
A história de Cascavel contada pela propaganda oficial não bate com a realidade. Em 14 de novembro de 2025 a cidade não poderia ter completado 74 anos, já que a vila começou a se formar em 28 de março de 1930.
Também ao contrário do que se costuma afirmar, a cidade de Cascavel não começou no antigo Cascavel Velho, um pouso ervateiro do século XIX abandonado ainda antes de 1900.
Cascavel começa, de fato, no Patrimônio Velho, oficializado pela Prefeitura de Foz do Iguaçu e o governo do Estado em 1931 com o nome oficial de “Patrimônio Municipal de Aparecida dos Portos de Cascavel”.
De onde surgiu essa errônea referência aos supostos 74 anos da cidade? A data remete ao aniversário da Lei 790/51, que em 14 de novembro de 1951 criou vários municípios paranaenses, dentre os quais o de Cascavel, quando a cidade já contava duas décadas de existência.
A pior confusão, entretanto, está entre o Cascavel Velho, onde a cidade não começou, e o Patrimônio Velho, onde ela de fato começou.
As distorções em torno da história de Cascavel encontram uma enxurrada de paralelos no Estado e no país, perpetuando-se no tempo. No caso dos indígenas, por exemplo, quando o príncipe João ordenou combatê-los nos Campos Gerais, os nativos que ali viviam jamais denominavam a si mesmos como “Caingangues”, palavra que significa “gente do mato”. E eles, aliás, nunca viveram na região de Cascavel.
A palavra Kaingang como designação de um grupo de indígenas do interior paranaense foi na verdade criada em 1882 por Telêmaco Borba, controverso personagem da história, para substituir duas expressões ainda piores – “bugres” e “Coroados”.
Na verdade, os nativos que os portugueses chamavam de Coroados (por conta da aparência do cabelo) e Borba preferiu designar como Caingangues, eram os índios Dorins, que por longo tempo não se deixaram escravizar pelos portugueses.
Entre 1809 e 1812, sucessivas missões militares virão para “limpar” o interior do Paraná, criando espaços livres para a colonização com imigrantes europeus. Os indígenas foram sufocados pela ação militar portuguesa, que capturavam o cacique e o forçavam a induzir seu povo a abandonar as crenças e costumes ancestrais.
Em agosto de 1812 foram escravizados os primeiros 312 índios nos Campos Gerais do Paraná. Supondo contornado o perigo de ataques indígenas, Portugal criou em 1819 a vila de Guarapuava.
No entanto, já no Império, os resistentes Dorins atacaram em 1824 a Freguesia de Nossa Senhora de Belém (Guarapuava) e destruíram seu forte, mas em seguida sofreram duríssimo combate até que a vila se impôs como posto avançado da ocupação imperial.
A 5ª Comarca de São Paulo, em agosto de 1853, recebe o nome de “Província do Paraná”, cujo governo libera a compra e ocupação de vastos latifúndios do interior por estrangeiros. Serão as obrages, dedicadas sobretudo à exploração da erva-mate.
Não houve colonização de fato até pela eclosão da Guerra do Paraguai (1864–1870), depois da qual o capitão Nestor Borba anunciou em 1876 a descoberta das ruínas da Ciudad Real del Guayrá.
Os estudos que começam com ele levarão à compreensão de que entre os rios Iguaçu e Piquiri a região Oeste era habitada desde 6 mil anos antes de Cristo por caçadores-coletores filiados à tradição Bituruna, origem dos agricultores e ceramistas da tradição Tupiguarani.
Os primeiros indígenas que viveram antigamente na região de Cascavel foram os Guaranis. Nunca os Caingangues, assim qualificados desde 1882, os indígenas-guias que em 1888 acompanharam os militares da Comissão Estratégica na abertura da picada que deu origem à atual BR-277.
Os guias apenas passaram pela região, pois não vieram para ficar. Em julho de 1889 a expedição pioneira do tenente José Joaquim Firmino alcançou as barrancas do Rio Paraná e em novembro foi instalada a Colônia Militar do Iguaçu, hoje Foz do Iguaçu. Em seguida Firmino e sua turma voltaram a Guarapuava para novas missões.
Em 1893 foi criado o Serviço de Terras e Colonização do Paraná. A história da cidade de Cascavel propriamente dita começa nesse espírito, em 1895, quando o ervateiro Augusto Gomes de Oliveira construiu uma estrada carroçável que ao cruzar a trilha militar de 1889 deu origem à Encruzilhada dos Gomes. É nela que em 28 de março de 1930 terá início a cidade de Cascavel.
Segundo Sandálio dos Santos, que hoje dá nome à Biblioteca Pública, em 1905 a turma de agrimensura do engenheiro Arthur Martins Franco, ao demarcar as terras da obrage Nuñes y Gibaja, fez o primeiro mapeamento do Médio-Oeste.
Chegou ao acampamento central da empresa ervateira Domingo Barthe, ou Central Barthe, nos arredores da atual Santa Tereza do Oeste. Ali, o fotógrafo Max Kopf, o Vovô Coxa, registou as primeiras imagens do atual território cascavelense, sem vilas nem cidades, apenas pousos ervateiros.
Ainda em 1905 o coronel Jorge Schimmelpfeng adquiriu 250 mil hectares que viriam constituir a Fazenda Britânia, formada em agosto de 1906 em Buenos Aires pela Companhia de Maderas Del Alto Paraná, de capital inglês. Na Fazenda Britânia, junto a um antigo pouso ervateiro, surgiria no pós-II Guerra uma cidade: Toledo.
Em 1920, o colono catarinense Antônio José Elias, vulgo Antônio Diogo, adquiriu uma propriedade rural na qual se encontravam o antigo pouso ervateiro abandonado já conhecido como Cascavel Velho e a Encruzilhada dos Gomes (cruzamento da estrada carroçável com a trilha militar).
Três anos depois José Silvério de Oliveira, o Nhô Jeca, recebe de Antônio Elias em arrendamento a área da Encruzilhada, onde em 28 de março de 1930 ele começou a formar a vila de Cascavel, ainda sem nome, apenas conhecida como Encruzilhada dos Gomes.
Entre fins de 1930 e o início de 1931, o prelado (bispo) de Foz do Iguaçu, monsenhor Guilherme Matia Thiletzek, batizou a vila Encruzilhada dos Gomes como “Aparecida dos Portos”.
Para José Silvério de Oliveira, o nome do lugar não poderia ser rebatizado com outro nome a não ser Cascavel, devido ao rio com esse nome. Por isso, ao trazer de Lopeí em 20 de julho de 1931 as instalações do telégrafo, lá plantadas durante a revolução de 1924, o telegrafista Bento dos Santos Barreto, a pedido de Silvério, ao expedir o primeiro telegrama trocou o nome de Aparecida dos Portos para Cascavel e assim permaneceu.
Quanto ao Cascavel Velho, foi uma propriedade rural entre 1922 e a década de 1960. Só então, com a expansão do Patrimônio Novo (a parte da cidade a Leste da Rua Sete de Setembro), passou a fazer parte da cidade.
Em setembro de 1931 o Município de Foz do Iguaçu pediu ao governo do Estado a posse das terras da atual Cascavel e criou o “Patrimônio Municipal de Aparecida dos Portos de Cascavel”.
Se a história oficial fosse séria, em 14 de novembro último não estaria comemorando os falsos 74 anos da cidade de Cascavel, mas os 91 anos da instalação do Distrito Policial de Cascavel, autorizado em 1934 pelo interventor (governador) paranaense Manoel Ribas.
Em 14 de novembro de 1951, portanto, data da lei estadual 790/51, são oficializados vários municípios (e não cidades) paranaenses, dentre os quais Cascavel, Toledo, Guaraniaçu e Guaíra (Oeste) e Maringá (Norte).
As inúmeras distorções sobre Cascavel só não são piores que as de Curitiba, que tem provavelmente a história mais confusa de todas as capitais brasileiras, misturando sem nenhum critério lendas, misticismo católico e indígena com heróis construídos mais na imaginação que na realidade.
Quem quer esconder que não sabe inventa uma história, ignorando o incômodo detalhe de que a mentira um dia será descoberta.
Em 1914, quando também começa a I Guerra Mundial, desencadeou-se uma onda de saques e invasões de propriedades de coronéis. Os líderes da rebelião incitavam os pobres a lutar, atribuindo sua situação de desespero à existência da República e pregando a restauração da monarquia.
Estima-se que o “Exército Encantado de São Sebastião”, o efetivo dos pelados, chegou a envolver dez mil combatentes durante todas as ações.
Quase vinte mil brasileiros, militares e sertanejos, atirados pela ganância dos coronéis em um confronto vergonhoso. Uma guerra civil que manchou de sangue para sempre a história do Sul do Brasil.
É nesse quadro sombrio da realidade no Paraná que o mundo ingressa em uma nova era: a II Revolução Industrial, vinda nas rodas do automóvel.
Affonso Alves de Camargo assume o governo do Paraná em 25 de fevereiro de 1916 e vai se consolidar por décadas no poder estadual tendo como vice o industrial ervateiro Caetano Munhoz da Rocha.
O governo, a partir de então, será uma imbatível aliança das oligarquias do gado e do mate.
Classificadas entre as mais férteis do mundo, as terras vermelhas do Paraná se estendem pelos vales e entre os rios Tibagi, Paranapanema, Paraná e Ivaí, atraindo o interesse dos fazendeiros paulistas e estrangeiros que usam testas de ferro para estender ainda mais domínios anteriores.
Quarto ano da I Guerra Mundial, 1917 se caracterizou também por crises e rebeliões por todo o planeta. O Brasil vivia uma escalada de movimentos grevistas e repressão policial.
Apesar dos conflitos, o ano de 1917 foi decisivo para o avanço das obras preparatórias da rodovia que virá a ser a BR-277.
O engenheiro João Moreira Garcez (1885−1957) já comandava a reconstrução de um caminho carroçável ligando Foz do Iguaçu a Catanduvas quando foi retomada a construção da Rodovia Estratégica Guarapuava−Foz do Iguaçu, aos cuidados do engenheiro Francisco Natel de Camargo.
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