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Quando Cascavel tinha só um telefone

O aparelho único fazia parte do Correio e foi usado para fixar o nome da futura metrópole, batizada inicialmente como “Aparecida dos Portos”
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Por: Alceu Sperança

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Quando Cascavel tinha só um telefone

O aparelho único fazia parte do Correio e foi usado para fixar o nome da futura metrópole, batizada inicialmente como “Aparecida dos Portos”
Antigo telégrafo e o primeiro telefone brasileiro. Transferência do equipamento de Lopeí para Cascavel fez muita diferença

O serviço postal começou no Brasil em 1663, para atender à coroa portuguesa, mas só começa no Paraná em 1817, com um correio regular entre São Paulo e o Rio Grande do Sul. O telégrafo só veio em 1852, mas o Paraná entrou na rota da telegrafia mais cedo que o restante do Brasil, com a ligação entre Cananeia e Guaraqueçaba, devido à Guerra do Paraguai.

Único ex-governante do Paraná que também governou o Brasil, o baiano Zacarias de Góes e Vasconcellos presidia o Conselho de Ministros do imperador Pedro II quando, em 4 de agosto de 1864, ameaçou retaliar o Uruguai por supostas ofensas sofridas por brasileiros naquele país. Território, aliás, que antes pertencia ao Brasil, insatisfeito com a perda.

O Paraguai reagiu, proibindo o Brasil de atacar o Uruguai. Ignorando o aviso, o Brasil invadiu o Uruguai em 16 de outubro e logo o líder guarani, Solano López, declarou guerra capturando o navio Marquês de Olinda.

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Durante e depois do conflito com o Paraguai, o Paraná expandiu linhas telegráficas em diversas direções, mas até 1878 os fios mais adiantados rumo ao Oeste estacionaram em Guarapuava.

O governo imperial e o provincial determinaram uma divisão de tarefas: ao primeiro caberia estender os fios, aos paranaenses caberia abrir a estrada e fazer o posteamento. É o telégrafo, portanto, que propicia a ocupação do interior paranaense até as barrancas do Rio Paraná.

Seguindo o Rio Iguaçu

Quando os fios começaram a ser estendidos sobre os postes, já em 1882, teve início o fluxo de colonos para a região anteriormente habitada pelos índios Coroados, hoje desaparecidos.

Em 1884, Firmo Mendes de Queiroz, descendente de bandeirantes paulistas, dono de grande propriedade na área por onde passavam a estrada e a linha telegráfica, doou terras para que nelas fosse construída povoação que passou a ser chamada de [São João Batista de] Capanema – em homenagem ao Barão de Capanema (Guilherme Schüch), cientista, militar e diretor-geral do Telégrafo.

A linha telegráfica teve prosseguimento rumo à fronteira, tanto quanto possível margeando o Rio Iguaçu, por meio do 1º Batalhão de Engenharia do Rio de Janeiro, em regime de severos castigos corporais.

“Meus avós contavam que quando um soldado cometia falta ou desobediência, sofria castigo e represália: prisão solitária ou quatro estacas amarradas pelos punhos e tornozelos, sem camisa para os mosquitos picarem o corpo” (Sebastião Martins, neto de Antônio Luiz Ribeiro e Maria da Glória Bittencourt, encarregados do abastecimento da expedição).

A conquista do Oeste

As obras finais, após seis anos, chegaram a Foz do Iguaçu, sob o comando do capitão Félix Fleury de Souza Amorim (1866−1925), que depois, major, consagrou-se sob as ordens de Cândido Rondon (1865–1958) em sua célebre comissão desbravadora

Ao ser instalada em Guarapuava, em junho de 1888, a Comissão Estratégica do Paraná, planejou a abertura de uma picada até a fronteira, cujos trabalhos começaram em novembro. Fazia parte do planejamento criar postos de abastecimento ao longo do extenso caminho a ser aberto.

A definição do lugar a meio caminho entre Laranjeiras do Sul e Foz do Iguaçu resultou no início da atual cidade de Catanduvas, crescendo em torno do depósito destinado a abastecer as turmas de soldados, trabalhadores e comerciantes que eventualmente percorriam a região.

O trajeto final rumo a Foz do Iguaçu, visto no mapa “Schema das Linhas Telegraphicas do Brazil em 1917”, do acervo da Biblioteca Nacional, mostra que a linha telegráfica passou por Guarapuava, General Mallet (atual Laranjeiras do Sul), Floriano e Catanduvas antes de chegar a Foz do Iguaçu.

Obviamente não teria como passar em Cascavel, vila que só começa a existir em março de 1930.

Muito antes de Cascavel

Com a revolução de 1924 e a vinda dos rebeldes paulistas se tornou urgente estender o telégrafo do Porto São Francisco até a linha que margeava o Rio Iguaçu. A obra telefônico-telegráfica, uma espécie de “5G” para a época, foi realizada a partir do Porto São Francisco sob a direção de João de Almeida Mourão, que estava em Foz do Iguaçu a serviço do governo do Paraná.

Quando a implantação de postes telegráficos já se havia estendido por 51 quilômetros, sua continuidade se frustrou pelo atraso das tropas legalistas em defender o Oeste, surpreendidas pela rapidez com que os revolucionários ocuparam a região, e com isso o posto telegráfico estacionou em Lopeí.

Em 29 de setembro de 1905 o Estado havia passado a Colônia Lopeí à companhia Núñez y Gibaja. O lugar, um entreposto (pouso) ervateiro, ganhou o nome (Lopey) de um antigo empregado da empresa. Ele fazia a manutenção do entreposto e seu nome passou também ao arroio contíguo.

A região de Lopeí, depois da retirada da obrage Nuñes y Gibaja, ficou sob a posse do argentino Theodoro Américo Matteo Soldatti.

A Grande Estrada da Erva-Mate

Era nesse entreposto que Augusto Gomes de Oliveira entregava a produção de erva-mate de sua Fazenda Tormenta, que depois seria levada ao Rio Paraná para embarque à Argentina.

A estrada rudimentar, financiada pela Núñez y Gibaja, ligava a Fazenda Tormenta, da família Gomes, a Lopeí. Já carroçável, por obra dessa família, ao cortar a trilha militar ela foi um dos elementos de formação da Encruzilhada dos Gomes.

A cidade de Cascavel começou nessa Encruzilhada, em 28 de março de 1930, época em que os postes plantados até Lopeí pela equipe do engenheiro Mourão já estavam podres, com os fios pendurados nas árvores da floresta.

Com a revolução de 1930, Jeca Silvério, então arrendatário das terras ao redor da Encruzilhada dos Gomes, passou a ser o proprietário de toda a área, distribuindo lotes a parentes e empregados, originando o projeto de criar uma cidade na velha Encruzilhada. O prefeito de Foz do Iguaçu, Othon Mäder, aceitou a ideia.

Bento e o telegrama decisivo

Em 1931, Silvério pediu ao prefeito para transferir o posto telefônico e telegráfico de Lopeí para a Encruzilhada. Na época, Jeca Silvério estava em queda-de-braço com o prelado de Foz do Iguaçu, monsenhor Guilherme Thiletzek.

O religioso havia batizado a vila, iniciada na Encruzilhada dos Gomes, como “Aparecida dos Portos”, mas Silvério exigia que se chamasse Cascavel, alegando que a lei determinava como topônimo o acidente geográfico mais característico. No caso, o rio e o antigo pouso ervateiro.

Silvério julgou inapropriado o nome “Aparecida dos Portos” por não haver portos nos pequenos rios do Médio Oeste. Uma intensa batalha entre políticos e religiosos se arrastou pelas décadas de 1930 a 1950 para definir o nome do local (https://x.gd/MfYGv).

O desfecho da pendenga teve como personagem decisivo o telegrafista Bento dos Santos Barreto. Nascido em Tubarão (SC) em 14 de fevereiro de 1871, Bento foi admitido no Correio em 20 de maio de 1927, com diária de seis mil réis. A ele foi confiado o Posto Telefônico de Lopeí, remanescente da revolução de 1924.

Para sempre, Cascavel

Com a transferência do posto de Lopeí a Cascavel se instala, assim, o primeiro telefone, essencial à comunicação da vila com Curitiba. Os próximos telefones só viriam em 1958, e à altura da riqueza trazida pela madeira, com a instalação da primeira rede automática de telefonia do Paraná. Nem Curitiba possuía na época esse moderno tipo de serviço telefônico.

Documentos, ordens e comunicados oficiais eram transmitidos rapidamente pelo conjunto telefone-telégrafo. Nesse sentido, a transferência do telefone de Lopeí para a Encruzilhada dos Gomes foi um marco importantíssimo para a evolução do povoado, que em 20 de julho de 1931 passou a ter seu nome oficializado como “Cascavel”.

Foi nessa data que o telegrafista Bento Barreto, a pedido de Jeca Silvério, expediu o primeiro telegrama, no qual trocava o nome de Aparecida dos Portos, dado pelo chefe religioso, para Cascavel, em atenção à lei que determinava referência a lugares pelo acidente geográfico mais característico.

Assim, apoiado no Rio Cascavel, o telegrama inaugural da estação telefônica/telegráfica definiu o nome oficial do lugar. Bento morreu em 27 de maio de 1938 e o posto do Correio passou a ser administrado por Horácio Ribeiro dos Reis, ligado à família Pompeu. Aparecida dos Portos ficou apenas nas crônicas históricas.

A primeira família começa no Norte da Alemanha

O Paraná, com uma população avessa ao trabalho no campo, precisava atrair gente para ocupar as terras mais generosas do mundo e fazê-las, finalmente, produzir.

Embora favorecida por lei provincial específica de 21 de março de 1854, a atração de imigrantes ao Paraná demorou a produzir resultados consistentes, enquanto interesses estrangeiros tomavam conta do Oeste, na trilha do expansionismo britânico.

Ao assumir em junho de 1873 o governo do Paraná, o paulista Frederico José Cardoso de Araújo Abranches (1844–1903) priorizou a infraestrutura para o desenvolvimento da agricultura, pois as estradas são as artérias “que giram seu sangue, o seu futuro, a sua vida, isto é, os produtos da indústria e do trabalho”.

Em 20 de setembro de 1874. zarpa do porto de Hamburgo, no Norte da Alemanha, o navio Shakespeare, trazendo 125 passageiros – um deles, o menino Franz (Francisco) Schiels, de oito anos, cuja família tinha como destino a Colônia Francisca (atual Joinville).

Francisco foi um dos imigrantes que fortaleceu a comunidade de Rio Negro, no Paraná, onde se casou com Balbina Ferreira de Oliveira e teve em 1894 o filho Ernesto, que em 1922 viria se estabelecer no antigo pouso ervateiro denominado Cascavel Velho.

Começou assim, portanto, a primeira família que viria a se estabelecer em Cascavel.

Porto de Hamburgo, Alemanha, de onde partiram imigrantes ao Sul do Brasil

 

 

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