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Cinerama, a brincadeira cara da elite cascavelense

População jovem e novos ricos ganhando rios de dinheiro com o boom agrícola, por que não trazer ao interior os avanços dos grandes centros?

16/11/2025 às 09h02 Atualizada em 16/11/2025 às 10h23
Por: Tissiane Merlak Fonte: Alceu Sperança
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O Cine Delfim, em obras e funcionando. Foi bancado por dez sócios, dentre os quais Jacy Scanagatta
O Cine Delfim, em obras e funcionando. Foi bancado por dez sócios, dentre os quais Jacy Scanagatta

O fracasso da Cidade Munhoz da Rocha no início da década de 1950 não chegou a prejudicar o arquiteto Gustavo Gama Monteiro, seu organizador técnico. Para criar uma cidade planejada, bem antes de Brasília, estudou profundamente a região Oeste e passou a conhecer seus problemas e imaginar soluções.

Quando o projeto foi cancelado pelo governador Moysés Lupion, já que estava residindo em Cascavel, sua base de operações, rapidamente se familiarizou com a comunidade regional, vendo que seus líderes, na faixa de idade entre os 30 e os 40 anos, viam a riqueza pela primeira vez. 

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O boom agrícola transformou os filhos de pobres colonos, que antes viviam de pé no chão ou calçando botas furadas, em novos ricos. Os comerciantes urbanos traziam tudo que os novos ricos precisavam e também enriqueciam.

Requisitado pela Prefeitura de Cascavel para organizar a base do que a cidade hoje tem de melhor em sua história arquitetônica, Monteiro recebia imóveis bem situados em pagamento, como a área da antiga Estação Rodoviária, na Rua Carlos Gomes. 

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Vindo do Rio de Janeiro, acostumado a transitar em finos ambientes, Monteiro “contaminou” os novos ricos cascavelenses com a ideia de trazer ao interior do Paraná o que havia de melhor nas grandes cidades do mundo.

Sonhando alto

Mais que a Avenida Brasil, obra de vários protagonistas, inclusive o Exército, cuja Comissão de Estradas de Rodagem (CER-1) funcionava como virtual Prefeitura, Monteiro foi decisivo ao remontar o projeto da Catedral, que apresentava problemas estruturais insolúveis até ele dar as tintas finais ao desenho da igreja.

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Mas Monteiro sonhava com uma obra que fosse toda de sua lavra, da ideia à conclusão. Ele próprio ainda jovem, culto e com muitas ideias, plantou entre os jovens das famílias mais influentes de Cascavel o sonho de construir um luxuoso cinerama, ambiente widescreen que juntava as projeções de três aparelhos de 35 mm sobre uma grande tela curva.

O cinema já era conhecido em Cascavel desde que Lourival Mendes, dono do Cine Imperial, em Toledo, aproveitava espaços amplos, como o Tuiuti Esporte Clube, para exibir filmes em 16mm. 

Ele passou o equipamento a João Donin, proprietário de uma oficina mecânica próxima ao escritório da Imapar, nos arredores da atual Praça Getúlio Vargas. Consolidando a parceria com o Cine Imperial, Donin trazia as cópias dos filmes prediletos do público: faroestes, chanchadas (comédias nacionais), musicais americanos, seriados etc para seu Cine Cascavel.

Um empurrão, um murro

Conta Dercio Galafassi no livro Saga de Migrante que o cinema de Donin era uma construção sem forro, somente com telhado: “Próximo à hora da sessão semanal, afastava os pés-de-bode, geladeiras e o que mais estivesse na linha de conserto e substituía pelas cadeiras, pregadas em filas, por meio de ripas, para facilitar seu deslocamento”. 

A cartorária Aracy Tanaka Biazetto contou que no porão da oficina/cinema havia um galinheiro. “Quando a galinhada corria, era só piolho que subia para o cinema. Era só gente se coçando”. 

Nessa época, o fotógrafo Peados Hartmann também passava filmes em fazendas e serrarias do interior, já que a maioria da população vivia no campo. Seu sucessor, Mário Ferreira de Oliveira, levava em um jipe a tela, duas caixinhas de som e um motor a gasolina para acionar o gerador que alimentava o projetor. 

Donin passou a ter em 1965 um concorrente altamente qualificado. O catarinense João Lindolfo Deckmann, dono de uma ourivesaria, comemorou seus 40 anos abrindo o Cine Coliseu, dotado de um projetor de 70 mm, a maior novidade tecnológica do setor na época. No jornal Diário do Oeste ele anunciava dispor de tela panorâmica, cinemascope, Vista Vision e som em alta fidelidade. 

Tanto Deckmann quanto Mário se irritavam com facilidade. Em bate-boca sobre a concorrência, o empresário empurrou Mário com um safanão e levou em troca um murro devastador no rosto. Mário parou na cadeia e Deckmann no hospital. Para Mário restaram anos de um processo por lesões corporais que o vento levou nas cinzas do incêndio do Fórum, em 1968.  

Placa provocativa

Sem entrar em brigas, vencido mais pela concorrência do cinema de Deckmann, João Donin vendeu suas instalações e deixou Cascavel. Reinando absoluto na estrutura de entretenimento da cidade, Deckmann só se sentiu novamente ameaçado quando o cartorário Octacílio Mion, prefeito de Cascavel em dois mandatos, comprou o antigo Hotel Mariluz.

O prédio foi demolido e no terreno limpo Mion projetou as obras de seu futuros hotel e cartório. Sem que Mion soubesse e para irritação e desespero de Deckmann, os alegres frequentadores da Boca Maldita, que tinha como sede presumida uma lanchonete ao lado do cinema, colocaram uma placa no terreno limpo de Mion, no outro lado da Avenida Brasil: “Em breve aqui, cinema de luxo”.

Deckmann, furioso, interpelou Mion, que negou a intenção. Não faltaram suspeitos de ter colocado a placa ameaçando o monopólio de Deckmann. Um dos suspeitos era o arquiteto Gustavo Monteiro, que não escondia a ideia de trazer para Cascavel um cinema digno dos grandes centros: o cinerama.

Cismando em dotar o interior de algo que só grandes capitais possuíam, ele vendia abertamente a ideia de uma sala de espetáculos em que a modernidade estaria presente desde o desenho arquitetônico até a forma cooperativa de financiamento da obra. Pelo menos a autoria moral da placa era dele.

O segundo do Brasil 

A ideia surgiu em uma rodada de cervejas no Bar Amarelinho, segundo o bancário Rubens Nascimento. Ali era “o ponto de encontro onde se discutia de tudo, e no mais das vezes a respeito de novos investimentos de interesse para a cidade de Cascavel”.

A ideia de colocar a placa no terreno de Mion era só uma brincadeira para irritar Deckmann, mas a cerveja e o fervilhar das ideias originaram uma sociedade que de fato viria a construir um cinema de luxo, segundo Rubens Nascimento:

– Foi lá que começou a surgir o Cine Delfim com 10 acionistas, como vemos, inicialmente movidos pela cerveja do Amarelinho (...) sempre com o dedinho mágico do professor Gustavo Gama Monteiro. 

A magia aconteceu em fevereiro de 1968: na esquina da Avenida Brasil com a Rua 7 de Setembro se inaugurava o segundo cinerama do Brasil, depois do Comodoro, de São Paulo. Tinha tela parabólica, 16 alto-falantes nas laterais e um projetor de 70 mm (Vitória 8), de origem italiana, reputado como o melhor do mundo.

Com a intenção de proporcionar alegria aos olhos, o prédio impressionava logo à primeira vista. O público se deslumbrava, bem antes das projeções, logo ao passar pela bilheteria, desvendando sua arquitetura inovadora.

Segunda vitória sobre Deckmann

“O projeto utiliza o concreto aparente, a janela em fita assim como fachada e planta livre. O projeto é marcado por representar a fidelidade das matérias, como o concreto aparente no balcão em balanço e o tijolo em vista nos fechamentos do térreo. Há também o contraponto entre robustez e leveza criada pela inserção do vidro na fachada densa de concreto, proporcionada pela fachada livre” (Jéssica Soares Ferreira e Sirlei Maria Oldoni, Modernismo em Cascavel/PR: Obras Arquitetônicas Representativas).

Dois anos depois, João Deckmann vendia o Cine Coliseu para o grupo Delfim, que o renomeou como Cine Avenida, endereço que daria lugar à Caixa Econômica Federal no Calçadão. 

Para Deckmann, era um salto. Foi abrir em Curitiba o SuperCine Ribalta, no bairro Bacacheri, com “requintes sofisticadíssimos: luxuosa sala de espera, mobiliada em estilo colonial; sala para fumantes, separada da plateia por parede envidraçada; música ambiente estereofônico e até um pianista, como nos velhos tempos do cinema mudo, antes do início de cada sessão, na sala de espera” (Aramis Millarch, O Estado do Paraná, 19/01/75).

O Cine Delfim, entretanto, sobreviveu ao Ribalta, fechado em 1983. Sua última exibição se deu em 1996. Depois o prédio foi alugado para servir de igreja até ser demolido, em fevereiro de 2019. Até a demolição daria um filme: um trabalhador ficou preso sob os escombros. 

A primeira família: A seca dos taquarais 

A estrada até Catanduvas e os fios telegráficos com os trabalhos encerrados na foz do Rio Iguaçu já constituíam uma estrutura bastante razoável para estimular a colonização. O problema era como fazê-la sem imigrantes para assentar.

No início de 1907, com o governador Vicente Machado já gravemente enfermo, João Cândido Ferreira assume como interino e decide assinar um ousado decreto. 

A medida cria a Comissão de Colonização do Paraná, para assentamentos com “imigrantes estrangeiros, para o povoamento do território e progressivo e eficaz incremento de todos os ramos de atividade e de trabalho”.

Em 1909 ocorreu a terrível “seca dos taquarais” (https://bit.ly/3P2jGjE), liquidando totalmente as lavouras. Nesse tempo de estiagem e penúria, vieram vastos incêndios. 

As desgraças de 1909 não impediram as autoridades de confirmar que o futuro do Paraná estava em suas áreas ainda inexploradas: as matas do extremo-Oeste haviam escapado da destruição, colonizá-la era essencial.

No entanto, sobreveio a Guerra do Contestado (https://bit.ly/3bHkeNt), semeando medo, fanatismo religioso e mortes pelo sertão paranaense, em situação que saiu do controle pela incompetência das autoridades na administração de crises. 

Eram tempos de forte crise econômica e política. As lideranças civis e militares se agrediam com bravatas e trapaças. 

Havia conflito entre caudilhos e coronéis, as pessoas se armavam, desenhou-se um quadro de guerra civil e crescia a ameaça de uma ditadura.

Efeito da última seca severa sobre o Rio Paraná

 

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