Dezembro de 1542. A caminho de Assunção, onde iria assumir o governo regional, o espanhol Álvar Núñez Cabeza de Vaca descreveu o Oeste paranaense como “terras muito alegres de muitas águas e florestas”.
Cabeza de Vaca decidiu dividir a expedição três partes. Duas seguiriam pela margem, a pé e a cavalo, e a terceira, com o governador e 80 besteiros e espingardeiros, iriam por água, em canoas fornecidas pelos índios.
As canoas se dirigiam pelo Rio Iguaçu em velocidade crescente até ser advertido pelos índios guias de que mais adiante havia um grande perigo. Eram as Cataratas do Iguaçu, da qual ele foi considerado o descobridor, pois as mencionou em seus escritos futuros.
Iniciando uma penosa marcha à margem do rio, matando a fome com vermes de taquara fritos, o deslocamento de 250 homens armados, 36 cavalos e alguns índios vaqueanos era lentíssimo.
Cabeza de Vaca jamais teria descrito sua viagem e a “descoberta” das Cataratas, porque o roteiro de viagem contemplava a travessia do Rio Paraná mais ao Norte.
Avisado de que por lá havia índios poderosos, capazes de massacrar os europeus que lhes aparecessem pela frente, preferiu seguir pela margem Norte do Iguaçu acompanhado de índios amigos, aos quais distribuiu muitos presentes.
Paranaense desde 1891
O Oeste do Paraná só foi oficialmente “descoberto” pelos luso-brasileiros em 1889, quando missão militar tendo à frente o tenente José Joaquim Firmino encontrou um povoado já constituído na área que no futuro será a cidade brasileira de Foz do Iguaçu.
Entende-se que a Constituição de 1891 passou a região das Cataratas ao Estado do Paraná, ao resguardar para a União apenas os sítios considerados indispensáveis à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.
O uruguaio de nascimento Jesús Val e residente no Chaco Argentino ali se estabeleceu em 1897. Ou as Cataratas não tinham importância para as autoridades da época ou havia o interesse, jamais declarado oficialmente, em que o uruguaio Val mantivesse a propriedade do local.
Em 1900, o presidente argentino de Julio Argentino Roca (1843–1914), que passou à história por promover horrendos massacres com a etnia Mapuche, positivou parcialmente sua história propondo a primeira lei para proteger as Cataratas do Iguaçu.
Nessa época o governo brasileiro só estava centrado em resolver questões limítrofes ao Norte. Foi exatamente em 1900 que se resolveu, depois de quase dois séculos, a questão entre o Brasil e a França sobre a demarcação da fronteira do Amapá com a Guiana Francesa, que tinha invadido e anexado cerca de 260 mil km² do território brasileiro
Foi a Questão do Amapá, com a qual a fronteira entre os dois territórios foi determinada pelo Rio Oiapoque.
Sem problemas, Jesús Val confirmou sua propriedade sobre a região das Cataratas em 1905, quando o comando da Colônia Militar do Iguaçu, por orientação do já republicano governo brasileiro deu instruções para providenciar o registro dos colonos que viviam na região da fronteira.
A misteriosa ordem de cima
Jesús Val então aparece na primeira página do Livro para Matrícula de Colonos da Colônia Militar, cujo comando recebeu depois ordens de cima, diretamente do Ministério da Guerra, por telegrama, para não causar embaraços ao registro feito por Val.
O telegrama teria sido enviado pelo general Vespasiano de Albuquerque (1852–1924). A causa da orientação é um mistério. No terreno das hipóteses, é possível que a intenção fosse proteger os interesses do coronel Jorge Schimmelpfeng, que tinha uma empresa comercial localizada junto aos saltos do Rio Iguaçu, segundo Sebastião Paraná (https://x.gd/qxOcM).
Mais adiante haverá sinais que reforçam essa hipótese. No registro da Colônia Militar, Val consta como sendo um espanhol de 47 anos, autorizado a dispor de um lote de 1.008 hectares à margem do Rio Iguaçu, junto aos Saltos de Santa Maria, para fins agrícolas.
Não há escritos explicando a orientação de manter as Cataratas como propriedade de um uruguaio com negócios no Paraguai, pessoa sobre a qual, aliás, há reduzidos elementos biográficos conhecidos.
A não ser que haja relação com interesses do coronel Jorge Schimmelpfeng, futuramente prefeito de Foz do Iguaçu, o telegrama de Albuquerque seguirá misterioso.
Quando a Colônia Militar do Iguaçu foi extinta, em 1913, Schimmelpfeng já era o homem forte de Foz do Iguaçu, mas o Estado passou a tomar decisões sobre a área, considerando que não havia normas federais sobre o local.
O papel de Santos-Dumont
No sábado, 22 de abril de 1916, Alberto Santos-Dumont, vindo de encontros internacionais no Chile e Argentina, aloja-se no Gran Hotel, de Leandro Arrechea, na barranca do Rio Iguaçu.
Sabendo da visita do inventor do avião, Frederico Engel, dono de um hotel em Foz do Iguaçu, convenceu o prefeito Jorge Schimmelpfeng a convidá-lo para ver as Cataratas do Iguaçu também do lado brasileiro.
Dois dias depois, Santos-Dumont atravessou o Rio Iguaçu para se hospedar no Hotel Brasil, de Engel. Ao saber que as Cataratas eram propriedade particular de Jesús Val, reclama: “Essas maravilhas não podem pertencer a um particular”.
“Prepare uns cavalos porque amanhã mesmo parto para Guarapuava”, ordenou, decidido a procurar o presidente (governador) Affonso Camargo para nacionalizar as Cataratas do Iguaçu.
Viajando a cavalo durante seis dias, de Guarapuava seguiu a Ponta Grossa, onde tomou o trem para ir a Curitiba. Recebido pelo secretário de Interior e Justiça, advogado Enéas Marques, foi levado ao gabinete do governador em 8 de maio, data em que pediu a Camargo a criação de um parque para proteger as Cataratas e promover o turismo regional.
Em consequência, em 28 de junho de 1916 Affonso Camargo declarou pelo decreto 653 a área das Cataratas de utilidade pública para “nela se estabelecerem uma povoação e um parque”.
O cunhado do prefeito
No entendimento do Estado, quem concedeu a área para Jesus Val foi o Ministério da Guerra em movimento incomum por envolver um recurso tão exuberante quanto as Cataratas.
Jesús Val de imediato se insurgiu contra a desapropriação e abriu litígio judicial. Passou boa parte da vida se queixando que não foi ressarcido pela perda da região concedida pelo Exército nos tempos da Colônia Militar.
De acordo com as informações contidas na documentação, a essa altura já era viúvo e se estabelecia em Puerto Colón, no Paraguai, localidade próxima a Ponta Porã (atual MS).
Para acompanhar o processo, Val designou o engenheiro civil e rábula (advogado prático) Antonio Joaquim Alves de Farias, a quem caberia promover ação contra o Governo do Paraná pedindo a “indenização dos prejuízos que lhe causa o Decreto 653”.
Farias continuou procurador de Jesús Val até 13 de março de 1919, quando passou a procuração para Leopoldo Frederico Pereira, telegrafista-chefe em Curitiba, casado com Adelina Schimmelpfeng, irmã do coronel Jorge Schimmelpfeng, prefeito de Foz do Iguaçu desde 10 de junho de 1914. Esse fato reforça a tese de que o coronel ao defender Val queria proteger seus interesses naquela área.
O desfecho
Em 10 de julho de 1919, Jesús Val desistiu do processo por um acordo pelo qual ele vendia ao Estado do Paraná por escritura pública de compra e venda os 1.008 hectares de sua propriedade por 298,7 contos de réis, sendo 297,9 mil réis em apólices do governo, e 816,3 mil réis em moeda corrente. A propriedade foi registrada pelo Estado em 11 de outubro daquele ano.
Com a Revolução de 1930, o Estado baixou o decreto 2.153/1930, ampliando para cerca de 3.300 hectares a área já desapropriada na região das Cataratas, visando a “estabelecer uma futura povoação e um parque”.
Em 1939, também por decreto, desta vez federal (1.035), a área se tornou o Parque Nacional do Iguaçu.
Recentemente, em 5 de fevereiro de 2025, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) decidiu que o trecho brasileiro das Cataratas do Iguaçu pertence ao Paraná, com base na documentação de 1919, quando Jesús Val vendeu a propriedade ao Estado.
É possível que esse fato novo encerre o assunto, iniciado há mais de um século, quando, sem explicações, o ministro da Guerra mandou manter as Cataratas como propriedade do uruguaio Val.
100 anos da revolução: 400 rebeldes contra 4 mil
Em 20 de março de 1925, 400 rebeldes estavam cercados por mais de quatro mil soldados sob o comando de 17 generais.
Não há mais futuro para o contingente revolucionário paulista em Catanduvas a não ser tentar romper o cerco, que se completou pelo inteligente uso do posteamento da rede do telégrafo, que fornecia uma segura orientação geográfica naquela mata fechada.
Ao se estender em linha praticamente reta por um amplo território do Paraná, o posteamento telegráfico evitou que o destacamento encarregado de fechar o cerco se perdesse no matagal cerrado, deixando furos que permitissem a fuga dos rebeldes.
Seguindo os postes da rede telegráfica, o contingente legalista “atravessou o Rio Guarani, seguindo até Catanduvas, onde se encontrava um posto de comunicação telegráfico (…) esta estratégia usada pelos militares deu condições para derrotar os revoltosos” (Antônio Moreira da Silva, Nas Barrancas do Rio Paraná).
Na manhã do dia 23 de março começa o ataque final à posição rebelde em Catanduvas. Até as 13h haviam sido lançadas 1.200 granadas sobre os rebeldes. A cada 20 segundos uma granada de artilharia explode nas trincheiras revolucionárias.

Fonte: Alceu Sperança