
Os eventos climáticos extremos da última semana no Paraná, com formação de tornados que atingiram 330 km/h em cidades como Rio Bonito do Iguaçu deixando um rastro de mortes e destruição, reforçam que o Sul do Brasil está no segundo maior corredor de tornados do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Segundo a professora Leila Limberger, pesquisadora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e especialista em mudanças climáticas e eventos extremos, devemos nos preparar porque essas condições devem ficar cada vez mais frequentes se nada for feito, em mudanças climáticas eficazes.
Preto no Branco: Professora Leila, muita gente se surpreende quando ouve dizer que o Sul do Brasil está dentro do segundo maior corredor de tornados do mundo. Isso é mesmo verdade?
Leila Limberger: Sim, é verdade. Estamos inseridos no segundo maior corredor de tornados do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos. É algo muito comum na nossa região, embora muitas pessoas ainda associem o fenômeno a outros países. Aqui, no Oeste e Sudoeste do Paraná e no Oeste de Santa Catarina, os tornados são bem mais frequentes do que se imagina.
Preto no Branco: Então, esses fenômenos não são tão raros por aqui?
Leila Limberger: De forma alguma. Nós temos sempre o registro de tornados. Alguns ganham grande repercussão, como o de Nova Laranjeiras, em 1997, ou o que atingiu Rio Bonito do Iguaçu na semana passada. Mas há muitos outros que passam despercebidos, especialmente quando ocorrem em áreas rurais. Nesses casos, apenas os moradores das propriedades atingidas sabem do ocorrido, porque não temos um sistema formal de registro de todos os tornados.
Preto no Branco: Por que essa região é tão propensa a esses eventos extremos?
Leila Limberger: Há uma combinação de fatores geográficos e meteorológicos. O relevo da região contribui muito. As áreas próximas a grandes rios, como o Paraná e o Iguaçu, favorecem o deslocamento das massas de ar. As calhas desses rios funcionam como corredores que facilitam o ingresso de frentes frias. Quando o ar frio entra com força e se choca com o ar quente e úmido que vem da Amazônia, surgem condições ideais para tempestades severas e formação de tornados.
Preto no Branco: E isso é mais propenso em que regiões?
Leila Limberger: O Sudoeste do Paraná, em especial, é uma das regiões com maior índice de precipitação do estado — perdendo apenas para o litoral. Esse encontro de ar quente e frio é o motor que alimenta os sistemas convectivos responsáveis pelos tornados.
Preto no Branco: Então, os tornados são fenômenos previsíveis?
Leila Limberger: A gente gostaria que fossem, mas não são. O ser humano gosta de explicações exatas, mas a natureza não funciona assim. Os tornados são fenômenos muito aleatórios. Mesmo quando há as condições ideais, eles podem ou não se formar, e muitas vezes ocorrem de forma localizada, em um espaço muito pequeno. Por isso, nem todos são detectados pelos radares e dificilmente conseguimos prever exatamente onde um tornado vai tocar o solo.
Preto no Branco: E o que favoreceu a formação dos últimos tornados observados na semana passada no Paraná, e em especial o que devastou Rio Bonito do Iguaçu?
Leila Limberger: Houve uma conjunção de fatores meteorológicos. Naquele período, tínhamos uma área de baixa pressão e um cavado que favoreciam a formação de instabilidades. Além disso, ventos úmidos vindos da Amazônia, pelos jatos de baixos níveis, se deslocavam para o Sul. Esse fluxo se encontrou com ventos frios associados a um ciclone extratropical no oceano.
Preto no Branco: E existe um período em que isso pode acontecer com mais frequência?
Leila Limberger: Na primavera, ocorre a transição entre os sistemas atmosféricos do inverno e do verão. São massas de ar com características muito diferentes — o frio do Sul e o calor úmido tropical. Quando se encontram, há um choque térmico e de pressão que gera o movimento giratório das nuvens. É aí que nascem os tornados. Isso também pode acontecer no mês de maio.
Preto no Branco: E como se mede a força de um tornado?
Leila Limberger: Utilizamos a escala Fujita, que vai de F0 a F5. Os tornados de categoria F0 causam poucos danos; F1 já destelha casas e derruba árvores; F2 arranca árvores inteiras e pode jogar veículos; F3, como o registrado em Rio Bonito do Iguaçu e outros municípios, destrói casas e caminhões. É importante lembrar que essa escala é logarítmica — ou seja, um tornado F3 é muito mais forte do que um F2, não apenas um “nível acima”.
Preto no Branco: E como ocorre essa classificação?
Leila Limberger: Para classificar, olhamos os estragos deixados. No caso de Rio Bonito do Iguaçu, os danos foram graves, com destruição de residências inteiras. Por isso, foi classificado como F3.
Preto no Branco: Então a época do ano influencia?
Leila Limberger: Sim. Os tornados são mais comuns durante a primavera, de setembro a novembro, quando o contraste entre as massas de ar é maior. Mas também podem ocorrer em outras estações — inclusive no outono, especialmente em maio. No outono, as massas de ar de verão ainda trazem umidade, enquanto o ar frio começa a se aproximar. É o choque dessas características que provoca tempestades severas.
Preto no Branco: E por que às vezes os tornados atingem as cidades, e não apenas áreas rurais?
Leila Limberger: As cidades costumam ter temperaturas mais altas que as áreas rurais. O concreto retém calor e cria zonas de menor pressão atmosférica. Essas áreas funcionam como “ralos” para as correntes de ar descendentes das nuvens. Assim, quando há uma nuvem com vórtices giratórios — o chamado funil —, ela tende a tocar o solo onde a pressão é mais baixa. Cidades e regiões elevadas acabam sendo pontos de atração.
Preto no Branco: Isso é uma regra?
Leila Limberger: Não, não é uma regra. Tornados também ocorrem em vales e áreas de floresta. São fenômenos extremamente aleatórios e, dentro de uma única nuvem, o funil pode atingir o solo em locais diferentes.
Preto no Branco: Há algo que possa ser feito para evitar ou reduzir esses eventos?
Leila Limberger: Evitar, não. Os tornados fazem parte da dinâmica natural da atmosfera. O que podemos fazer é reduzir a intensidade dos fenômenos climáticos extremos, e isso passa por combater o aquecimento global. A principal medida é o reflorestamento. As árvores capturam gás carbônico, resfriam o ambiente e ajudam a regular a umidade. Quanto mais áreas verdes tivermos, menor será o desequilíbrio térmico que potencializa esses fenômenos.
Preto no Branco: É possível prever quando e onde um tornado vai acontecer?
Leila Limberger: Com exatidão, não. Para que um tornado se forme, é preciso uma conjunção de fatores — uma frente fria muito intensa, uma área de baixa pressão e grande contraste entre ar quente e frio. O que podemos prever é o risco de tempestades severas. Por isso, é fundamental acompanhar os alertas da Defesa Civil e do Simepar, que monitoram essas condições e avisam quando há perigo.
Preto no Branco: E o que as pessoas devem fazer quando há um alerta?
Leila Limberger: O mais importante é proteger a vida. Em casa, o ideal é procurar cômodos pequenos e centrais, como um banheiro de alvenaria com laje. Evite ginásios, galpões, supermercados e locais amplos — esses ambientes caem facilmente porque acumulam ventos. Em casas de madeira, a recomendação é se abrigar sob móveis resistentes, como mesas e bancos. Muitos sobreviventes relatam que só escaparam porque se protegeram dessa forma.
Preto no Branco: Como estamos nessa rota, é necessário saber como agir então?
Leila Limberger: Sim. O segredo é ter um plano. Saber onde se abrigar e como agir quando os ventos aumentarem ou a Defesa Civil emitir um alerta.
Preto no Branco: Diante das mudanças climáticas, devemos esperar mais tornados?
Leila Limberger: Sim, infelizmente. Nossa atmosfera está cerca de 1,5°C mais quente do que há algumas décadas. Gosto de usar a comparação com uma panela de pressão: se você aumenta o fogo, tudo dentro dela fica mais intenso. É exatamente isso que acontece com o clima.
Preto no Branco: E isso é algo novo?
Leila Limberger: Antes, já tínhamos tornados, chuvas fortes e secas, mas agora esses fenômenos estão mais frequentes e mais violentos. O aquecimento da atmosfera aumenta a energia disponível para tempestades e acelera o ciclo de extremos — muita chuva, depois muita seca, e assim por diante.
Preto no Branco: E o que pode ser feito?
Leila Limberger: Precisamos investir em educação climática e adaptação. Aprender a conviver com o clima extremo e, ao mesmo tempo, agir para reverter o que for possível. O desafio é grande, mas a conscientização é o primeiro passo.
Preto no Branco: Então, professora, o que podemos concluir sobre a realidade do Sul do Brasil?
Leila Limberger: Que vivemos, sim, em uma região propensa a tornados, dentro do segundo maior corredor do mundo. Isso não é motivo de pânico, mas de respeito à natureza e preparação. Os tornados sempre existiram e continuarão existindo. A diferença é que agora eles estão mais fortes — e nós precisamos estar mais preparados.
Mín. 17° Máx. 23°