
Os prefeitos se submetem a cada início de ano a uma enxurrada de críticas ao reajustar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Em Cascavel, o anunciado reajuste de 20% no valor venal dos imóveis, base para a cobrança do tributo, foi recebido com preocupação.
O IPTU integra o orçamento municipal, previsão do custeio da máquina pública. É uma fantasia com receitas infladas para dar margem a negociações, cortes e remanejamentos.
Por trás da fantasia, o prefeito suporta a metralhadora das críticas até que alguma redução da expectativa inicial acalme os críticos ou eles mudem o foco para o Imposto de Renda, as brigas políticas, o ano eleitoral e outras pautas que assolam as preocupações diárias dos contribuintes.
No caso de Cascavel, desde o boom agrícola dos anos 1970 os reajustes de impostos atendem ao desenvolvimento acelerado da cidade, com gastos elevados em infraestrutura forjados por sua condição de metrópole regional.
A agricultura de exportação deu fim aos antigos “Jecas Tatus”, os pobres agricultores. Associadas à cooperativização e à formação do polo universitário, a base econômica e a ampla rede de prestação de serviços criada geraram exigências estruturais que o Município isolado não dá conta de arcar.
O ufanismo pelo rápido progresso não deixou perceber que o papel de metrópole para Cascavel só seria positivo com a participação do Estado e da União na infraestrutura.
O Município arcando sozinho com todos os custos, beneficiando os municípios do entorno sem receber os recursos que as regiões metropolitanas em geral obtêm, causa gastos excessivos.
A percepção desse fato só se deu nas eleições de 1982, quando a proposta de criar a Região Metropolitana entrou em debate. No entanto, ela não dependia dos cascavelenses nem dos oestinos.
As propostas apoiadas pela maioria da população esbarram em resistências externas, sobretudo em Curitiba e Brasília, caso da Estrada do Colono. Assim se criam as “novelas” que se estendem por décadas.
Sem sinais favoráveis dos governos federal e estadual nem da Assembleia Legislativa ou do Congresso, o empresariado cascavelense calculou que a falta de apoio à Região Metropolitana vinha da ausência de senadores, deputados federais e estaduais com domicílio eleitoral na região.
Supunha-se que eleger representantes bastaria para viabilizar a RM, mas logo se viu que parlamentares apenas representam seus partidos. Roberto Wypych foi deputado e senador, mas só é lembrado pelo sucesso como líder cooperativista, já que suas propostas legislativas não vingaram, mesmo ligado a um partido governista.
Sendo deputado estadual também ligado ao governo, o engenheiro David Cheriegate percebeu que não bastava ser parlamentar nem defender as demandas de sua base: era preciso que o governo tivesse interesse e desse o sinal verde para a proposta
Candidato a prefeito em 1982, Cheriegate prometeu criar a RM de Cascavel reconhecendo que não a conseguiria só como deputado. Pensava que a posição de prefeito lhe daria força junto ao governo do Estado e o apoio da Assembleia Legislativa viria assim automaticamente.
Teve a infelicidade de pertencer a um partido ligado à ditadura em declínio e perdeu a eleição, mas a essa altura a proposta já era consenso na sociedade cascavelense e foi mantida, com o apoio das cidades da região e dos parlamentares com domicílio eleitoral no Oeste.
Nada funcionou. Durante as décadas de 1980 e 1990 inteiras, a ditadura caindo sozinha e ultrapassada a marca do milênio, todos os projetos de parlamentares e prefeitos propondo a Região Metropolitana caíram no vazio.
Até surgiu um gracejo, repetido por anos a fio: “Em Cascavel, só a Catedral é Metropolitana”. Assim foi até 5 de maio de 2003, quando a Assembleia Legislativa finalmente pautou o Projeto de Lei Complementar 110/03 que instituía a Região Metropolitana de Cascavel.
Tudo favorecia na época as demandas da população: o presidente Lula havia sido eleito em 2002 com uma votação espetacular e, no Paraná, Roberto Requião se elegia ao governo do Estado.
Ambos prometiam respeito à vontade popular. No entanto, Lula no primeiro dia de mandato rompeu com as propostas de esquerda, iniciou um governo centrista e Roberto Requião fez um governo personalista.
Popular era o Projeto de Lei Complementar 110/03 determinando Cascavel como o polo da Mesorregião Oeste do Paraná e sede da Região Metropolitana agregado aos municípios de Anahy, Boa Vista da Aparecida, Braganey, Cafelândia, Campo Bonito, Capitão Leônidas Marques, Catanduvas, Céu Azul, Corbélia, Guaraniaçu, Ibema, Iguatu, Lindoeste, Santa Lúcia, Santa Tereza do Oeste e Três Barras do Paraná.
Esses municípios, dizia o texto do projeto, “têm uma vida econômica e social interligada por fatores os mais diversos, como a presença da Universidade, a indústria, a forte tradição agropecuária, os serviços e o comércio”, além de se caracterizar como “uma região de desenvolvimento acelerado, com a evolução da região urbana e o surgimento de necessidades e problemas comuns”.
Foi aprovado, mas o governador Requião causou um inesperado anticlímax e vetou a criação da RM.
Requião argumentou que “as características socioespaciais do conjunto dos municípios não justificavam sua adequação à categoria de unidade regional proposta (metropolitana, neste caso)” (Cleverson Alexsander Reolon e Edson Belo Clemente de Souza, Questões conceituais: das unidades regionais à Região Metropolitana de Cascavel).
Quais seriam essas “características socioespaciais”? Só uma: a presunção de um contingente populacional mínimo de 800 mil habitantes. Na época, com base no Censo Demográfico de 2000, a população total da RM seria de 388.565 habitantes.
O argumento não convenceu porque a Constituição do Paraná permitia a criação de RMs, aglomerações urbanas e microrregiões sem exigência de um número mínimo de habitantes.
Na campanha eleitoral de 2006, para se reeleger, o governador Roberto Requião prometeu criar a RM de Cascavel com qualquer população. Reeleito, até enviou projeto nesse sentido à Assembleia Legislativa em janeiro de 2007, mas logo mandou trancar a tramitação.
Pondo a culpa nos deputados, Requião disse que propôs criar a RM de Cascavel com 28 municípios, mas um substitutivo do deputado Reni Pereira, de Foz do Iguaçu, aumentou a abrangência para 50, que formariam a Região Metropolitana do Oeste do Paraná.
A novela se arrastava. Em 2012, com a eleição de Beto Richa para o governo do Estado, as lideranças de Cascavel e região voltaram à carga na tentativa de criar finalmente a Região Metropolitana.
O deputado estadual Leonaldo Paranhos foi o proponente. Retomava o projeto inicial, previa um Conselho Deliberativo com cinco membros e um Conselho Consultivo formado pelos representantes municipais.
Deles viria um Plano de Desenvolvimento Integrado da Região e a eles caberia a execução dos programas e projetos estabelecidos. Em 2014 o projeto avançou pelas comissões da AL, reforçado pelas participações dos deputados José Lemos, Nereu Moura, Adelino Ribeiro e André Bueno.
Aprovado em dezembro de 2014, o projeto virou lei em 14 de janeiro de 2015. Estava finalmente criada a Região Metropolitana de Cascavel, com uma população inferior a 600 mil habitantes.
Mas ainda seria preciso transitar um longo caminho burocrático antes de se tornar prática. Só em maio de 2022 foi realizado o primeiro Fórum Metropolitano, na Associação dos Municípios do Oeste do Paraná (AMOP), com a presença de técnicos e representantes dos municípios.
Nessa época, a lista de Municípios participantes da RM foi aumentada com Vera Cruz do Oeste, Formosa do Oeste, Jesuítas, Iracema do Oeste, Nova Aurora, Diamante do Sul e Matelândia.
O foco do fórum era a elaboração do indispensável Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), exigência do Estatuto da Metrópole, criado em 2015. Em outubro de 2022, uma nova etapa, a segunda de seis, com a aprovação de Diagnósticos, Diretrizes e Propostas Setoriais Prioritárias.
Aprovado em todas as etapas pelos conselhos internos da RM de Cascavel, o PDUI foi em abril de 2023 remetido à Agência Metropolitana do Estado para seguir à aprovação da Assembleia Legislativa do Paraná.
Durante todo esse tempo, a RM continuou só no papel, no máximo como um mapa de posição geográfica, com o Município de Cascavel, como sempre, arcando com todos os custos da metropolização. Só a Catedral continuava completamente metropolitana e as únicas certezas ainda eram a morte e os impostos.
Pelo vasto interior paranaense, até então com vilas diminutas e muitos acampamentos transitórios, forma-se na virada do século XIX para o XX uma população rarefeita, dispersa em ranchinhos ocupados por uma ou duas famílias, bastante isoladas uma das outras, que constituem plantações diversas, principalmente de milho, feijão e trigo, além de criar suínos.
O Médio-Oeste não passava de um vasto campo de coleta de erva-mate. Pela dificuldade no transporte, não valia a pena arrastar madeira da Cascavel de hoje, então inexistente, até o Rio Paraná. Além de faltar o trem, os caminhões não suportariam trafegar nas trilhas carroçáveis.
Excetuando as áreas pertencentes às obrages ou reservadas à projetada estrada de ferro, havia no Médio-Oeste uma larga faixa de terras devolutas encravada entre as companhias Domingo Barthe e Nuñes y Gibaja.
Nela ficava, desde 1895, o entroncamento de trilhas que os sertanejos chamariam de Encruzilhada dos Gomes.
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