Grande parte do território oestino pertencia, por doação do Império, compra ou expansão de domínios, ao latifundiário franco-argentino Domingo Barthe.
“Dominique Barthe, que chegou em 1877, sem fortuna, da região basco-francesa, onde era um simples trabalhador, hoje possuindo 35 milhões de francos”, escreveu o jornalista francês Jules Huret, após entrevistá-lo no início do século XX. “Ele é ao mesmo tempo comerciante, industrial, armador e banqueiro, tendo 750.000 hectares no Brasil e no Paraguai”.
Barthe estava com doze anos quando um parente o levou à Argentina, procedente de Bayonne, cidade francesa de origem basca. Aos 21 anos estava rico e expandindo horizontes.
“Ele traficou erva-mate, couros, tabaco, madeira, de Posadas a Buenos Aires e vice-versa. Aos 26 anos comprou 5.000 hectares onde colocou 2.000 vacas. Os 5.000 hectares tornaram-se 50.000 e seu gado aumentou da mesma maneira. Aos 35 anos, ele comprou 255.000 hectares” (Huret).
Sua ampla propriedade era quase a metade do Oeste paranaense e fazia parte do chamado ciclo da erva-mate, iniciado ainda no século XIX, quando um acordo de cavalheiros entre os grandes latifundiários argentinos e ingleses que dominavam a região proibia a formação de vilas e cidades.
Difícil construção
Só eram aceitos os acampamentos ervateiros e os entrepostos rigidamente controlados pelos obrageros, os proprietários das grandes extensões de terra autorizadas pelo Império a explorar a erva-mate.
A revelação está no livro Ivirareta – País de Arboles, de Julio Nuñez, filho de Pedro Nuñez, sócio de Lázaro Gibaja em outra ampla porção do Oeste paranaense: “Foi estabelecida uma regulamentação que proibiu a existência de qualquer população permanente nos plantios de erva-mate, expulsando as que haviam sido estabelecidas anteriormente”.
Cascavel, portanto, ainda não existia quando, nos anos 1920, já era anotada a existência de um destacado estabelecimento ervateiro da Companhia Barthe em Rio do Salto, ligado por uma estrada carroçável à Central Barthe, sede administrativa da empresa.
A Central Barthe viria futuramente a ser adquirida pela família Lupion, passando a ser conhecida como Central Lupion, serraria adquirida posteriormente pela empresa Industrial Madeireira do Paraná, da família Festugato.
Sandálio, testemunha viva
A “estrada” Guarapuava–Foz do Iguaçu, na verdade antigas picadas ervateiras interligadas, chegou a Rio do Salto em 1917. Vinda de Catanduvas, atravessava a Fazenda Gomes (de Augusto Gomes de Oliveira) chegando com a primeira etapa a Rio do Salto após transpor o Rio Tormenta, já em território da empresa Barthe, anotou Sandálio dos Santos, que participou da construção da estrada.
Até Catanduvas as obras seguiram rapidamente, já que a estrada inicial havia estacionado ali. Agora o trabalho seria bem mais difícil: não se tratava mais de reabrir uma estrada abandonada, mas de abrir a nova rodovia, justamente quando começava o terreno mais acidentado e difícil, com diversos rios e ribeirões.
Lenta e arduamente, partindo de Rio do Salto, os trabalhos seguiram sob a supervisão do engenheiro Moisés de Marcondes até a abertura da Picada do Benjamim (Boa Vista, mais tarde Céu Azul), de onde seguia para a fronteira.
Na história do Brasil
Rio do Salto, desde bem antes do início da formação de Cascavel, já estava inscrito na história do país. Foi, na revolução tenentista de 1924-5, o Quartel General da Brigada Miguel Costa, reserva da divisão revolucionária que ocupou o Oeste do Paraná por sete meses.
Após a rendição em Catanduvas, em março de 1925, os revoltosos paulistas que escaparam ao cerco trataram de retardar o avanço governista sobre o eixo Catanduvas–Cascavel–Benjamin–Foz do Iguaçu, a fim de permitir a junção com a coluna gaúcha, que transpôs o Rio Iguaçu e marchava para o entroncamento de Benjamin.
Comandava a força de cobertura o capitão Juarez Távora, que organizou em Rio do Salto uma força de resistência para garantir o escoamento dos elementos que se retiravam.
Só escaparam de ser presos pelo general Cândido Rondon os soldados revolucionários que partiram de Rio do Salto e com a coluna gaúcha formaram em seguida a Coluna Prestes.
Caloteiros lesavam as famílias
Depois de novamente tomadas pelo mato, o antigo entreposto ervateiro da Barthe foi visitado em 1943 por João Wenceslau Scheffer, que, com Manoel Ferreira de Lima e Antonio Boeira, percorreu a região, atraente por já ter alguma estrutura viária.
Vindo de Pouso Redondo (SC), Scheffer gostou da área, propícia a empreendimento agropecuários, e trouxe a esposa Honorina Luiza Raupp e sua prole de dez filhos. Naquele mesmo ano, partindo de Cascavel, chegava a família Aquino
O governo fazia no Sul intensa propaganda das terras do Oeste paranaense, atraindo muitas famílias. Isso também dava margem à ação criminosa de espertalhões, sabendo que os colonos dos minifúndios do Sul chegavam com as economias das famílias.
Sem assistência jurídica nem recursos para enfrentar os jagunços e os agentes de empresas colonizadoras que traziam títulos forjados ou duplicados, os colonos perdiam o dinheiro que traziam e as terras ocupadas legitimamente.
Resistir ou torcer por policiais honestos
As manobras para tomar as terras envolviam cartórios, elementos parapoliciais (jagunços) e até a polícia corrompida. Para os lesados, só havia dois recursos: resistir pelas armas ou torcer que as autoridades policiais não estivessem acumpliciadas com os grileiros. Fora disso, a opção era se retirar amargando os prejuízos de tempo, trabalho e dinheiro.
Os irmãos Baraba, Pedro e Luiz, filhos de imigrantes bucovinos, viviam em Mafra (SC) no final dos anos 1940 quando tomaram conhecimento de que o governo do Paraná abriu posses para a ocupação de áreas devolutas.
Chegaram à região em 1949, vindos via Guarapuava, trilhando a estrada por onde se deslocaram soldados revolucionários no movimento tenentista de 1924/5, que por isso é conhecida na região como Estrada Coluna Prestes.
Seguindo as regras da posse, entre 1949 e 1951 eles abriram o mato, fizeram lavoura e voltaram para buscar as esposas em Mafra. Pedro também adquiriu vários terrenos nos arredores da futura Catedral de Cascavel, na área da antiga estação rodoviária.
Certo dia, um homem bom de conversa o convenceu a pagar pelo encaminhamento da escritura dos imóveis. Pedro nunca mais viu nem a escritura nem o dinheiro e descobriu que a área foi registrada por terceiros.
Andar a pé no meio do mato
O prejuízo de Pedro Baraba se inscreve entre os inúmeros casos de descendentes de imigrantes esbulhados por golpistas que logo desapareciam, deixando para trás áreas em conflito. Pedro desistiu de retomar os imóveis, atarefado em suas ocupações em Rio do Salto.
Sem estradas, era difícil para os pioneiros sair do Rio do Salto até a vila de Cascavel, então com apenas dez casas, para comprar sal e querosene, únicas provisões que não conseguiam tirar do sítio.
“No Rio do Salto neste ano de 1949 moravam somente 4 famílias, e a mulher do Luiz Baraba, a Olga Odovane Baraba foi a primeira professora, remunerada mais tarde pela prefeitura. A esposa do Pedro Baraba, Ana Odovane Baraba, foi a única parteira por muitas décadas na localidade. Para buscar o salário da Olga, Luiz madrugava à pé até Cascavel uma vez por mês” (Juselene Barabas Bonatto).
Locais deslumbrantes a visitar
Em 1954, a Prefeitura de Cascavel decidiu construir uma escola em Rio do Salto e apoiar as obras da capela religiosa. Sete famílias viviam na região quando a família Liberali chegou, em 1956, originária de Monte Carlo (RS).
Fernandes José Liberali, vindo de Campos Novos (SC), instalou a primeira serraria do lugar, abriu estradas e construiu pontes. Em 1959 montou sua segunda serraria, loteou o povoado e construiu casas, escolas e a igreja.
Outras famílias vieram em seguida, caso dos Caragnato e dos Zanotto. O dinamismo da comunidade que se estabeleceu nessa época valeu a Rio do Salto a criação do Distrito Administrativo em junho de 1965, confirmado em setembro de 1977.
Além da força econômica, essa região pioneira do interior cascavelense já é uma apreciada área de visitação turística, sobretudo após a inauguração, em 2004, do Parque Municipal Salto Portão – Ponte Molhada. Localizado a 15 km do centro de Cascavel, com acesso pela BR 277, o parque se estende por 121 mil m², com destaque para sua bela cachoeira.
A primeira família: impacto Da Guerra do Contestado
A estrada até Catanduvas e os fios telegráficos com os trabalhos encerrados na foz do Rio Iguaçu já constituíam uma estrutura bastante razoável para estimular a colonização. O problema era como fazê-la sem imigrantes para assentar.
No início de 1907, com o governador Vicente Machado já gravemente enfermo, João Cândido Ferreira assume como interino e decide assinar um ousado decreto.
A medida cria a Comissão de Colonização do Paraná, para assentamentos com “imigrantes estrangeiros, para o povoamento do território e progressivo e eficaz incremento de todos os ramos de atividade e de trabalho”.
Em 1909 ocorreu a terrível “seca dos taquarais”, liquidando totalmente as lavouras. Nesse tempo de estiagem e penúria, vieram vastos incêndios.
As desgraças de 1909 não impediram as autoridades de confirmar que o futuro do Paraná estava em suas áreas ainda inexploradas: as matas do extremo-Oeste haviam escapado da destruição e colonizá-la era essencial.
No entanto, sobreveio a Guerra do Contestado, semeando medo, fanatismo religioso e mortes pelo sertão paranaense, em situação que saiu do controle pela incompetência das autoridades na administração de crises.
