Em 1985 o Brasil começava a reconstruir a democracia, extinta pelo golpe civil-militar de 1º de abril de 1964. Havia muito entusiasmo em torno da ideia de que a Reforma Agrária completaria a base capitalista do Brasil e o país estaria se afirmando entre as grandes democracias do planeta.
No entanto, por desinteresse do regime que se esgotava e por inabilidade das forças políticas emergentes não havia um projeto reformista consensual.
Fundado em Cascavel em janeiro do ano anterior, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) estimulava a ocupação de terras improdutivas, mas invasores oportunistas de áreas produtivas atrapalharam o propósito inicial.
Em setembro de 1985 as ocupações descontroladas aumentavam sem que um projeto adequado de Reforma Agrária fosse apresentado ao país pelo governo de transição, encabeçado desde março pelo ex-senador José Sarney.
Na intenção de responder às pressões da sociedade, o governador José Richa apressou a regularização das áreas ocupadas para viabilizar a Reforma Agrária, mas esbarrou na reação dos proprietários rurais às invasões.
Terra para quê?
Em meio à confusão reinante, o presidente da Sociedade Rural do Oeste, Nélson Emilio Menegatti, líder de 300 grandes proprietários de terras na região de Cascavel, veio a público propor uma Reforma Agrária de fato, que não se limitasse apenas à entrega de terras aos boias-frias – os trabalhadores rurais desprovidos de terras.
Foi uma crítica contundente aos governos federal e estadual, ao Congresso Nacional e à Assembleia Legislativa do Paraná, considerada uma aula de bom comportamento às autoridades federais e estaduais.
Os fazendeiros não são contra a Reforma Agrária, disse Menegatti, “desde que feita com critérios, porque de nada adianta mera distribuição de terras se não houver uma efetiva política agrícola que garanta a permanência do homem no campo”.
Menegatti explicou que dezenas de pequenos e médios proprietários de terras estavam vendendo partes ou todas as suas áreas para pagar os débitos com os bancos.
“A maioria dois boias-frias nem quer terra, porque não terá condições de cultivá-la devido à política agrícola adversa existente no país”, argumentou. “Para eles [os sem-terras] muito mais interessante seria a geração de empregos” (jornal Nosso Tempo, 20/9/1985).
Múltiplas atividades
Aos 49 anos, a maturidade das declarações do líder rural oestino resultava uma longa atividade rural e urbana nos três estados do Sul. Nascido em Erechim (RS) em abril de 1936, formou-se técnico em Contabilidade e exerceu a profissão de contador em Curitibanos (SC) até se transferir para Cascavel em 1961.
Sua primeira atividade em Cascavel foi administrar a Madeireira São Cristóvão, de propriedade de um grupo do Rio Grande do Sul, mas logo passou a investir na agropecuária, conhecendo profundamente toda a cadeia do setor.
Mais tarde, depois de desfeita a sociedade gaúcha, que deu lugar à Madeireira Bresolin, Menegatti optou por abrir uma imobiliária em sociedade com Orígenes Capelani dos Santos e Antônio Furtado Junior.
Nessa atividade, participou da expansão da cidade, que veio a se tornar uma das maiores do Estado. Ele comercializava terrenos em áreas que resultariam nos futuros bairros Clarito, Morumbi, Morada do Sol e Ipanema.
Praticamente uma atração turística era sua Cerâmica Igapó, sociedade dele com Claudino Badalotti. Era uma enorme construção feita com a participação das famílias Martini e Moresco e equipada com maquinários da indústria Bonfanti.
A incrível fábrica de tijolos
Os barracões foram construídos com perobas extraídas na região, madeira resistente o bastante para aguentar o peso dos tijolos. Eles secavam nas altas prateleiras dos barracões antes de ir à queima em cinco fornos, segundo Rolvi Martini, um dos construtores:
“O maior forno dessa cerâmica foi um desafio, pois era até então, no início dos anos 70, o maior forno já construído no Sul do país. Algo em torno de 30 metros de comprimento por uns 5 de altura, coisa que ninguém tinha feito. A gente mesmo não sabia se ele ia suportar o peso todo… E aguentou”.
O barro para a fabricação dos tijolos vinha da Fazenda Tatu-Jupi, em Santa Teresa, porque os barros dos banhados de Cascavel não tinham boa qualidade para fins cerâmicos. “Davam um tijolo xoxo, que quebrava à toa”, lembrou Rolvi. Outro barro de qualidade vinha da fazenda da família Dassoler.
O primeiro prédio construído com os tijolos da Igapó foi o Banco Nacional, na esquina da Avenida Brasil com Travessa Champagnat. “A demanda de tijolos era tanta que a gente não vencia na fabricação. A cerâmica trabalhava quase que 24 horas direto. A maioria das vezes os caminhões eram carregados, ainda com os tijolos quentes, recém-saídos dos fornos” (Rolvi Martini).
Sobraram tijolos
A maior encomenda de tijolos partiu de João Deckmann, proprietário do Cine Coliseu: mais de 150 mil unidades para a construção de um novo prédio para seu cineteatro, com 7 a 8 andares.
“Fizemos os cálculos e chegamos à conclusão que iríamos trabalhar cerca de 6, 7 meses só para o Deckmann, para atender o pedido. Quando já havíamos produzido cerca de uns 30 mil tijolos, apareceu o Deckmann suspendendo o pedido, pois segundo ele, o Cine Coliseu estava sofrendo perseguições do prefeito Jacy Scanagatta”.
Deckmann desistiu do projeto e foi se estabelecer em Curitiba, com o Cine Ribalta. Os tijolos já prontos foram usados para construir o Hotel Salvatti, em Foz do Iguaçu.
A Igapó foi um desafio contínuo, mas a boa gestão cria as soluções e foi para isso que Menegatti assumiu a presidência da Acic em 1965, época em que a entidade se resumia “a uma mesinha e uma cadeira”, com as reuniões feitas no escritório dos irmãos Lago e na residência de Horalino Bilibio.
Recuperando o Tuiuti
Menegatti também presidiu o Tuiuti Esporte Clube, desde março de 1969, com a mesma necessidade de resolver problemas. “O clube estava em dificuldades na época. No primeiro baile, o assoalho do salão estava tão podre que houve o caso em que uma pessoa sentada na cadeira furou o assoalho e caiu durante o baile. Tive que providenciar um assoalho novo para poder realizar outros bailes”.
Além das tarefas associativas, Menegatti se distribuía entre vários negócios, ora na fazenda em Três Barras, ora na condição de madeireiro, como quando iniciou o reflorestamento número 6 do Paraná, no atual Jardim Clarito.
Menegatti considerava cada empreendimento ou entidade como se fosse um filho além dos três que teve com a esposa Idalina Sartori: João Francisco, Luiz Fernando e Simone.
Outros “filhos” foram a Sociedade Rural, a Associação Atlética Comercial, o Country Clube e o Automóvel Clube. Fez parte ainda do grupo que construiu o Autódromo, foi delegado regional da Fiep e juiz classista.
No agro, sucesso histórico
Quarto presidente do Sindicato Rural Patronal de Cascavel, ali, no “filho” mais difícil, Menegatti permaneceu por duas décadas, de 1988 a 2010, eleito sete vezes. No Sindicato, seu trabalho foi decisivo na correção de problemas dos agricultores:
“Para produzir não basta mais ter apenas um pedaço de terra e comprar insumos e defensivos. É imprescindível também que o agricultor esteja atualizado e tenha na equipe que o ajuda na atividade pessoas muito bem capacitadas”.
Ele e a equipe jurídica no Sindicato comprovaram essa tese no fim de 2008, quando Menegatti levantou o setor rural para resistir à crise de preços na triticultura.
“Chegamos ao limite: o produtor rural perdeu a esperança de apenas implorar por uma política agrícola coerente e que seja respeitada pelo próprio autor das medidas, o governo”, declarou Nélson ao anunciar a decisão de ir à 8ª Vara da Justiça Federal em defesa dos produtores de trigo, tendo como réus a União e a Conab.
Nélson Menegatti morreu em 16 de novembro de 2012. Desde 2010, seu sucessor, Paulo Roberto Orso, deu sequência com êxito às iniciativas do bem estruturado Sindicato Rural, atuando em harmonia com a representação dos trabalhadores do setor. Todos os filhos corresponderam às suas expectativas.
100 anos da revolução: O cerco de 15 mil soldados
“Os rebeldes contavam com 1.300 a 1.400 remanescentes da sublevação de São Paulo e em torno de seiscentos a oitocentos gaúchos. Bem armados, contudo, apenas 150. Em face de 15 mil soldados inimigos, bem armados e municiados, e ainda mais determinados depois da tomada de Catanduvas.
“Geograficamente, os rebeldes encontravam-se num fundo de garrafa, como dizia Rondon, e bem arrolhada, ou seja, estavam cercados e, aparentemente, sem saída. Decidiram, então, quebrar o fundo da garrafa, escapando pelo Paraguai, e, através do país vizinho, voltar ao Brasil por Mato Grosso. Uma opção nada convencional, guerrilheira, que surpreendeu Rondon e os próprios paraguaios” (Daniel Aarão Reis, Luiz Carlos Prestes, Um revolucionário entre dois mundos).
“Concentradas em Santa Helena, as forças revolucionárias escoaram suas tropas por uma picada de 30 km, passando por Porto Artaza até Porto Mendes, correndo a 5 km da margem do Paraná para evitar os cânions dos rios São Francisco Falso e São Francisco. A abertura dessa picada havia sido ordenada pelo general Miguel Costa ainda na primeira semana do mês de abril” (Sérgio Rubens de Araújo Torres, Revolução de 1924, Nas barrancas do Rio Paraná).
As duas colunas iniciaram o reagrupamento com as forças que ainda estavam separadas e apesar do cerco se reuniram nos arredores de Porto Mendes.
Sair do Paraná, em consequência, diante de tantas forças oponentes, seria o primeiro grande desafio das forças conjuntas que viriam a ser conhecidas como a “coluna invencível”.
