, aos 92 anos, o comerciante Antônio Vaz de Chaves atendeu por muitos anos a uma clientela formada por policiais civis e militares que repentinamente passaram a ser artistas e ativistas culturais.
Militar que nos anos 1950 trabalhou no serviço geográfico do Exército, ao se reintegrar à vida civil adquiriu imóveis em Cascavel, em um dos quais abriu seu Bar Ubiramar, anexo à moradia, diante do quartel e delegacia de polícia, na Rua Duque de Caxias.
As instalações policiais foram instaladas em 1958. A partir da construção do Centro Cultural Gilberto Mayer, em 1982, tudo mudou: o bar deixava de ser frequentado por policiais fardados e familiares dos presos mantidos na prisão anexa à 15ª Delegacia de Polícia para receber atores, escritores, fotógrafos, estudantes e jornalistas.
Na fase dos fardados e depois na fase dos artistas, Chaves mantinha sempre o bom humor, mas em muitas ocasiões precisou ser firme com clientes que se excediam na bebida: “Tenho um rabo-de-tatu (açoite) que às vezes ajuda muito”, dizia.
Quando foi instaurado o regime civil-militar de 1º de abril de 1964, Chaves tinha franca simpatia pela promessa de limpar o país que respaldava a troca de governo. No entanto, anos depois sofreu o dissabor de ter seu nome envolvido num escândalo que tinha como alvo o prefeito Octacílio Mion (1926–2015).
Acusados para ser presos e mortos
O episódio foi detonado por delações, a habitual deduragem que corre solta quando um regime de força se instala. Os bajuladores dos poderosos denunciam desafetos, inimigos e concorrentes como vilões a ser presos, torturados e mortos a qualquer pretexto.
Culpado ou não, o denunciado tinha que provar inocência, mas os denunciadores não precisavam apresentar provas. Com isso, os delatores não tinham receio em acusar pessoas com quem mantinham disputas econômicas ou políticas.
A deduragem sem provas prosseguiu até a Comissão da Verdade e posterior decisão do STF, em 2017, quando documentos sigilosos da ditadura vieram à luz, passando sob o crivo judicial, limpando os nomes dos cidadãos envolvidos indevidamente, como foi o caso de Antônio Vaz de Chaves e muitos outros em Cascavel.
O incômodo de Chaves começou em 9 de agosto de 1976, quando o promotor público Manoel Vicente de Oliveira Mello, membro da seção paranaense da Comissão Geral de Investigações do Ministério da Justiça, comunicou aos superiores o processo 166/70, “instaurado para apurar atos de corrupção administrativa e de enriquecimento ilícito” de Octacílio Mion.
O caso da Rodoviária
Mion foi acusado no meio de seu segundo mandato (1969–1972) de engendrar em seu primeiro mandato como prefeito (1961–1964) “um plano de enriquecer ilicitamente, consistente na apropriação, para si” de 57 lotes na cidade.
Doze desses terrenos foram escriturados para José Smarczewski, o Zé do Torno, e sete para Elza Smarczewski, sua irmã. Seis para Alceu Barroso Filho, cinco para Rud Bruner, quatro para Antônio Vaz de Chaves e os demais 23 para outras pessoas supostamente relacionadas a Mion que o acusador dizia serem seus “testas de ferro” em negócios ilícitos.
Também seriam “testas de ferro” de Mion os participantes das ações para a construção da Estação Rodoviária de Cascavel na Rua Carlos Gomes. A Prefeitura doou a área em 29 de agosto de 1964 ao arquiteto Gustavo Gama Monteiro e seu sócio, o engenheiro Roberto Brandão, com a condição de construir a rodoviária.
Brandão era o dono da empresa que asfaltava as ruas da cidade. Monteiro foi o arquiteto que projetou a Avenida Brasil, a Catedral e a própria Rodoviária. Os dois se comprometeram construí-la em troca do imóvel.
Essa área foi depois passada por eles a Adolpho Cortese (1929−2003), um dos criadores da Coopavel, e a Euclydes Formighieri (1933–2010), que se notabilizou na presidência da Sociedade Rural do Oeste, primo da esposa de Mion, Carolina (1923–2014), que consta no processo como intermediária dessas transferências.
O Aero-Willys e a pá-carregadeira
O processo continua desfilando acusações e dando nomes de pessoas que seriam “testas de ferro” de Mion, caso de João Daniel Zimmermann (1930–1992), que seria beneficiário de um automóvel Aero-Willys dado como propina na compra de uma pá-carregadeira junto à empresa Nodari, pertencente a um dos fundadores da Acic – João Pedro Nodari.
Outros ainda mencionados seriam José Pacheco e Antônio Botelho, também de famílias tradicionais de Cascavel.
“As ações ilícitas do indiciado [Mion] eram ilimitadas”, segundo o denunciante Manoel de Oliveira Mello. “Tirava proveito de tudo que pudesse levá-lo a qualquer vantagem financeira. Assim é que, além das tramas nas transferências dos lotes urbanos, da participação da negociata na construção da Rodoviária, de ter lesado os cofres públicos com avaliações ínfimas nos impostos de transmissão inter-vivos, o indiciado praticou outras inúmeras irregularidades, todas com o propósito de enriquecer ilicitamente”.
Chocado com essas agressões, Mion foi notificado em 17 de setembro de 1976 pelo coronel Raymundo Negrão Torres, presidente da submissão da CGI no Paraná. Estava intimado a responder a essas acusações no prazo de oito dias, acrescentando à resposta sua declaração de bens “com especificação minuciosa quanto à respectiva origem”.
“Absurdo da imputação”
Mion respondeu que pegou a Prefeitura em cinzas, atacada por um incêndio criminoso, e para refazer a administração precisou vender os poucos imóveis que haviam restado à Prefeitura.
Não era verdade que ele havia escriturado 57 imóveis da Prefeitura para “enriquecimento ilícito”, até porque a maioria dos terrenos listados foram vendidos pelo prefeito anterior, Helberto Schwarz.
Mion disse que só passou escritura de um lote para Júlio Tozzo, três para a Sociedade Paraguaçu e um para Antonia Bublitz. Dois dos terrenos que Mion teria escriturados na verdade pertenciam ao Estado do Paraná e um ainda pertencia à Prefeitura.
Por conta dessas comprovações, escreveu Mion ao coronel Torres, quem o denunciou à CGI “não tem o senso mínimo de responsabilidade, pelo absurdo da imputação”. Para o prefeito de Cascavel, era uma trama com interesses eleitorais. Ele suspeitava do envolvimento de um delegado de polícia e um senador, cujos candidatos Mion derrotou nas eleições de 1968.
O maior absurdo, porém, foi a acusação sem um pingo de consistência de haver manobras ilícitas no caso da Estação Rodoviária. Mion desmontou a denúncia expondo a documentação dos procedimentos, começando pelo decreto 18/63, de 27 de agosto de 1963.
Nesse decreto, Mion nomeava os cidadãos Itasyir Antônio Luchesa (comerciante), o major Oscar Ramos Pereira, respeitado militar, o engenheiro Ciro Bucaneve e o vereador Moacir Bordignon para formar uma comissão sob a presidência do prefeito para avaliar as propostas dos interessados em construir a nova Estação Rodoviária, prevista pela lei municipal 227, de 11 de junho de 1963.
Tudo em pratos limpos
O edital de concorrência, publicado no Diário Oficial do Estado, determinava as normas para o contrato de concessão pública e a data de 31 de outubro de 1963 para o julgamento. Nessa ocasião, a comissão decidiu por unanimidade a doação da área ao arquiteto Gustavo Gama Monteiro, sem precisar o voto minerva do prefeito.
Hoje, quando se conhece a história do arquiteto Gama Monteiro (https://x.gd/X77AF), nota-se a presença de seu trabalho pelos pontos mais destacados da cidade – Avenida Brasil e Catedral, por exemplo, enquanto o promotor Manoel Mello se desmoralizou por não conseguir provar nada.
Mion também desmontou a denúncia de que teria escriturado em favor de supostos “testa de ferro” dezenas de imóveis em um fantasioso esquema milionário de corrupção. Na verdade, foram quase todos escriturados anteriormente pelo prefeito Helberto Schwarz e pelo Estado, dentre eles os quatro lotes do ex-militar Antônio Chaves.
As pesadas acusações, ofendendo sem provas o prefeito de Cascavel e vários cidadãos respeitáveis da comunidade, que hoje são nomes de ruas e escolas, foram completamente desmoralizadas pelos fatos.
As pessoas mencionadas como “testas de ferro” do prefeito foram algumas das que mais ajudaram o Município a se recuperar depois do incêndio da Prefeitura, em 1960.
100 anos da revolução: Erro dos historiadores
As forças governistas, no encalço dos revolucionários, abordaram Santa Tereza quando os rebeldes já haviam partido nas direções de Santa Helena e Foz do Iguaçu.
“A tropa legalista seguia os revoltosos nas direções Cascavel–Lopeí, Cascavel–Benjamin e ao longo da rodovia estratégica. Nessa ocasião ocorreu em condições misteriosas a morte do capitão Leônidas Marques no acampamento governista estabelecido na picada entre Cascavel e Benjamin mais ou menos na região que hoje leva seu nome” (Ney Salles).
“É instalado na região de Toledo o posto avançado do comando do destacamento Norte das tropas federais sob as ordens do coronel João Manoel de Souza Castro, para dali lançar ofensivas contra os revolucionários paulistas junto ao Rio Paraná, no trecho entre Porto Mendes e Porto Britânia” (Luiz Alberto da Costa, Calendário Histórico de Toledo).
A menção a “Cascavel” se refere ao local em que no futuro haveria a cidade, de fato só iniciada em 1930. Toledo também não existia antes de 1946.
Os soldados gaúchos se uniram aos paulistas em Foz do Iguaçu no dia 11 de abril de 1925, estabelecendo as principais diretrizes do movimento revolucionário para a fase que se iniciava a partir do Oeste do Paraná.

Fonte: Alceu Sperança