A invasão da Rússia à Ucrânia, em fevereiro de 2022, modificou o destino de milhões de famílias. Entre elas, estão as de 24 cientistas que, após o início da guerra, vieram para o Paraná, onde puderam recomeçar suas vidas como professores e pesquisadores em universidades paranaenses, graças ao programa Acolhida, do Governo do Estado. Algumas dessas histórias são retratadas no documentário Rodyna, lançado nesta quarta-feira (30) na Cinemateca de Curitiba.
Em ucraniano, a palavra Rodyna significa família. A escolha do nome conversa com a proposta do documentário, que busca mostrar tanto as famílias que esses cientistas deixaram em seu país natal, o núcleo familiar que vieram para construir uma nova vida no Paraná e, também, as que acolheram os refugiados aqui.
Cerca de 10,6 milhões de pessoas estão deslocadas de forma forçada na Ucrânia por causa do conflito, 3,7 milhões em deslocamentos internos e 6,8 milhões como refugiados no Exterior.
Estado com uma das maiores comunidades ucranianas fora da Europa, o Paraná se tornou destino de pessoas que precisaram deixar o país por causa do conflito. Pensando nos cientistas que precisaram interromper suas atividades acadêmicas, o Governo do Estado criou então o Programa Paranaense de Acolhida aos Cientistas Ucranianos.
Voltado inicialmente às mulheres, já que os homens muitas vezes são impedidos de deixar o país pela possibilidade de convocação para a guerra, a iniciativa acabou recebendo tanto pesquisadoras mulheres como homens, que já desenvolvem uma série de pesquisas, principalmente nas universidades estaduais, mas também em outras instituições de ensino superior do Paraná.
“O programa foi concebido logo no início do conflito da Rússia com a Ucrânia, junto com a comunidade ucraniana paranaense, para que usássemos recursos do Fundo de Ciência e Tecnologia para atrair cientistas de lá, dentro de uma ação humanitária e também de reforço aos projetos científicos das nossas universidades”, explicou o secretário estadual da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Aldo Bona.
“A ideia era oferecer um espaço seguro para que eles continuassem a fazer ciência, pudessem abrigar suas famílias e continuarem na perspectiva de quem produz conhecimento”, salientou o secretário. “É um programa que tem o ingrediente da cooperação internacional. A gente torce pelo fim do conflito e que as pessoas possam retomar a normalidade de suas vidas, mas essa iniciativa gerou laços institucionais entre as nossas universidades e as instituições da Ucrânia”.
O reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Miguel Sanches Neto, destacou como a iniciativa tem contribuído com a instituição. A UEPG foi responsável pela elaboração do projeto que embasou o programa, pela produção do documentário e ainda recebeu duas cientistas.
“A iniciativa teve uma importância muito grande na vida dessas pesquisadoras, mas também na rotina das universidades, que receberam a experiência dessas acadêmicas. Ao mesmo tempo, conseguimos fazer a integração dessas duas culturas, sendo que nossa região já é bem marcada pela presença ucraniana”, salientou.
O DOCUMENTÁRIO – A equipe do documentário, que é coordenada pela jornalista Luciane Navarro e formada pelos profissionais Fabio Ansolin, William Clarindo, Jéssica Natal, Henry Milléo, Julio César Prado, Mirna Bazzi e Cristina Gresele, acompanhou a rotina de 22 bolsistas ucranianos, suas famílias e colegas de trabalho nas universidades.
O grupo percorreu, desde 2022, as cidades de Curitiba, Ponta Grossa, Irati, Jacarezinho, Guarapuava, Londrina, Prudentópolis, Maringá, Foz do Iguaçu e Toledo. Os três anos de trabalho resultaram em cerca de 200 horas de gravação e mais de 150 horas de produção e edição. É esse material que dá corpo à obra, que tem 67 minutos de duração.
“À medida em que eles foram chegando ao Brasil e foram encaminhados às universidades do Paraná, sentimos a necessidade de registrar esse processo, porque é um momento histórico”, explicou Luciane Navarro. “Nós acompanhamos as chegadas, que foram em períodos diferentes, por conta da dificuldade de sair do território ucraniano, e depois o processo das pesquisas que eles realizaram nas universidades”.
Entre os personagens retratados no documentário está Katherina Hodik, que trabalhava no setor de Literatura da Academia de Ciência Ucraniana, na capital Kiev. Hoje ela desenvolve sua pesquisa na Universidade Estadual de Londrina (UEL), voltada à tradução da poesia ucraniana.
“A mudança de país foi difícil porque o contexto era triste, e eu não sabia se minha família e amigos ficariam bem. Ao deixar seu país em tempo de guerra, você não tem certeza de nada e, na verdade, não quer sair de lá”, disse.
“Mas em 2022, quando recebi a proposta da Fundação Araucária, eu já não podia trabalhar normalmente na nossa instituição por conta dos vários períodos de blackout. Chegávamos a ficar de 20 a 22 horas sem luz ou internet durante vários dias, isso no inverno da Ucrânia, quando os dias são muito curtos. É impossível se concentrar na pesquisa dessa forma”, relembrou.
Em Londrina, Katherina conta que se sentiu de fato acolhida pelo seu orientador, o professor Frederico Garcia Fernandes, e sua esposa, Márcia, que hoje ela considera sua família no Brasil. “Até hoje eu sou uma filha adotiva da família do meu orientador. Quando passo por momentos difíceis, eles me ligam, me encontram e dizem sempre para eu lembrar que eles são minha família brasileira”, contou. “E aqui já posso trabalhar com várias coisas, o que já não conseguia na Ucrânia”.
Os pesquisadores Dmytro e Katerya Slinko moravam, junto com as duas filhas crianças, na cidade de Karkhiv, a 40 quilômetros da fronteira com a Rússia. Dois meses após a família desembarcar no Brasil, a casa onde viviam foi bombardeada. Hoje, eles reconstroem a vida em Londrina e estão vinculados à Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Também pesquisadores, os pais de Dmytro também se mudaram para o Estado.
“Nossa cidade se tornou um local muito perigoso para morar com as crianças. Na Ucrânia, trabalhava como chefe do Departamento de Ciência Criminal, e agora posso continuar minha pesquisa aqui em Londrina”, contou. “Esse suporte para os cientistas ucranianos foi muito importante, principalmente porque pudemos continuar nossos trabalhos de pesquisa e, também, viver uma vida normal”.
PRODUÇÃO – Para contar essas histórias, o projeto realizou captações na Seti, na Fundação Araucária, nas Universidades Estaduais de Londrina (UEL), Maringá (UEM), Ponta Grossa (UEPG), Centro-Oeste (Unicentro), Oeste do Paraná (Unioeste) e Norte do Paraná (Uenp), além da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e Instituto Federal do Paraná (IFPR).
As locações incluíram também o Parque Nacional do Iguaçu, Memorial Ucraniano, o Museu Campos Gerais, em Ponta Grossa, a Sociedade Ucraniana do Brasil, em Curitiba, e o Museu do Milênio, em Prudentópolis.

PROGRAMA ACOLHIDA – A iniciativa do Governo do Paraná busca prestar acolhimento social, em forma de apoio, nas atividades cotidianas dos pesquisadores ucranianos e suas famílias, com o objetivo de integrá-los socialmente, a partir da vivência acadêmica e social. Sem previsão para o fim da Guerra na Ucrânia, o programa se tornou permanente, em 2024, com recebimento contínuo de pesquisadores pelas universidades.
A Fundação Araucária foi a responsável pela coordenação do programa Acolhida, em parceria com as universidades estaduais. Atualmente, 24 cientistas ucranianos fazem parte do programa. Além do documentário, um livro com os estudos que estão sendo desenvolvidos no Paraná por esses pesquisadores será publicado ainda neste ano pela instituição.
A obra vai contar com pesquisas em diferentes áreas, incluindo artigos relacionados, por exemplo, às políticas criminais da União Europeia e a proteção dos direitos humanos no Brasil; a profissionalização do serviço público e o uso de Tecnologia da Comunicação e da Informação (TIC), entre outros.
Galeria de Imagens


















