16°C 24°C
Cascavel, PR
Publicidade

Presidente passou apuros em Cascavel

O general Ernesto Geisel enfrentava a extrema-direita ansiosa por matança, protestos populares que exigiam democracia e pressões dos EUA

27/10/2025 às 14h40 Atualizada em 27/10/2025 às 15h06
Por: Alceu Sperança
Compartilhe:
Presidente passou apuros em Cascavel

Desprezados pelo governo ditatorial, voltado sobretudo a privilegiar industriais e banqueiros, até o início da década de 1970 os agricultores eram tratados como Jecas Tatus ignorantes. A grande virada veio com os preços agrícolas disparando no mercado internacional em 1973, após a quebra da safra americana pelas enchentes ocorridas nos vales do Mississipi e Missouri.

Os agricultores repentinamente se viram diante da perspectiva de ganhar muito dinheiro, mas sofriam com o encarecimento dos fretes até o Porto de Paranaguá, por conta da crise mundial do petróleo. A proposta de construção da Ferrovia da Soja, em consequência, tornou-se dominante, puxada pelas cooperativas.

Continua após a publicidade
Anúncio

Em 1975, para fortalecer as novas perspectivas de progresso da região, rumo à agroindustrialização, o presidente da Cotriguaçu, Roberto Wypych, iniciou uma campanha nacional pela construção da Ferrovia da Soja e duplicação da BR-277.

Afirmava que haveria um colapso no escoamento da safra se essas providências não fossem tomadas. Sendo 1976 ano eleitoral, a proposta avançou: em 12 de fevereiro desse ano, o presidente da Coopavel, Adolpho Cortese (1929–2003), recebeu o engenheiro ferroviário Emile Karmann, responsável pelos projetos da América Latina do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird).

Continua após a publicidade
Anúncio

Em companhia de Roberto Wypych, do gerente cooperativista José Rafael Azambuja e representantes da Acic, Cortese também recebeu o economista Marc Blan e Cesar Giorgi, da Superintendência de Coordenação e Planejamento, da Rede Ferroviária Federal. Eles vinham coletar dados socioeconômicos para embasar o projeto de uma ferrovia ligando Guarapuava a Foz do Iguaçu.

Alegria presidencial

Os oestinos já comemoravam como resolvida a Ferrovia da Soja. Foi nesse clima de empolgação geral que em março de 1976, quando esteve em Marechal Cândido Rondon, o presidente Ernesto Geisel se sentiu em casa nessa comunidade de majoritária descendência germânica.

Continua após a publicidade
Anúncio

A presença do ditador no Oeste do Paraná, com um discurso positivo e ansioso por uma vitória consagradora nas eleições municipais de novembro daquele ano, era uma tentativa de se legitimar depois da derrota estrondosa sofrida pelo regime nas eleições parciais de 1974, quando os eleitores não tiveram permissão para eleger o presidente nem o governador do Estado.

A pauta de 1976 era fortemente populista: abrir oficialmente a colheita de soja, incentivar a eletrificação rural e distribuir milhares de títulos de propriedade das terras aos agricultores, sepultando um passado de jaguncismo, medo da polícia e incerteza quanto ao futuro.

Feliz, Geisel disse que ainda mais valiosa “é a oportunidade de conhecê-los, de que vocês também me conheçam e aos meus ministros, e assim estabelecermos um vínculo mais íntimo, entre povo e governo, fator essencial para que o nosso trabalho – o de vocês e o meu – tenha o melhor rendimento no interesse de nosso grande país”.

Vitória espetacular

Depois de muitas outras jornadas por todo o Brasil como cabo eleitoral da Arena, o partido de apoio à ditadura, em 30 de outubro de 1976, quase às vésperas da eleição, Geisel voltava ao Oeste, desta vez para fazer na Praça João XXIII, diante da Catedral, em Cascavel, a entrega do 100.000° título de propriedade rural expedido pelo Incra, que coube ao agricultor Bruno Budke.

Manifestando alegria e satisfação, como raramente fazia, Geisel declarou que o Governo existe para servir ao povo: “Eu espero que nós continuemos a caminhar juntos, que tenhamos a confiança recíproca desse povo, minha gente, sobretudo nessa eleição que se travará dentro de poucos dias”.

Nas décadas de 1950 e 1960 foram raríssimas as visitas de presidentes ao Oeste. Getúlio Vargas só veio quando foi ditador e não chegou a conhecer Cascavel, então insignificante. Juscelino Kubitschek esteve na região em 1956 e João Goulart quando foi vice-presidente, em 1958, mas já conhecia bem a região, sendo compadre do ex-prefeito José Neves Formighieri.

Assim, com duas visitas presidenciais no mesmo ano, algo jamais ocorrido, motivado excepcionalmente pela angustiante necessidade de reverter a derrota eleitoral de 1974, Geisel encheu de satisfação as lideranças regionais, que ao passar o mesmo sentimento às suas comunidades levaram o partido criado para apoiar o governo, a Arena, a colher uma esplêndida vitória.

Marechal Rondon não pôde eleger o prefeito, porque eram proibidas eleições para cargos executivos na faixa de fronteira, norma tão impopular quanto inútil, mas a Arena elegeu sete vereadores contra apenas dois do MDB, o partido que a ditadura consentia como única oposição.

Enfrentando a direita e os EUA

Em Cascavel, além de ganhar 9 das 15 cadeiras na Câmara Municipal, a Arena elegeu para um mandato de seis anos o prefeito Jacy Scanagatta, vencendo o deputado Fidelcino Tolentino, que tinha como candidato a vice o futuro governador Mário Pereira.

Pelo Brasil afora, a Arena conquistou 80% das prefeituras. Geisel se sentiu poderoso para enfrentar a extrema-direita, grupo que exigia dele repressão sangrenta à oposição clandestina, avessa a ter o consentido MDB como partido.

Igualmente se sentiu forte para manifestar repúdio aos EUA, que se opunham ao acordo nuclear entre o Brasil e a Alemanha e com base em relatórios emitidos pela CIA exigiam respeito aos direitos humanos.

Desde a Doutrina Monroe os EUA sempre trataram de forma humilhante o Brasil, que se curvava. A atual imposição de absurdas e injustificáveis tarifas não é uma exceção histórica.

Afinal, Geisel foi direita ou esquerda?

Fazia parte da pressão relatório dos EUA que no fim de 1976 mencionava tortura, assassinatos e coação contra estudantes e demais movimentos populares no Brasil por parte da ditadura.

Reagindo, em março de 1977, fortalecido pela vitória nas eleições, Geisel rompeu o acordo militar com os EUA, celebrado em 1952. Geisel era hostilizado pelos extremistas de direita como “amigo demais” da antiga União Soviética e países árabes, votando contra o sionismo na ONU e favorecendo a Organização para Libertação da Palestina (OLP).

“Não podia sujeitar o Brasil à interferência externa”, explicou Geisel na época, argumento repetido recentemente pelo presidente Lula da Silva ao reagir a intromissões do presidente Donald Trump em assuntos internos do Brasil.

Já no pós-eleição, o presidente Geisel que desembarcou em Cascavel em 27 de maio de 1977 não parecia mais tão animado quanto nas visitas anteriores. Agora em campanha para isolar os radicais e criar uma potência nuclear, ignorou a promessa de construir a Ferrovia da Soja.

O general-presidente deveria estar satisfeito, pois a pauta na região era saborosa: vinha inaugurar os trechos Cascavel–Toledo da BR-467 e Cascavel–Campo Mourão da BR-369, exigências de longa data dos agropecuaristas do Oeste e Noroeste. Mas como rodovia lembra ferrovia, o assunto logo apareceu.

Depois da eleição, outros planos

Em companhia do então governador do Paraná, Jayme Canet Jr, prefeito Jacy Scanagatta e ministro Ney Braga, entre outras autoridades, o presidente da República foi pressionado pelo líder cooperativista Roberto Wypych, que pediu o fim da enrolação do governo em torno da Ferrovia da Soja.

Já sabia que o Ministério dos Transportes retirou a obra das prioridades. Com esse balde de água fria depois das eleições, os agricultores, incentivados na campanha eleitoral a considerar a obra como dada e resolvida, sentiram-se traídos pelo governo.

Acostumado a ser obedecido e não questionado, Geisel deixou Cascavel ignorando a pressão do líder cooperativista oestino. Quando saiu do governo, em 1979, o agro já estava maciçamente na oposição. Por conta desse e muitos outros erros graves de gestão o governo perdeu de forma arrasadora as eleições de 1978 e 1982.

Com isso, o regime caiu sozinho, sem um só tiro da oposição, em 1985. Quanto aos agricultores, continuaram a sofrer com os insuportáveis juros inscritos nos contratos forçados pela ditadura e os bancos, situação da qual só saíram em 1994.

A primeira família: Chega a Revolução Industrial

O início do século XX foi forte crise econômica e política. As lideranças civis e militares se agrediam com bravatas e trapaças. Havia conflito entre caudilhos e coronéis, as pessoas se armavam, desenhou-se um quadro de guerra civil e crescia a ameaça de uma ditadura.

Em 1914, quando também começa a I Guerra Mundial, desencadeou-se uma onda de saques e invasões de propriedades de coronéis. Os líderes da rebelião incitavam os pobres a lutar, atribuindo sua situação de desespero à existência da República e pregando a restauração da monarquia.

Ao atacar, os jagunços (assim chamados pelo governo) ou pelados (como eles próprios se intitulavam) gritavam: “São Sebastião tá do nosso lado. Morra a República! Viva a Monarquia!”

Após quatro anos de guerra, estima-se que o “Exército Encantado de São Sebastião” chegou a envolver dez mil combatentes. Quase vinte mil brasileiros, militares e sertanejos, atirados pela ganância dos coronéis em um confronto vergonhoso. Uma guerra civil que manchou de sangue para sempre a história do Sul do Brasil.

É nesse quadro sombrio da realidade no Paraná que o mundo ingressa em uma nova era: a II Revolução Industrial, vinda nas rodas do automóvel.

Affonso Alves de Camargo assume o governo do Paraná em 25 de fevereiro de 1916 e vai se consolidar por décadas no poder estadual tendo como vice o industrial ervateiro Caetano Munhoz da Rocha.

O governo, a partir de então, será uma imbatível aliança das oligarquias do gado e do mate.

O monge João Maria, ex-militar que seduzia os sertanejos pobres com ideias religiosas e monarquistas

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários
Alceu Sperança
Sobre o blog/coluna
Jornalista, escritor e historiador.
Ver notícias
Cascavel, PR
22°
Parcialmente nublado

Mín. 16° Máx. 24°

22° Sensação
3.09km/h Vento
73% Umidade
100% (5.16mm) Chance de chuva
05h49 Nascer do sol
18h45 Pôr do sol
Ter 20° 16°
Qua 19° 13°
Qui 22° 11°
Sex 25° 14°
Sáb 22° 16°
Atualizado às 21h01
Publicidade
Publicidade
Economia
Dólar
R$ 5,37 +0,02%
Euro
R$ 6,25 -0,08%
Peso Argentino
R$ 0,00 +0,00%
Bitcoin
R$ 651,987,35 +0,25%
Ibovespa
146,969,10 pts 0.55%
Publicidade
Publicidade
Publicidade
Publicidade
Lenium - Criar site de notícias