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Presidente da Câmara foge para não morrer

A conselho do Exército, o presidente da Câmara de Cascavel, vereador Alir Silva, fugiu da cidade para não desafiar ameaças de morte
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Por: Alceu Speranca - Jornalista e escritor

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Presidente da Câmara foge para não morrer

A conselho do Exército, o presidente da Câmara de Cascavel, vereador Alir Silva, fugiu da cidade para não desafiar ameaças de morte
Alir Silva e a parte do Hotel Pompeu dos Reis que virou delegacia especial de polícia após o incêndio da Prefeitura, em 1960

Primo do desembargador José Munhoz de Mello, criador da Comarca de Cascavel, Alir Silva era ligado à elite paranaense e homem de confiança das autoridades estaduais até que sua atuação administrativa e sobretudo política no interior lhe abriu os olhos para as violências praticadas contra os posseiros.

Depois de décadas estimulados pelo governo a ocupar os espaços vazios do interior para fazer a terra produzir, entusiasticamente exortados nesse sentido pelo governador Manoel Ribas, os posseiros nos anos 1940 eram roubados por jagunços com licença para matar acobertados pela polícia paranaense.

Nascido em Curitiba, em 13 de abril de 1923, Alir desde cedo se envolveu com literatura e jornalismo, atividade que o levou a integrar o Centro de Letras do Paraná, além de transitar pela burocracia do Estado na capital e Norte do Estado.

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No fim da década de 1940 ele estava na Polícia Civil em Londrina, chamado pelo delegado Edmundo Mercer Jr, que se destacou até chegar ao posto de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado.

Então com 26 anos, Alir era o chefe da Seção de Investigações da Polícia londrinense e foi procurado pela imprensa em outubro de 1949 para explicar um misterioso caso de ataques (“pravidades”, segundo o jornal Paraná-Norte) a jovens e crianças atribuídos a vampiros.

Dos vampiros aos pistoleiros

Segundo os rumores correntes na cidade, seriam “vampiros ou leprosos” os agressores, mas nenhum caso havia chegado ao conhecimento da polícia. Eram apenas boatos, pois os casos de feridos que chegaram à Santa Casa não confirmavam as fantasiosas suposições (Grileiros, jagunços e vampiros, Preto no Branco, 17/2/2023).

Alir preferiu deixar de caçar fantasmas na polícia e passou a dirigir o Departamento de Terras da Fundação Paranaense de Terras e Colonização, função que o encaminhou ao Oeste em 1955. Alir era o chefe dos inspetores de terras, mas os encontrou cometendo barbaridades no Oeste.

“Enganados pelos inspetores de terras, muitos posseiros reclamam seus direitos e uma caravana policial incendiou ranchos, destruiu roças, violentou mulheres e matou muita gente” (Noel Nascimento, A Revolução Brasileira e Lutas Sociais no Paraná).

Integrado à comunidade, nas eleições municipais de 1956 foi o vereador mais votado pelo PSD. Frente aos fatos, Alir preferiu usar seu cargo no Estado e o mandato de vereador em Cascavel para defender os posseiros.

No fim da década de 1950, já com população urbana de seis mil habitantes, Cascavel vivia um período de muito banditismo em decorrência da luta pela terra e na cidade havia rancorosa polarização político-eleitoral, com trocas de insultos e ameaças de morte.

Alir, assumindo a presidência da Câmara e vendo a polícia atrelada a esquemas partidários, decidiu denunciar as ameaças na imprensa nacional. Em resposta, o jornal Correio da Noite, de Curitiba, publicava em 29 de julho de 1959 uma carta do presidente da Fundação Paranaense de Colonização e Imigração, Artur Faria Macedo, atacando Silva.

Para Macedo, o sensacionalismo das entrevistas de Alir “visa a agitar a opinião do povo” e prometia “procedimento judicial, na forma da lei, pelas injúrias e calúnias”.

Era normal andar armado

Em Cascavel, nessa época, as pessoas portavam armas ostensivamente, mas sem intenções criminosas ou motivos políticos. Havia feras e serpentes venenosas nas zonas de extração da madeira. A agitação das derrubadas e das serrarias levava os bichos a se aproximar da vila silenciosa e justificavam as armas sempre à mão.

No entanto, as brigas políticas tensionavam o ambiente, lembrando os filmes de faroeste. Foi nesse clima tenso que no dia 5 de agosto de 1959 chegou à Câmara de Cascavel um ofício da Corregedoria Militar respondendo à solicitação de garantia de vida feita pelo vereador Alir Silva ao Comando da 5ª Região Militar.

Ameaçado por jagunços e milicianos ligados ao governo por denunciar a Gangue da Terra, Alir sofria ataques e promessas de tratamento com chumbo se não silenciasse. Avisou que se alguém atentasse contra ele, os nomes dos suspeitos já eram de conhecimento dos militares. Seriam “jagunços” do PSD, seu próprio partido.

Preso pelo jagunço

Ignorando que o chefe da polícia em Cascavel era o major Aroldo Cruz, adversário político de Alir, os militares recomendaram à Câmara enviar ofício ao delegado pedindo a revista de pessoas à entrada da sala de reuniões para evitar armas durante as nervosas discussões.

Com efeito, ninguém mais entrava armado na Câmara. Fora dela, porém, as brigas e ameaças não cessaram. Sem ter mais como garantir a vida do presidente da Câmara, os militares o aconselharam a ir embora da cidade, mas nessa mesma primeira semana de agosto, repentinamente, Silva foi abordado por um “jagunço” acompanhado por dois soldados da Polícia Militar.

“Ao dirigir-se à noite para a sede da Câmara Municipal, acompanhado de um amigo advogado, o presidente do Legislativo de Cascavel encontrou um sujeito acompanhado por dois policiais militares que lhe disseram que iam revistá-lo. Após ter-se recusado a permitir a revista, especialmente alegando a inviolabilidade da Câmara em seu recinto, foi agarrado à força e arrastado pelas ruas por mais de um quilômetro, terminando por ser jogado dentro do xadrez com os meliantes” (Jornal Última Hora, São Paulo, 8/8/1959).

Saindo de cena

Atirado a um cubículo na delegacia, Alir permaneceu no local por uma hora e meia. Advertido pelo presidente da Câmara de que haveria consequências se algo lhe acontecesse, o delegado Aroldo Cruz determinou a soltura, temendo a iminente ação do Exército.

Não restava outra saída para Alir a não ser deixar a cidade devido aos riscos concretos de ser assassinado. Uma viatura militar o conduziu a Foz do Iguaçu, de onde passou a denunciar ao país a “tragédia de Cascavel”.

“Os comerciantes Irmãos Bleil, além de serem presos, foram conduzidos sob tiros à presença do delegado. Impera a desordem em Cascavel, sendo que o vereador Alir Silva, preso quando se encontrava na porta da Câmara, chegou à redação da Última Hora clamando por justiça e solicitando a divulgação da desdita do povo de sua região, que vive à mercê de uma série de arbitrariedades”.

De volta a Curitiba, Alir foi à Assembleia Legislativa acompanhado por familiares. Ainda pretendia voltar a Cascavel e assumir a Câmara Municipal. Pediu garantias de vida ao presidente da AL, deputado Guataçara Borba Carneiro, mas, sem partido, já não concorreu mais às eleições municipais de 3 de outubro de 1960, nas quais saíram de cena ele e o delegado Aroldo Cruz, que perdeu para Octacílio Mion a eleição à Prefeitura.

Enfim, pacificação

Em dezembro, dois dias antes da posse do prefeito eleito, a Prefeitura foi alvo de um incêndio que a perícia comprovou ser criminoso. O epílogo dessa história se deu em janeiro, quando o governador Ney Braga trocou toda a polícia de Cascavel.

Uma ala do Hotel Pompeu Reis, na Avenida Brasil, entre as ruas Osvaldo Cruz e Salgado Filho, virou Departamento Especial da Polícia Militar, comandado pelo coronel Lapa. O governador ordenou à nova polícia desarmar a população, recolhendo grande número de revolveres, carabinas e punhais.

Em seis anos de residência em Cascavel, Alir Silva fez muita história. Além de defender os posseiros, foi o responsável pela construção do primeiro estádio de futebol, no local onde hoje está o Centro Esportivo Ciro Nardi, e compôs um hino dedicado ao Município, anterior ao hino oficial, composto pelo maestro Nelson Tramontini.

Reabilitado, finalmente, Alir foi gerente de transportes da Prefeitura Municipal de Curitiba em 1963. Nunca esqueceu Cascavel e sempre manteve contato com jornalistas e escritores da região. Poucos dias antes de morrer em Curitiba, em 19 de dezembro de 2007, pediu que seu poema em forma de cruz fosse entregue à Câmara Municipal:

“Nossa terra jamais será manchada
pelo sangue vermelho.
Graças a Deus a paz
é nosso espelho”.

Muito sangue foi derramado, na verdade, mas não o dele, que fugiu a tempo de se safar apenas com alguns beliscões no antigo cadeião de Cascavel.

A primeira família e o Cascavel Velho

Terceiro presidente da República e primeiro civil no cargo, Prudente de Morais assume em 15 de novembro de 1894 um país mergulhado na crise, com muitas tensões políticas. A Revolução Federalista, em 1894, consumiu recursos e ocupou homens que poderiam cobrir o interior da infraestrutura mínima para o aproveitamento da região.

Mesmo assim, priorizando a infraestrutura, em outubro daquele ano o Estado já punha em operação a telefonia em Foz do Iguaçu, sob o comando do alferes João Gualberto Gomes de Sá Filho (1874−1912).

João Gualberto foi em seguida também designado para cooperar com a Comissão Estratégica, encarregada de construir a estrada Guarapuava−Foz do Iguaçu. Finda a Revolução Federalista, em 1895, começam a transitar pela Estrada Estratégica colonos do Rio Grande do Sul, de Guarapuava e de Ponta Grossa tendo como destino a Colônia Militar do Iguaçu, onde havia a distribuição de terras em troca de serviços prestados.

Foi a construção, pelo ervateiro Augusto Gomes de Oliveira, em 1895, de uma estrada rústica de fundamental importância para o comércio da época o elemento que veio a se constituir no efetivo ponto de partida para o futuro aparecimento do Município de Cascavel: a Encruzilhada dos Gomes.

A trilha, partindo do interior da atual Catanduvas, passava em determinado ponto situado às margens de um ribeirão conhecido pelos herdeiros dos antigos tropeiros como “Rio da Cascavel”, onde havia um antigo pouso ervateiro: o Cascavel Velho. Dali partia uma velha trilha rumo a Lopeí.

A Revolução Federalista chegou ao ponto máximo no Paraná

 

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